Quase dois anos depois de a Operação Monte Carlo ser deflagrada e o levar à cadeia, Carlinhos Cachoeira – condenado a 39 anos de prisão no processo – está retomando a vida. É o que mostra reportagem do Jornal O Popular publicada neste domingo (24). Além de reestruturar suas atividades empresariais, ele estaria retomando contatos políticos e voltando a frequentar a noite goiana.
O Jornal ouviu amigos e pessoas próximas a Cachoeira – a maioria delas preferiu o anonimato – e montou o que seria a nova rotina do homem que foi pivô do escândalo que movimentou o mundo político goiano.
Veja o texto, disponível para assinantes no site do Jornal:
“O setor imobiliário virou uma máquina de fazer dinheiro.” A frase, relatada por um amigo próximo, é de um homem acostumado a lidar com máquinas de fazer dinheiro. Um ano após deixar o presídio da Papuda, no Distrito Federal, no dia 21 de novembro, onde ficou preso por nove meses, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, começa a se reestruturar como empresário, se rearticular politicamente e voltou a frequentar com desenvoltura bares e restaurantes de Goiânia, enquanto passa a maior parte do tempo focado em evitar seu maior pesadelo: voltar para a cadeia.
O POPULAR conversou com funcionários, amigos e familiares de Cachoeira durante toda a semana passada para mostrar como está a vida do pivô do maior escândalo político de Goiás, deflagrado na Operação Monte Carlo, em fevereiro de 2012, que o colocou no centro de um esquema de cooptação de políticos e uma extensa rede de exploração de jogos ilegais. Cachoeira, que aguarda em liberdade julgamento do recurso da sentença de 39 anos, 8 meses e 10 dias de prisão pelos crimes de corrupção e formação de quadrilha, se recusou a falar com a reportagem, alegando que seguia orientações de seu advogado. Aceitou somente ser fotografado na tarde de ontem. A maioria dos amigos que aceitaram contar mais detalhes de sua vida pediu anonimato.
Os relatos confirmam que ele voltou a ter influência no meio empresarial, com escritórios em Goiânia e Anápolis, com foco no setor imobiliário. Teria empreendimentos em Goiânia, Anápolis, Catalão. Ele procura áreas em Hidrolândia, onde pretende lançar um condomínio de chácaras. Na semana passada, olhou terrenos próximos da BR-153. Cachoeira investia no setor antes de ser preso, mas de forma mais tímida.
Ninguém quis dizer quem seriam seus sócios, embora admitam que o réu não está só em suas empreitadas. O empresário evita se expor à frente dos negócios, algo que, devido à sua fama, poderia espantar potenciais clientes. Cautela que contradiz o que disse há exatamente um ano, em entrevista após deixar a Papuda, quando afirmou que os goianos ainda teriam orgulho dele.
Quanto à exploração de jogos de azar, que lhe garantiu notoriedade nacional e os atuais embaraços judiciais, todos os amigos consultados pela reportagem garantem que ele deixou de vez o negócio. A polícia continua atenta a possíveis movimentações de seu grupo (leia reportagem nesta página).
POLÍTICA
Ainda que sempre repita que tomou distância da política após o escândalo da Monte Carlo, reservadamente o empresário admite que deve atuar nos bastidores da disputa eleitoral do próximo ano. O ex-vereador Santana Gomes (PSD) e a ex-chefe de gabinete do governador Marconi Perillo (PSDB) Eliane Pinheiro, recém-filiada no PMN, pré-candidatos a deputado estadual, são dois com quem se comprometeu a ajudar. Eles apareceram nos grampos da Polícia Federal como aliados de Cachoeira.
O deputado federal Carlos Alberto Lereia (PSDB), chamuscado pela estreita ligação com o empresário, desistiu de tentar a reeleição e deve pleitear uma vaga na Assembleia com o apoio do amigo. Lereia nunca escondeu a amizade com Cachoeira, que sempre frisa a pessoas próximas sua gratidão ao tucano. O sobrinho Fernando Cunha Neto (PSDB), vereador em Anápolis, deve se candidatar a deputado estadual.
Cachoeira, na entanto, vetou a possibilidade da mulher, Andressa Mendonça, concorrer a algum cargo eletivo, hipótese que surgiu no meio político após ela filiar-se ao PSL há alguns meses, com as bênçãos dos vereadores Zander Fábio e Antônio Uchôa, ambos do PSL.
Possivelmente o político mais próximo de Cachoeira no período pré-Monte Carlo, o ex-senador Demóstenes Torres, não faria mais parte do círculo de amizades de Cachoeira. Pessoas próximas contam que o contraventor costuma usar palavras não muito elegantes ao falar do antigo aliado. “É de covarde para baixo”, conta um amigo. O motivo exato do suposto rompimento não foi revelado – citam genericamente a falta de apoio de Demóstenes durante o auge do escândalo – e teria ocorrido poucos meses após a saída da prisão.
No caso do ex-prefeito de Nerópolis Gil Tavares, que também era próximo de Cachoeira, a briga foi pública. Poucas semanas após ser solto, o empresário cruzou com Tavares no Shopping Flamboyant e, ao ser cumprimentado, descarregou alguns palavrões contra o ex-aliado. O motivo seria que Cachoeira e família se sentiram abandonados por ele.
Mensalão, uma ironia do destino
A prisão de parte dos condenados do mensalão no Presídio da Papuda, no Distrito Federal, no dia 15 de novembro, praticamente um ano após ele deixar a unidade, tem sido tratada por Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, como uma daquelas clássicas ironias do destino. Disse a mais de uma pessoa que se sente “vingado” ao ver a antiga cúpula do PT atrás das grades. A amigos, de forma jocosa, diz que os mensaleiros podem ser uma má influência para os outros detentos.
Cachoeira atribui sua prisão ao PT, pelo fato de ter sido um dos gatilhos dos escândalos que desaguaram no mensalão. Ele gravou e divulgou o vídeo em que o então subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência e assessor de José Dirceu, Waldomiro Diniz, aparece negociando propina em troca de favores. O vídeo, gravado em 2002, quando Waldomiro comandava a Loterj, e divulgado em 2004, abriu a primeira crise no governo Lula e resultou na CPI dos Bingos.
Mas, apesar do deleite de ver seus inimigos atrás das grades, é justamente o destino dos mensaleiros seu maior temor. O advogado Nabor Bulhões, um dos mais conceituados criminalistas do País, tem lhe custado um fortuna, segundo pessoas próximas. Os bens em nome do empresário estão bloqueados pela Justiça.
O contraventor se apega ao histórico do advogado, conhecido por defender o ex-presidente Fernando Collor durante o processo do impeachment, em 1992, para alimentar suas esperanças. Cachoeira sempre cita que ainda que não tenha conseguido evitar o impeachment de Collor, que é um processo político, Nabor conseguiu livrá-lo de todas as ações no Judiciário.
Jogos ilegais persistem
Com ou sem Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, o submundo dos jogos ilegais vai muito bem. Pelo menos em Anápolis, principal base de operações do contraventor no auge de seu poder. Foram apreendidas no município somente este ano quase mil caça-níqueis, segundo o delegado Manoel Vanderick Filho, do 6º Distrito Policial, para onde são levadas todas as apreensões. Destas, 830 já foram destruídas.
De acordo com o Vanderick Filho, não é possível saber a quem pertencem as máquinas. “Nas ruas, as pessoas dizem que elas pertencem a Carlinhos Cachoeira, mas nós não podemos afirmar com segurança porque não temos nada que comprove isso”, diz. O delegado explica que as máquinas caça-níqueis continuam fortes na cidade basicamente porque, financeiramente, o crime está compensando. De acordo com Vanderick, ao fazer uma apreensão em uma casa de jogos localizada no Centro da cidade, teve acesso ao livro de anotações do estabelecimento, constatando que o faturamento das máquinas em um dia de fim de semana chega a R$ 30 mil, quando a maior multa arbitrada não passou de R$ 4 mil.
No Entorno do Distrito Federal, onde Cachoeira também mantinha controle da jogatina antes da Operação Monte Carlo, foram quase cem máquinas apreendidas neste ano, mas a PM diz que o número é baixo devido à agilidade que o esquema desenvolveu para burlar as batidas policiais. “Só neste ano a gente já recebeu cinco denúncias que chegando às casas a gente não encontrou mais nada”, conta o major Anderson Crisóstomo, comandante do Batalhão de Choque de Luziânia.
“Agora os caça níqueis são pequenos, ficam geralmente nos fundos dos bares. E só funcionam nos fins de semana”, explica o major Cláudio Danilo Moura Braga, comandante da Polícia Militar de Valparaíso. Na maioria dos casos, são notebooks comuns. A polícia diz que não é possível ligar as máquinas apreendidas a Cachoeira e fala na existência de outros grupos atuando na região.
“Ficou cômodo para essas pessoas que mexem com jogos, quando são flagradas pela polícia em uma operação, colocarem a culpa no Cachoeira para proteger o verdadeiro chefe”, diz um aliado do empresário que já atuou ao seu lado em Anápolis. “E tem também o fato de que pessoas que colaboraram com ele naquele período podem estar hoje tocando o próprio negócio de jogo, e aí acabam naturalmente ligando as apreensões a ele”, diz a mesma fonte.
Vida social agitada, apesar de tudo
Depois de ter suas redes de relações políticas e de exploração de jogos de azar abaladas pela Operação Monte Carlo, o empresário Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, tenta levar uma vida longe dos holofotes, mas sempre sustentada no luxo. Além dos negócios, ele divide o dia entre bares, restaurantes, cabeleireiro, visitas aos irmãos em Anápolis e igrejas evangélicas.
Se considerar as fotos postadas pela mulher dele, a empresária Andressa Mendonça, na rede social Instagram, o que se tem é o retrato de um casal feliz e que gosta de aproveitar a vida. Em alguns posts, ela aparece ao lado de cantores, como o sertanejo Cristiano Araújo e Mr. Catra. “Às vezes o casal recebe alguns cantores famosos em casa”, comenta uma amiga dela, referindo-se à residência no Condomínio Alphaville, na Região Sul de Goiânia. O casal costuma frequentar restaurantes no Jardim Goiás, na mesma região onde moram, e vão sempre a Goiatuba, onde vive a família de Andressa, que é proprietária de lojas de roupa e de lingerie.
Quando está na rua, Cachoeira costuma atrair a atenção. “Às vezes estamos sentados em algum bar e as pessoas fingem que estão digitando algo no celular enquanto, na verdade, apontam o aparelho para nossa mesa e tiram fotos. Só que alguns se esquecem de tirar o flash e aí é aquele constrangimento quando dispara. Mas o Carlinhos não importa, morre de rir”, relata um amigo. A única reclamação de Cachoeira é de que a maioria dos amigos dos tempos áureos hoje evita sua companhia. Pelo menos em público.
O empresário também se preocupa em manter ativa a vaidade. No dia14, ele correu para um salão no Setor Oeste, onde pagou 300 reais pelo serviço do cabeleireiro Ruimar Ferreira, conhecido como o preferido dos políticos do Estado. “É o Carlinhos que conheci jogando futebol. Já está com a mesma alegria”, relata o cabeleireiro, repetindo o que outros amigos dizem.
Mas há controvérsias. “Ele (Cachoeira) ainda está abatido, não está maravilhado como antes”, afirma o radialista Frederico Dutra, amigo do empresário desde a adolescência. Ele conta que Cachoeira tem frequentado igrejas evangélicas em Goiânia e em Anápolis. Seria uma forma de tentar buscar forças, sobretudo por causa da morte da mãe, Maria José de Almeida Ramos, em abril de 2012, quando ainda estava preso, e do pai, Sebastião Almeida Ramos, em agosto deste ano.
Cachoeira também busca exercer seu lado filantropo. Desde maio pagando o tratamento de fisioterapia do casal Thays Mendes e Guilherme Almeida, gravemente feridos no início do ano por uma bomba caseira jogada dentro do carro deles, em Anápolis. A família de Thays conta que partiu do próprio empresário a iniciativa de oferecer ajuda.”