23 de dezembro de 2024
Economia

Alta informalidade no mercado de trabalho inibe expansão do crédito

A alta informalidade no mercado de trabalho pode emperrar uma reação mais vigorosa do crédito. A situação preocupa porque, no país, o crédito serve de estímulo fundamental ao consumo que, por sua vez, é o grande motor da economia.

Sem carteira de trabalho, porém, tende a ficar mais difícil para o consumidor -em especial o de baixa renda- apresentar garantias para tomar empréstimo, mesmo que haja predisposição para negócio de ambas as partes.

Dos 92 milhões de ocupados, ao menos 41% (ou 37,8 milhões) estão no mercado informal, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
São trabalhadores do setor privado ou domésticos sem carteira, além dos chamados trabalhadores “conta própria” sem carteira– pequenos empreendedores de renda mais baixa, como vendedores ambulantes.

No mercado de crédito, o percentual de consumidores que não usa nenhuma modalidade de crédito ainda é alta, em 55,6% segundo dados mais recentes de pesquisa da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas).

Oito em cada dez consumidores afirmam estar no limite do orçamento, sendo que a dificuldade para contratação de empréstimos e financiamentos é maior nas classes C, D e E. Nessa faixa, mais abaixo na pirâmide social, mais da metade dos consumidores (55,3%) consideram ser difícil ou muito difícil a contratação de qualquer modalidade de financiamento.

“Certamente um trabalhador informal está disposto a gastar menos do que uma pessoa que está sob proteção da CLT”, diz Marcelo Gazzano, economista da consultoria ACPastore.

O efeito negativo da alta informalidade sobre o crédito, diz Gazzano, pode ser observado, por exemplo na trajetória do crédito consignado oferecido ao trabalhador do setor privado, portanto aquele dependente do emprego com carteira assinada.

Enquanto o crédito com desconto em folha como um todo ganhou corpo nos últimos anos, o consignado privado chegou a 9% do total de crédito consignado em 2012 e, de lá para cá, caiu abaixo de 6%– acompanhando a trajetória de retração do mercado de trabalho.

Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman, lembra que a formalização do mercado de trabalho brasileiro na década de 2000 teve papel importante no processo de expansão do crédito.

“Crédito vive de informação. A possibilidade que o banco tem de avaliar o risco de crédito é baseada na informação que ele tem do tomador. Quem é formalizado tem facilidade para comprovar renda e pode ter acesso a crédito mais fácil e barato”, diz.

Representantes de setores que movimentam em peso o mercado de crédito, como construção e veículos, dizem que os bancos se tornaram mais restritivos à concessão de financiamento com a crise, tornando a carteira de trabalho ainda mais valiosa para aqueles em busca de empréstimo.

“É realmente um problema para o futuro”, diz José Carlos Martins, presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), sobre o impacto da informalidade no crédito. “É evidente que quem vai conceder empréstimo vê com mais bons olhos quem tem renda formal, mas os bancos também conseguem fazer uma análise em cima da movimentação bancária do cliente, isso continua sendo feito por vias indiretas”.

Para Vitor Velho, economista da LCA Consultores, o crédito à pessoa física poderia estar crescendo mais se houvesse uma formalidade maior no mercado de trabalho. “O mercado de crédito é fundamentado em garantias e, no Brasil, a carteira de trabalho é essencial para isso.”

Bruno Ottoni, pesquisador da FGV (Fundação Getulio Vargas), lembra que os trabalhadores contratados como pessoas jurídicas (os “PJs”), mais expressivos nas classes com renda maior, recolhem tributos, logo não são considerados informais.

Quanto aos pequenos empreendedores na informalidade, Ottoni afirma que há um esforço do próprio governo de atraí-los para a formalização, o que ocorre não só para aumentar a arrecadação, mas também na tentativa de melhorar o acesso ao crédito a essa população.

Flávia Chein, professora associada da Universidade Federal de Juiz de Fora, tem estudos que apontam, porém, que é justamente a falta de acesso ao crédito que impede um trabalhador por conta própria informal de se formalizar.

“A decisão de se tornar empregador muitas vezes depende de fazer investimentos, como comprar equipamento, e isso depende do crédito”.

Para Abrão, da Oliver Wyman, quebrar esse ciclo não é fácil. Se a economia não gira, diz ela, mais trabalhadores acabam indo para a informalidade, o que dificulta o andamento econômico do país.

Com a taxa de desemprego alta no Brasil, Vitor Velho afirma que é natural verificar primeiro uma massa de informais que, conforme a economia volte a girar, busque se formalizar. Para ele, a questão da informalidade é, assim, um problema mais conjuntural do que estrutural.

“Se atacar apenas a informalidade ou o spread bancário [diferença entre o que os bancos pagam para captar dinheiro no mercado e o que cobram na ponta para emprestar], uma hora isso atinge um teto”, diz Velho.

Especialistas defendem que uma agenda de melhora do ambiente de negócios e de mais acesso a informação é fundamental para que o crédito consiga se descolar desse círculo vicioso.

“O crédito pode ser ele o motor de crescimento e geração de emprego, para que ele não fique vinculado ao ciclo da economia que não anda e ao mercado de trabalho fraco. Essa agenda permitiria que ele se descolasse e revertesse o ciclo”, diz Abrão.

A agenda incluiria, por exemplo, a aprovação do cadastro positivo –banco de dados com informações sobre empréstimos e contas de consumidores adimplentes–, projeto que aguarda aprovação na Câmara, e a revisão de leis como de falência e garantias.

Segundo Antonio Megale, presidente da Anfavea, associação dos fabricantes de veículos, o setor trabalha com bancos e com o governo no estudo de uma legislação que destrave a recuperação de veículos de inadimplentes.

“A situação é muito judicializada, e estatísticas dos bancos apontam que a recuperação de um veículo inadimplente leva até dois anos. Só que nesse tempo o carro pode já não se encontrar em condições adequadas, então o banco coloca um spread de risco muito elevado. A recuperação em um período menor poderia ajudar a reduzir taxas de juros e o custo do financiamento”, afirma.

Outro tema que não deve ser passageiro e precisa ser melhor compreendido é a mudança nas formas de trabalho da modernidade, aponta Maurício Prado, da consultoria Plano CDE.

“Se olharmos em uma perspectiva histórica, de 20 anos, a formalidade cresceu muito no Brasil e não perdeu tudo com a crise. A situação econômica é conjuntural, mas esse mercado mais voltado para o freelancer ou o funcionário contratado por projeto e menos para uma relação de trabalho, isso pode ser uma mudança estrutural”, afirma.

Em nota, o Santander disse que não obriga o consumidor a comprovar sua renda na contratação de crédito se ele informar rendimento mensal de até R$ 2.500.
O banco afirma que o cliente passará por outras etapas de análise para formação do seu perfil de risco, como consulta à base de dados do birôs de crédito.”Se ele tiver outras formas de comprovar renda, elas serão muito bem-vindas. Para abrir conta corrente também é o mesmo caso”.

O Banco do Brasil disse que o cliente pessoa física que não tem comprovação de renda e deseja abrir uma conta, incluindo operações de crédito, pode lançar mão de declaração pessoal até o limite do valor de isenção de Imposto de Renda. Sobre microempreendedores, conforme vão se especializando na gestão de seus negócios, tendem a se formalizar.

A reportagem procurou os demais grandes bancos, mas eles não quiseram comentar o assunto. (Folhapress) 

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