O Ministério Público de Goiás ofereceu denúncia contra 31 pessoas envolvidas nos crimes apurados na Operação SOS Samu, deflagrada em junho deste ano. Entre os denunciados estão médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, motoristas de ambulância, bombeiros e administradores de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
Os réus são acusados de integrar organização criminosa composta por empresários de (UTIs) e funcionários do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Goiânia, na qual, por meio do pagamento de propinas, esses servidores encaminhavam pacientes que tivessem planos de saúde a determinadas UTIs, fraudando a regulação dos leitos.
Eles também foram denunciados pelos crimes de corrupção ativa e passiva, ou por ambos, de acordo com o envolvimento no esquema.
O caso
Conforme detalhado na peça acusatória, as investigações teve início a partir de representação formulada por um servidor do Samu. Assim, apurou-se que a rotina regular de atendimento do serviço, após o recebimento de uma chamada, é o deslocamento da unidade móvel básica ao local, com condutor socorrista e técnico em enfermagem. Depois de realizar o atendimento, verificando que o caso necessita de encaminhamento para Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o servidor da unidade móvel do Samu telefona para a regulação do serviço de urgência, que encaminha o paciente para uma unidade hospitalar indicada pelo médico regulador. Este procedimento é denominado “contrarregulação”.
Entretanto, com o objetivo de desrespeitar o procedimento de atendimento do Samu, burlando a concorrência existente entre as várias UTIs particulares de Goiânia, médicos, sócios e prepostos de UTIs particulares, sistematicamente e de forma continuada, ao menos entre o ano de 2012 a 2016, ofereceram ou prometeram vantagem indevida (valores oscilantes em razão do plano de saúde e da condição do paciente) aos servidores do Samu para que encaminhassem irregularmente pacientes às UTIs a que eles eram vinculados. Esses encaminhamentos, por vezes desnecessários, possibilitavam alta lucratividade aos proprietários das UTIs envolvidas no esquema.
Entre os casos apurados na ação estão situações em que os profissionais do Samu deixaram de aplicar glicose em caso de hipoglicemia, o que gerava a redução do nível de consciência do paciente para o encaminhamento à Unidade de Terapia Intensiva, uma vez que hipoglicemia não seria caso de UTI; ou ainda, o uso de medicação para rebaixar artificialmente a consciência do paciente e, assim, simular situação que justificasse a internação. Assim, desrespeitando o procedimento de atendimento do órgão, os servidores do Samu, encaminhavam os pacientes que possuíam planos de saúde para unidades de terapia intensiva (UTIs) particulares, mediante pagamento de propina por proprietários, pessoalmente, por prepostos ou por meio de terceiras pessoas, que mantinham contato com os servidores públicos envolvidos.
Os valores pagos variavam, ficando entre R$ 100,00 e R$ 500,00 para os condutores socorristas, técnicos de enfermagem e enfermeiros do Samu, e chegando até o valor de uma diária de UTI no caso de médicos, estimada em até R$ 15 mil. A variação também ocorria em função da operadora do plano de saúde. O pagamento da propina era feito em dinheiro, diretamente, ou mediante depósito bancário. Em algumas ocasiões, o pagamento dos valores não era feito pelos sócios os representantes das UTIs, mas pelos próprios servidores do Samu que integravam a organização criminosa.
Os denunciados
Entre os denunciados proprietários ou prepostos de UTIs estão:
– o médico Rafael Haddad, sócio das pessoas jurídicas Instituto Goiano de Terapia Intensiva (Saúde Total Limitada), Illuminata UTI Ltda., Centro Vida Ltda. (UTI – Centro Vida), Centro Brasileiro de Medicina Avançada Limitada (Centro Goiano de Terapia Intensiva – Cegoti), Esperanza UTI Ltda., Hospital Renaissance Ltda., Organização Hospitalar de Goiás Ltda. e SCP Hospital São Lucas. Ele já responde criminalmente (ação penal em trâmite) e civilmente (ação civil pública por ato de improbidade em trâmite) pelo direcionamento de pacientes atendidos no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) para suas UTIs. Estas ações foram fruto da operação denominada Saúde I, deflagrada pelo MP-GO e pela Polícia Civil em 2009; – o médico Rodrigo Teixeira Cleto, sócio das pessoas jurídicas Central Vida Prestação de Serviços Hospitalares Ltda.-ME – UTI Central Vida, Instituto Brasileiro de Terapia Intensiva Ltda (Ibrati), Transmédica UTI Móvel e Assistência Médica Ltda., Intensivida Ltda (UTI do Hospital de Acidentados); – Maurício Batista Leitão, médico regulador no Samu e sócio do Instituto Goiano de Terapia Intensiva (Saúde Total Limitada); – Waler José de Campos Reis, médico regulador no Samu e médico no Hospital Renaissance; – Jean Vicente Rezende Silva, empregado do Grupo Haddad; – Michelle Cristina Gonçalves de Faria, gerente administrativa do Hospital Renaissance; – Paulo César Silvestre Ribeiro, funcionário da Medilar (SOS Unimed); – Rafael Vieira de Farias, funcionário da Medilar (SOS Unimed) e servidor do Samu; – Pedro Paulo Tomaz Japiassu, administrador da UTI Organização Aparecidense de Terapia Intensiva (OATI); – Edison da Conceição Filgueiras Junior, faturista da Oati, já foi faturista do Ibrati e da empresa Transmédica;
Os servidores do Samu denunciados foram: – os técnicos em enfermagem André Alves dos Santos, Clécio Portes de Melo, Diogo Luís da Costa Mieto, Elton Messias de Sousa, Fernando Lopes de Oliveira (também funcionário da Clínica do Esporte), Lorena Rodrigues Loureiro Barros, Manoel da Silva Melo, Osvaldo José de Oliveira Filho, Stenio Junio da Silva e Wellington José do Egito; – os condutores socorristas Bartolomeu Crispim Monteiro, Diego de Freitas Fernandes, Ítalo Glenio Morais, Joelson Machado da Silva, Junior Marques dos Santos, Luiz Sandro Alves de Souza, Márcio de Sousa Linhares, Rogério Cassiano e Wassy Carlos Ferreira;
Por fim, foram ainda denunciados os sargentos do Corpo de Bombeiros Militar Rafael Antunes Filho, que também era coordenador de enfermagem da UTI do Hospital Jacob Facuri e auditor da UTI do Hospital de Acidentados (Intensivida), e Relton Salmo Carneiro, que atuava como socorrista na empresa Medilar (SOS Unimed).
O esquema
Conforme apurado, o médico Rafael Haddad, por exemplo, tinha o auxílio de Michelle Cristina Gonçalves de Faria, gerente administrativa do Hospital Renaissance, de Jean Vicente Rezende Silva, funcionário do grupo Haddd para conduzir as fraudes, que contavam com o apoio de servidores públicos como o técnico em enfermagem no Samu Stenio Junio, e os condutores socorristas Ítalo Morais, Joelson da Silva e Márcio Linhares, os quais intermediavam o recebimento da propina e repasse aos demais servidores do Samu que haviam realizado o encaminhamento irregular de pacientes para determinada UTI particular.
Em outras oportunidades, os intermediários não eram servidores do Samu, mas funcionários da empresa SOS Unimed, já que estes tinham facilidade de manter contato com servidores do Samu que também trabalhavam na Medilar, caso do sargento do Corpo de Bombeiros e socorrista na empresa Medilar (SOS Unimed), Relton Salmo Carneiro, e Rafael Vieira, servidor do Samu e também funcionário da Medilar.
Do mesmo modo, o médico Rodrigo Teixeira Cleto tinha o auxílio do sargento do Corpo de Bombeiros Rafael Antunes Filho, coordenador de enfermagem do Hospital Jacob Facuri e da UTI Ibrati, assim como de Pedro Paulo Tomaz Japiassu, administrador da UTI Oati e de Edison Júnior, seu braço direito na organização criminosa e administrador das UTIs de Rodrigo Cleto. Eles intermediavam o acesso aos servidores do Samu que poderiam aderir ao esquema.
Nesse mesmo modo de operação, os demais denunciados, entre médicos, enfermeiros e socorristas do Samu, integraram a organização criminosa, por receber ou oferecer vantagem indevida para direcionar irregularmente pacientes atendidos pelo Samu para determinadas UTIs. Na denúncia, várias histórias são detalhadas.
Outros crimes
Rodrigo Cleto também foi denunciado por embaraçar a investigação que envolve a organização criminosa (artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 12.850/2013). Conforme apontado na peça acusatória, Rodrigo Cleto determinou que as imagens do sistema de monitoramento por vídeo do Hospital Jacob Facuri e das UTIs Ibrati e Central Vida, armazenadas em DVRs, fossem apagadas ao tomar conhecimento de que havia uma requisição do Ministério Público de cópia das imagens. Segundo se verifica nos autos, enquanto servidores do MP-GO cumpriam uma requisição, houve a determinação de Rodrigo Cleto para que as imagens fossem apagadas remotamente.
Além disso, o médico Waler Reis foi denunciado por ingressar com aparelho celular, sem autorização legal, em estabelecimento prisional (Artigo 349-A, do Código Penal). Segundo apurou-se, no dia 25 de junho deste ano, enquanto estava preso temporariamente, Waler, de dentro do estabelecimento prisional, manteve contato por aplicativo de mensagens com uma testemunha, encaminhando-lhe mensagens e demonstrando que havia ingressado no presídio com aparelho de telefone celular.
(informações MPGO)