07 de dezembro de 2025
Violência

Violência e censura atingem nove em cada dez professores no Brasil, aponta estudo

Levantamento nacional revela que perseguição política e censura atingem docentes da educação básica e superior em todo o país
Estudo da UFF mostra que violência política já afeta rotinas e conteúdos em escolas e universidades. Foto: Arquivo Agência Brasil.
Estudo da UFF mostra que violência política já afeta rotinas e conteúdos em escolas e universidades. Foto: Arquivo Agência Brasil.

Uma pesquisa inédita realizada pelo Observatório Nacional da Violência Contra Educadoras/es (ONVE), da Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com o Ministério da Educação (MEC), revelou um cenário alarmante: nove em cada dez professores da educação básica e superior, das redes pública e privada de todo o país, já foram perseguidos diretamente ou presenciaram episódios de censura e violência política no ambiente escolar.

O levantamento ouviu 3.012 profissionais e identificou que a limitação da liberdade de ensinar e tentativas de silenciamento se tornaram práticas disseminadas em todas as regiões do Brasil, atingindo desde docentes em sala de aula até trabalhadores da gestão escolar.

Censura disseminada e violência crescente

Segundo o coordenador da pesquisa, o professor Fernando Penna, da UFF, o objetivo central foi mapear casos de violência relacionados à perseguição política, censura de conteúdos e intimidação no exercício da docência. “É mais uma censura de instituições em relação aos professores. E não são só instituições. Entre os agentes da censura estão pessoas de dentro e de fora da escola, inclusive figuras públicas”, afirmou.

Os dados revelam que 61% dos professores da educação básica e 55% da superior já sofreram violência direta, percentuais considerados “muito altos” pelos pesquisadores. Entre as agressões relatadas estão:

  • 58% sofreram tentativas de intimidação;
  • 41% receberam questionamentos agressivos sobre seus métodos de trabalho;
  • 35% foram proibidos explicitamente de abordar determinados conteúdos;
  • 25% relataram agressões verbais;
  • 10% afirmaram ter sofrido agressões físicas;
  • Houve ainda casos de demissões (6%), remoções de cargo (11%) e mudanças forçadas de local de trabalho (12%).

Temas mais atacados: política, gênero e ciência

De acordo com a pesquisa, os assuntos que mais motivaram perseguições foram:

  • questões políticas (73%);
  • gênero e sexualidade (53%);
  • religião (48%);
  • negacionismo científico (41%).

Penna afirma que muitos temas censurados são obrigatórios nas diretrizes curriculares, o que torna o cenário ainda mais grave. Ele citou casos emblemáticos, como uma escola do interior do Rio de Janeiro onde um professor foi impedido de distribuir material do Ministério da Saúde sobre vacinação durante a pandemia. “A diretora disse que ali não teria ‘doutrinação de vacina’”, relatou.

Outro exemplo recorrente envolve orientações sobre violência sexual, essenciais para que estudantes reconheçam abusos, muitas vezes cometidos dentro da própria casa. “São temas vitais para a vida dos estudantes, que estão sendo proibidos”, destacou.

Polarização política impulsiona ataques

O levantamento também analisou os anos em que ocorreram os episódios e identificou três picos: 2016, 2018 e 2022, períodos marcados por forte polarização política e disputas nacionais. “A violência sobe justamente nos anos do impeachment e das eleições presidenciais. Essa tensão política do país está entrando nas escolas”, afirmou Penna.

Violência já está dentro das próprias instituições

Os agressores, segundo os entrevistados, já não são apenas atores externos. A violência tem origem dentro da própria comunidade escolar:

  • profissionais da área pedagógica (57%);
  • familiares de estudantes (44%);
  • estudantes (34%);
  • outros professores (27%);
  • funcionários e gestores administrativos (24%).

“Isso mostra que a violência já está enraizada nas comunidades educativas”, alertou o pesquisador.

Clima de medo afeta a aprendizagem e provoca êxodo da profissão

A pesquisa também revela impactos profundos no ambiente escolar:

  • 53% dos educadores afetados dizem sentir desconforto no espaço de trabalho;
  • 45% afirmam se sentir “constantemente vigiados”;
  • 20% mudaram voluntariamente de local de trabalho;
  • muitos abandonaram a profissão, contribuindo para o chamado “apagão de professores”.

“As pessoas estão com medo de discutir temas para os quais foram formadas. O dano para a sociedade é gigantesco”, disse Penna. Segundo ele, o problema extrapola a educação: “Profissionais que produzem conhecimento seguro, incluindo jornalistas têm sido alvos de ataques, especialmente nos últimos anos”.

Próximos passos

Com base nos resultados, o Observatório recomenda a criação de uma política nacional de enfrentamento à violência contra educadores, proposta que já está em discussão no MEC. A equipe também prepara um relatório completo com análises regionais e avança para a segunda etapa da pesquisa, que incluirá entrevistas aprofundadas com 20 professores.

Penna defende ainda que educadores sejam formalmente reconhecidos como defensores de direitos humanos. “Estamos vivendo em uma sociedade na qual educadores têm medo de trabalhar. É indispensável protegê-los”, concluiu.


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