Poupado inicialmente do inquérito sobre o gabinete paralelo de pastores no Ministério da Educação (MEC), o presidente Jair Bolsonaro (PL) corre o risco de ser alçado a investigado formal no caso depois que a Polícia Federal (PF) encontrou indícios de que ele interferiu na investigação.
Em uma conversa telefônica interceptada, o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, indicou ter sido alertado pelo presidente sobre o risco de abrirem buscas contra ele. “Ele (Bolsonaro) acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa”, afirma. A ligação, com a filha, é interrompida tão logo ela informa que está ligando do “celular normal”. “Ah é? Ah, então depois a gente se fala”, responde Milton Ribeiro. A resposta chamou atenção dos investigadores, que desconfiam que o ex-ministro sabia que estava sendo grampeado e poderia estar usando números de telefone alternativos.
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As suspeitas levaram a Procuradoria da República no Distrito Federal a pedir o envio do processo de volta ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que seja investigada “possível interferência ilícita” de Bolsonaro, o que foi autorizado pelo juiz Renato Borelli, da 15.ª Vara Federal do Distrito Federal, que recebeu o processo depois que Milton Ribeiro deixou o governo. O então ministro da Educação era o único investigado com foro privilegiado e sua exoneração fez com que o processo descesse para primeira instância.
Em abril, o procurador-geral da República, Augusto Aras, que pediu a abertura do inquérito, disse que não via elementos da “participação ativa e concreta” de Bolsonaro que pudessem justificar sua inclusão no rol de investigados. A palavra final para decidir se a ligação interceptada é suficiente para mudar o status do presidente é da ministra Cármen Lúcia, do STF, que ainda não se manifestou no processo. Não há regra nesse caso e ela não é obrigada a consultar a Procuradoria-Geral da República (PGR) antes de tomar uma decisão.
Competência
A ligação, de menos de dois minutos, foi feita no dia 9 de junho e a transcrição da interceptação foi juntada ao processo no dia 13. Já a Operação Acesso Pago, que pegou o ex-ministro e os pastores lobistas do MEC, foi aberta na quarta-feira, 22, ou seja 13 dias após os primeiros indícios de interferência do presidente.
A defesa de Milton Ribeiro alega que a operação não poderia ter sido autorizada pelo juiz federal de primeira instância se o magistrado já tinha conhecimento da conversa.
“Causa espécie que se esteja fazendo menção a gravações/mensagens envolvendo autoridade com foro privilegiado, ocorridas antes da deflagração da operação. Se assim o era, não haveria competência do juiz de primeiro grau para analisar o pedido feito pela autoridade policial e, consequentemente, decretar a prisão preventiva”, afirmam.
O argumento pode embasar um pedido para anular as provas obtidas a partir das buscas na operação. O juiz também autorizou a quebra dos sigilos bancários dos investigados e de empresas ligadas ao grupo.
Interferência
A ligação do ex-ministro com a filha não é a única que acendeu o alerta sobre uma possível interferência de Bolsonaro na investigação para vazar de informações a Milton Ribeiro. No dia da operação, a mulher do ex-ministro, Miryan Ribeiro, que também foi grampeada, disse a um interlocutor ainda não identificados pela PF que o marido “já estava sabendo”.
“Ele estava, no fundo, ele não queria acreditar, mas ele estava sabendo. Eu falei: ‘Pra ter rumores do alto é porque o negócio já estava certo’”, afirma ao comentar a prisão.
Após os áudios virem à tona, a oposição entrou com pedidos de investigação do presidente por violação de sigilo e obstrução da Justiça. (Por Rayssa Motta, Fausto Macedo, Pepita Ortega e Julia Affonso/Estadão Conteúdo)
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