A postura anti-vacina do presidente Jair Bolsonaro (PL) chegando a dizer que não irá imunizar sua filha – que tem 11 anos de idade – acrescentada a política do Ministério da Saúde que quer permitir a vacinação infantil apenas para crianças com receita médica foi avaliada por infectologistas e profissionais que trabalham na linha de frente da Covid-19 como “absurdo”, “beira o criminoso” e “cruel”.
Cada momento que passa, a vida de uma criança pode ser perdida. “Tudo isso é uma história absolutamente irresponsável e criminosa. Você criar empecilhos como a consulta pública, já era para estar vacinando há duas semanas. Cada minuto que você deixa de vacinar é a morte de crianças que podem ocorrer. Com certeza, nesse intervalo de tempo, ocorreram mortes desnecessárias”, destaca em entrevista ao Diário de Goiás, o infectologista da Dasa – Atalaia, José David Urbaez.
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O Brasil é o segundo país no mundo em que mais crianças morrem em decorrência da Covid-19. Dentre os casos, 2.978 foram registrados em crianças de 5 a 11 anos, com 156 mortes em 2020. Já em 2021, foram registrados 3.185 casos na faixa etária, com 145 mortes, totalizando 6.163 casos e 301 óbitos desde o início da pandemia. Os dados foram atualizados até o último dia 6 de dezembro de 2021. “O vírus sem dúvidas, vai se deslocando para aqueles que não tenham a proteção vacinal. As crianças, estão desde a metade do ano, todos estão expostos na escola. Todos estão, numa dinâmica de aumento de mobilidade sem ter proteção da vacina. Embora tenhamos a transmissão do vírus menor, toda ela, vai para esse público onde não se tem vacina. É muito mais urgente fornecer proteção para as crianças”, avalia Urbaez.
Para ele, a pauta já deveria ter sido superada e a imunização iniciada assim que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária liberou a imunização para a faixa etária dos 5 aos 11 anos. “A gente fica atônico e chocado com esse questionamento de vacina. Todos nós tomamos vacinas desde sempre. Ninguém questionava sobre a origem de uma vacina, seja por sua tecnologia ou proteínas. A vacina está aí, estamos vivendo num momento pandêmico e mesmo que não estivéssemos, o que a gente deveria fazer? Imediatamente mandava vacinar. Isso é um ato pró-vida na busca de melhorar os parêmetros de vida muito mais ainda num momento de pandemia.”
Urbaez também destaca que exigir receita médica para a imunização é colocar obstáculos e nem todo o brasileiro consegue acesso a um médico para buscar o documento, o que não seria apropriado. “Isso é exatamente para obstaculizar o acesso e criar um clima de dúvida e incerteza onde o médico vai supostamente tirar dúvida caso-a-caso. Não há médicos suficientes no mundo para fazer isso. Vacina não é uma medida para ser prescrita quando ela é vista como uma ferramenta de serviço pública.”
O infectologista chega a ironizar sobre a declaração de Bolsonaro dada ontem (27) que não iria imunizar sua filha. “Coitada dessa filha. Que entre no Conselho Tutelar contra ele. Querendo ou não querendo, ela pode ter um problema grave. O fato dele ser presidente, não faz dele, nem a ema, nem a cloroquina, essa menina pode ter problemas graves. Tomara que a mãe da criança possa intervir”, destaca. E faz o alerta: “Isso é um dano irreparável. A gente não brinca com nossos filhos.”
Assunto mais político do que técnico
O infectologista Marcelo Daher, acredita que não há o que se falar sobre eficácia, tampouco sobre questões técnicas em torno da vacina, seja para crianças ou adultos. Falar em colocar obstáculos, seja por meio da consulta pública ou pela exigência de receita médica não seria apropriado. Ao contrário. “Privá-las desse benefício é muito cruel. A vacina tem de ser disponibilizada, sem receita médica, que é uma barreira a ser transposta quando colocamos isso. Muitas pessoas não terão acesso à vacina por conta disso”, destaca.
Ele reforça que a disseminação da Covid-19 atinge crianças e por mais que na maioria dos casos, ela não avance para casos mais acentuados, não dá para controlar a gravidade a partir da contaminação. “É uma doença que mata criança sim e que trás sequelas que podem ser graves. Se eu tenho uma vacina que é segura e eficaz é difícil falar para não se vacinar e não usar a vacina”, pondera.
Daher prevê que com toda essa situação e dúvida em torno das vacinas, muitas crianças não serão imunizadas, o que de certa forma, é preocupante. “Com essa polêmica toda, vamos ter uma cobertura vacinal menor do que o necessário, mas é importante as vacinas estarem à disposição das crianças uma vez que estamos diante de uma doença que pode avançar para casos graves. Se eu tenho vacina para proteger, porque não usar?”, indaga.
(Colaborou Mel Castro)
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