SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Campbell Brown, 48, ex-âncora da CNN e ex-correspondente da NBC na Casa Branca, foi chamada na virada do ano pelo Facebook para chefiar Parcerias Jornalísticas, nome formal de seu cargo. Começou a trabalhar em meio à crise das notícias falsas, que chamaram a atenção na plataforma durante a campanha eleitoral americana.
Em entrevista por telefone, ela detalha o que vem fazendo para aproximar o Facebook das organizações jornalísticas, em ações como o combate às notícias falsas e o lançamento na segunda (3) da News Integrity Initiative, um consórcio envolvendo também fundações e instituições acadêmicas.”Nós sabemos que as pessoas querem ver informações corretas no Facebook, e nós também queremos”, diz.
Sobre a crítica de que o Facebook cria “bolhas” de informação, com usuários que não têm acesso a quem pensa de maneira diferente, diz que a plataforma na verdade permite romper esse isolamento. Mas acrescenta: “Dito isso, nós queremos fazer parte da discussão sobre como trazer perspectivas diferentes para a conversa”.
Pergunta – Você pode começar abordando as medidas tomadas pelo Facebook até aqui, para combater a disseminação de notícias falsas em sua plataforma? Checagem, por exemplo.
Campbell Brown – Nós sabemos que as pessoas querem ver informações corretas no Facebook, e nós também queremos. Todos temos a responsabilidade de conter a propagação de notícias falsas. No Facebook, temos nos concentrado em três áreas-chave. Número um, interrompendo o incentivo econômico, porque a maioria das notícias falsas, sabemos, é financeiramente motivada. Número dois, estamos focados na construção de novos produtos para conter a propagação de falsas notícias e para melhorar a diversidade de informações, o que as pessoas veem, o que você vê. Número três, e é sobre isso a News Integrity Initiative que estamos lançando: ajudar as pessoas a tomar decisões mais informadas, quando encontram notícias falsas.
Acreditamos que o Feed de Notícias é um lugar para comunicação autêntica. Notícias falsas são totalmente contrárias à nossa missão de conectar as pessoas com histórias que elas achem significativas. E queremos continuar trabalhando nisso. Sabemos que temos muito mais trabalho a fazer. A ideia do consórcio, de reunir tantas pessoas diferentes, de origens tão diferentes, é reconhecer que este é realmente um problema social e, portanto, exige um grupo diversificado de parceiros, não apenas na indústria [de tecnologia], mas também na academia, organizações sem fins lucrativos, empresas jornalísticas, até anunciantes, para pensar novas soluções para alguns desses desafios.
Pergunta – Pode-se descrever a iniciativa como um programa de alfabetização de mídia [esclarecimento sobre como funciona o setor]?
Brown – Isso é um pedaço. Ainda estamos no processo de definir objetivos, mas o que estamos buscando, de maneira geral, parte de que o Facebook é construído em torno de comunidade: relacionamentos das pessoas com amigos e familiares, temas ou organizações nas quais as pessoas estão interessadas. Queremos apoiar comunidades mais informadas. E reconhecemos, obviamente, que o Facebook desempenha um papel nas notícias e no ecossistema de informação, e levamos isso muito a sério.
Pensamos que este grupo, a News Integrity Initiative, pode trabalhar com alfabetização de mídia, mas também olhando para pesquisas que outras pessoas estão fazendo, sobre como assegurar que a informação seja autêntica. Apoiando uma vasta gama de pesquisas e projetos que estão trabalhando nesta área. Eu não quero nos limitar a um escopo estreito, estamos realmente animados para essa convocação de um tal grupo de pessoas. Acho que virá à tona um monte de idéias quando todos começarmos a conversar.
Pergunta – Críticos questionam o Facebook pelos chamados filtros-bolha que ele cria em torno dos usuários, que ficam sem contato com diferentes pontos de vista e informações. A iniciativa vai tratar disso também?
Brown – Bem, a maneira como eu vejo isso é meio que única, vem da minha próxima experiência. Eu fui jornalista de televisão por 20 anos, antes de vir para o Facebook. E quando apresentei um programa na CNN eu era o que se caracterizaria como “meio do caminho”. Keith Olbermann tinha um programa [na MSNBC] que era muito à esquerda e Bill O’Reilly estava à direita [na Fox News]. Naquela época, 2007, as pessoas já estavam falando de filtros-bolha no contexto da televisão. Ou seja, essa ideia, de pessoas estarem com visão muito estreitamente focada, está aí há bastante tempo. Não é nova, não é resultado do Facebook e de seu impacto no mundo. É algo que vem se desenvolvendo nos Estados Unidos e eu acho que em outras partes do mundo há muitos anos.
Eu gostaria também de salientar que o Facebook fortalece a sua relação com pessoas que você normalmente não estaria mais em contato. Eu moro em Nova York, mas cresci em Louisiana. Estou em contato com meus amigos de ensino médio em Louisiana, meus primos e parentes lá, de uma maneira que provavelmente não estaria não fosse pelo Facebook, porque vivo tão longe. Então, pela minha própria experiência, no Feed de Notícias, estou exposta a um conjunto mais diversificado de pontos de vista do que se estivesse apenas passando tempo com o meu pequeno grupo de amigos em Nova York e assistindo um canal específico de cabo. O Facebook me oferece um conjunto de visões muito mais amplo e diversificado.
Dito isso tudo, nós queremos fazer parte da discussão sobre como trazer perspectivas diferentes para a conversa e para as pessoas no Facebook. Queremos apoiar perspectivas diferentes e encontrar maneiras criativas de assegurar que as pessoas estejam vendo o retrato completo sobre qualquer assunto. Pode haver algo que possamos fazer quanto aos produtos, sobre isso, que certamente vamos explorar. E pode haver coisas que apareçam no consórcio e que nos ajudem, que vamos explorar. Portanto, eu acho que é importante manter a perspectiva histórica em torno disso, para caracterizar sobre o que estamos falando, mas encontrar quais são as novas soluções é algo que estamos empenhados em fazer.
Pergunta – Ainda sobre as bolhas, algumas organizações jornalísticas têm apresentado aos leitores textos de sites com os quais eles não teriam contato. Outras até começaram a colocar diferentes leitores em contato direto uns com os outros. O que acha dessas experiências?
Brown – Acho que é emocionante. Quer dizer, uma das áreas do Projeto de Jornalismo do Facebook [lançado com a chegada de Brown] em que é realmente excitante trabalhar, que é o tipo de coisa que estou liderando internamente, é como fortalecer as notícias locais. Para mim, tendo passado toda a minha vida no jornalismo, eu acredito que precisamos ter um diálogo real uns com os outros, independentemente de nossas visões políticas, e que isso tem que começar no nível local. Você vai ter muito mais sucesso construindo esse entendimento comum no nível local do que no nacional. Nos próximos meses e anos, isso será um foco para nós, trabalhando em colaboração estreita com os veículos locais de notícias e com as comunidades, para ajudar a construir esse entendimento e envolver as pessoas. Estou muito animada com isso.
Pergunta – Sobre a questão das parcerias de mídia, os veículos questionam, por exemplo, a fatia que recebem do Facebook em publicidade. Existe espaço para negociação em modelos de negócio?
Brown – Então, aqui está o que estamos pensando sobre isso… Tem a ver com o Projeto de Jornalismo, que eu estou liderando. Começa pelo reconhecimento de que o Facebook não é uma organização noticiosa mas tem uma responsabilidade com o ecossistema de notícias. Temos um papel a desempenhar, trabalhando mais estreitamente com as empresas jornalísticas, para assegurar que o bom jornalismo não apenas sobreviva, mas cresça. Nós acreditamos que o jornalismo é essencial para a democracia, e que nós precisamos apoiá-lo como pudermos.
Uma das maneiras de pensar sobre isso, que tem a ver com a sua pergunta, é uma colaboração mais próxima do que o Facebook jamais teve, com as empresas jornalísticas, desde os primeiros estágios do desenvolvimento de seus produtos voltados ao engajamento com o público. O que começamos a fazer, desde que lançamos o Projeto de Jornalismo, é conduzir mesas-redondas e oficinas com os veículos. Estamos tentando chegar ao nível granular, da relação de engenheiro para engenheiro, dos veículos e do Facebook, para que eles se acertem um com o outro nos estágios iniciais de desenvolvimento. Isso é crítico, é o primeiro pilar da Projeto de Jornalismo, no qual estamos gastando muito tempo e energia. E temos muito trabalho a fazer. Por exemplo, estamos focados em monetização de vídeos e em como eles aparecem, junto aos veículos com modelos baseados em vídeo. Ou seja, temos uma série de ideias interessantes que estamos trabalhando em parceria.
Pergunta – Como é o seu trabalho no Facebook? Como você o vê, sendo jornalista?
Brown – Eu vejo meu papel como sendo, internamente, uma defensora do jornalismo. E num momento em que o Facebook está aberto e animado para ser um parceiro. Existe um reconhecimento real, agora, do papel desta empresa no ecossistema de mídia e do papel que precisa desempenhar, de apoio ao grande jornalismo. Acho que ao me trazer… Espero estar adicionando mais pessoas que têm experiência em notícias às muitas que já fazem parte da minha equipe, para ajudar a superar as diferenças entre o Facebook e o jornalismo, o Facebook e o mundo das notícias.
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