A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançou esta semana o documentário Crack Repensar, no qual aborda a atual política de combate às drogas e lança luz sobre outras formas de enfrentar o problema.
O documentário, de 25 minutos, tem depoimentos de especialistas, juristas, cientistas sociais, defensores públicos e usuários de droga e aborda questões como dependência, redução de danos, encarceramento e internação compulsória. Entre os esclarecimentos, o vídeo mostra que o crack é a única forma fumável da cocaína e que um em cada quatro usuários fica dependente da droga.
Em depoimento, o cientista político e delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro Orlando Zaccone critica a política de combate às drogas, que, de acordo com ele, combate apenas um determinado perfil de pessoas, possibilitada pela legislação. “A construção no ambiente social é cruel, porque quem tem condições de provar que tem condições de comprar a droga é usuário e quem não tem é considerado traficante”, denuncia.
Na visão do cientista político, a guerra às drogas mata mais do que o consumo, e por isso ele defende a regulamentação para o uso de drogas. “Se for regulamentada, a guerra acaba”, acredita Zaccone.
O documentário crítica a política de internação compulsória, e mostra pessoas que utilizam o crack e trabalham, quebrando o estereótipo de dependentes químicos mostrados como zumbis. “Ela [a droga] me ajuda na minha solidão”, diz um usuário.
Para o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, o documentário se apresenta como um instrumento para aprofundar o debate sobre o consumo e venda de drogas, no momento em que o Brasil está paralisado para o tema. “Essas teses [do filme], em articulações com os movimentos sociais, com o Congresso e com a área jurídica, tentam romper as condições das conjunturas e guiar adiante”.
Redução de danos e descriminalização
O vice-presidente da Fiocruz, Vancler Rangel, responsável pelo programa institucional sobre álcool, crack e outras drogas, explica que a postura da instituição é antiproibicionista e de tratar as drogas como uma questão de saúde pública. “Então esse tipo de produção [o documentário] vem no sentido de esclarecer a sociedade, trabalhar, fustigar o tema, a partir dessa lógica. Contrariamente à perspectiva de guerra às drogas, de isolamento dos usuários. É uma perspectiva de integração e de olhar sobre o problema como um olhar de saúde pública”.
De acordo com ele, a saúde trabalha com terapias substitutivas e uso controlado e consciência do usuário sobre esse uso, o que é chamado de redução de danos. “Quando você tem uma situação onde o usuário tem uso problemático de qualquer droga, você tem que trabalhar com ele na perspectiva de reduzir aquele dano que essa droga está causando para ele por esse uso. É muito difícil você eliminar o uso, a questão da dependência, desse uso, faz parte da relação do humano com as substâncias que tem efeitos psicoativos e inclui também as drogas legais”.
Para ele, houve avanços na política de drogas no país, apesar de pequenos. “As pesquisas de opinião mostram que apesar de ainda termos uma percepção das drogas como um problema insolúvel, que tem que ser tratado como crime, pela lógica penal, temos crescido a compreensão de que essa visão não leva a nada. Então nós temos ganho parlamentares, o que é importante; o mundo jurídico avançou muito nesse sentido, não só no Brasil, mas no mundo, o sistema único de saúde está aberto para isso, com uma série de programas”.
Rangel defende que a política de drogas deve ser discutida com os juristas, mas que passa como primeiro passo pela total descriminalização do uso e abolição de qualquer preconceito. “Nós temos discutido muito a regulação, é preciso que o Estado, de algum modo, entre de maneira mais incisiva, e as experiências internacionais têm demostrado isso para a gente, que o caminho da regulação é um caminho mais razoável. É um caminho que empodera a sociedade, que retira da mão do tráfico, do crime, a situação das drogas, e é um caminho que faz com que a saúde pública, a pesquisa, possa tratar desse assunto de uma maneira mais direta, sem preconceito”.
Crianças, adolescentes e crack
De acordo com a pesquisadora Simone Gonçalves de Assis, organizadora do livro Crianças, Adolescentes e Crack – Desafios para o Cuidado, que reúne pesquisas da Fiocruz sobre o tema, o levantamento nas casas de acolhimento mostram que o principal motivo que leva crianças e adolescentes a essas casas de apoio é o uso de drogas, em especial pelos pais.
Os dados mostram que o Brasil tinha, em 2014, quando a pesquisa foi feita, mais de 300 mil usuários de crack com mais de 18 anos nas capitais e 50 mil crianças e adolescentes, o que corresponde a 0,8% das crianças nessas cidades. Para Simone, o problema é grave pela fragilidade dos envolvidos e a incapacidade do sistema de acolhimento atender a demanda de maneira adequada.
“É um caso de saúde pública pela relevância da substância, das consequências que ela traz. Tem sido tentadas políticas de saúde, mas na área de criança e adolescente é muito frágil ainda. Você recolhe mas não traz o atendimento em saúde.
Ela também defende a política de redução de danos e é contra o proibicionismo que, segundo ela, impera na política de drogas do país. “Eu acho que isso é muito mais uma visão ideológica da sociedade do que uma reação coerente com os estudos científicos que se mostram. Eu acredito piamente que essa política de combate que a gente tem está gerando esse mundo de mortes, de tráfico, de arma. Se a gente pesar o que é mais importante, e com essas respostas científicas da área da saúde, eu tenho total confiança de que a gente tem que tratar usuário de droga como uma pessoa que tem um problema de saúde”.
Com informações da Agência Brasil
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