Por unanimidade, os desembargadores da 1ª Câmara de Direito Privado derrubaram a sentença que condenou o médico Drauzio Varella e a Rede Globo a indenizarem em R$ 150 mil o pai do menino de nove anos que foi estuprado e morto pela travesti Suzy Oliveira.
A multa havia sido estipulada pela juíza Regina de Oliveira Marques, a título de danos morais. A magistrada considerou que a emissora “abusou do direito de informação” ao veicular a reportagem sem expor o crime pelo qual Suzy foi condenada.
A defesa da emissora recorreu da sentença, e afirmou que a reportagem tinha o objetivo de mostrar a vida dura que as mulheres trans levam nos presídios, além da “precariedade do sistema penitenciário brasileiro e o preconceito contra as pessoas transexuais”. Ao Estadão, o advogado Afranio Affonso Ferreira Neto, que defende a Globo e Varella, afirma que “o assunto era a calamidade penitenciaria”. “Falava-se de miséria de presos. Jamais dos crimes que cometeram. Como sabiamente reconheceu o Tribunal”.
Emerson Ramos da Costa Lemos, pai do menino pediu o aumento da indenização, sob a alegação de que a emissora tinha “pleno conhecimento” do crime cometido por Suzy e apresentou “um assassino como pobre vítima da sociedade”.
Relator do recurso, o desembargador Rui Cascaldi afirmou que “até se entende a revolta” do pai da vítima, mas, segundo ele, “admitir as suas alegações é direcionar a reportagem ao sabor da sua vontade pessoal, de forma a desvirtuá-la”. “Nela, realmente, não se menciona o crime sofrido pelo filho do autor, nem o nome da vítima. Nem deveria, pois tinha por finalidade mostrar a vida difícil das “mulheres trans” nas prisões brasileiras, a precariedade do sistema penitenciário brasileiro, além do preconceito contra as suas pessoas”. “Não seus crimes”.
O desembargador ressaltou que a emissora não é obrigada a “traçar as suas reportagens sobre as péssimas condições dos presídios brasileiros, tendo que mostrar os crimes praticados pelas detentas entrevistadas, pois não tinha por objetivo historiar o fato criminoso, mas, como já dito, as péssimas condições de carceragem das detentas trans, nisso residindo a sua liberdade de imprensa, direito que ora se lhe garante”.
“É, na verdade, lícito, porque a nossa Constituição Federal garante condições dignas ao preso (“art. 5º, inciso XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”), estando a reportagem, justamente, a denunciar as más condições vividas pelas detentas. Nada mais legítimo!”, anotou.
Segundo o desembargador, se a emissora fosse obrigada a “veicular o crime cometido pelas entrevistadas, como quer o autor, em especial o cometido pela trans, Suzy, a finalidade da reportagem, de denúncia de uma grave situação carcerária vivida pelas detentas trans, perderia o foco e se tornaria uma odiosa execração pública daquelas que já estão a pagar pelos seus crimes, daquelas que já perderam o seu direito de ir e vir e que teriam direito, enquanto presas, a um tratamento mais humano”.
O voto de Cascaldi foi acompanhado pelos desembargadores Claudio Godoy e Francisco Loureiro.
Em primeiro grau, a juíza Regina de Oliveira Marques havia afirmado que a emissora e Varella deveriam ter “tido o discernimento de procurar conhecer os crimes cometidos por seus entrevistados, já que médico atuante no sistema carcerário; agindo em desconformidade, restou negligente”.
“Cabal a prova de que os réus agiram com incúria e não conferiram quaisquer dados sobre quem estavam entrevistando, restando culpa in commitendo ou in faciendo com incorreção no desempenho de sua atividade, já que, enquanto veículo de comunicação, tem o dever de realizar a necessária verificação de eventos que lhe são confiados antes de promover sua publicação, de forma a que não cause, no exercício de sua atividade, danos a terceiros”, escreveu. (Por Luiz Vassallo e Fausto Macedo/Estadão Conteúdo)
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