O Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) constatou possível sobrepreço de quase R$ 11 milhões no contrato firmado no início de março, sem licitação, pela prefeitura de Anápolis com a empresa São Bento Lighting Ltda para execução de serviços de iluminação no município. A contratação ocorreu já na administração do prefeito Márcio Corrêa (PL) via adesão à ata de registro de preços e envolve diferentes irregularidades. Dois servidores e a empresa foram multados.
O valor total do contrato é de R$ 53 milhões. Segundo publicação no Diário Oficial do Tribunal desta quinta-feira (16), o Ministério Público de Contas (MPC-GO) havia representado a respeito do assunto após receber denúncia através da Ouvidoria do MPC-GO.
Postes seriam comprados sem indicar locais para fixação
Essa denúncia era relativa ao processo para a contratação de 450 postes pela prefeitura, sem que constasse o projeto básico, e sequer dados sobre onde os postes seriam fixados em Anápolis.
Na verdade, segundo o TCM, não está claro nem mesmo se tais postes seriam para substituir unidades avariadas ou para a implantação de novas redes elétricas, o que exigiria o projeto básico com quantidades a serem utilizadas.
Valor do contrato equivale a 5% de toda a receita corrente
O valor dessa compra também chamou atenção do TCM porque seria próximo de 5% das receitas correntes da prefeitura aplicados por Márcio Corrêa em um único contrato.
Com isso, a Secretaria de Controle Externo de Contratações do TCM verificou a incompatibilidade com o sistema de registro de preços, tendo em vista a legislação definir que contratações desse tamanho e especificidade, sejam realizadas como serviços de engenharia com complexidade técnica.
Além disso, o TCM-GO viu incompatibilidade entre os valores contratados e os praticados no mercado. O parecer foi emitido pelo auditor de controle externo Marcos Vinícius Padovani Guerra.
A secretaria observou também que, para um valor tão expressivo de contratação, no caso de uma adesão à ata de registro de preços – que não segue os mesmos padrões de rigidez e controle das licitações -, “exige comprovação clara da vantajosidade, não sendo bastante a mera juntada de cotações obtidas na fase interna ou justificativas genéricas”.
Prefeitura fez cotações, mas não comparou
O Tribunal verificou que, embora tenha colhido as cotações, a prefeitura não fez comparações dentro do regime legal, estabelecido em tabelas do Sistema Nacional de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi).

Sobre os valores estimados para o serviço, que passavam de R$ 53 milhões, o TCM avaliou que a redação cita licitação compartilhada e para serviços por empreitada global e que, por isso, “revela antagonismo entre o sistema de registro de preços, cujo valor total registrado é meramente estimativo e facultativo, e o regime de empreitada por preço global, o qual exige execução integral da obra ou serviço por preço certo e total, somente viável quando previamente existente projeto básico completo e detalhado”.
Pode ter havido irregularidade ainda mais grave
Os auditores seguem afirmando que, “caso se confirme que não se trata de mero erro material de redação contratual, estar-se-á diante de irregularidade grave de planejamento, pois a Administração teria vinculado um instrumento de natureza estimativa – e que não impõe obrigação de contratar – a um regime que pressupõe a obrigatoriedade de execução integral do objeto”.
Notificação aos responsáveis
Diante desta situação, a Secretaria determinou a notificação dos responsáveis para que prestem informações e justifiquem o regime de execução efetivamente adotado. Entre eles, está o ex-secretário de Obras, Meio Ambiente e Serviços Públicos, Rone Evaldo Barbosa.
O TCM elaborou uma planilha de análise orçamentária que chegou ao valor de sobrepreço de R$ 10.900.841,51. Por conta desse montante identificado, o TCM aplicou multa a dois servidores: Wanderson Alves da Silva, diretor da Secretaria Municipal de Obras, Meio Ambiente e Serviços Urbanos (gestor do contrato), e Mário Rodrigues Naves Júnior, diretor administrativo- financeiro da Secretaria Municipal de Obras, Meio Ambiente e Serviços Urbanos. Eles foram penalizados ao pagamento de multas variando entre 1% até 20% sobre R$ 20.713.
Metodologia favoreceu sobrepreço, dizem auditores
Para o TCM, os diretores “usaram metodologia de levantamento de preço inadequada” e deixaram de avaliar o sobrepreço de forma individualizada para cada item, limitando-se a avaliar o valor global da Ata, “o que não coaduna com o sistema de registro de preços, que consiste na contratação de itens pontuais na medida em que são demandados.”
Conforme o TCM, a empresa São Bento Lighting pecou por “firmar contratação mediante adesão à ata de registro de preços contendo preços unitários referenciais superiores aos parâmetros legalmente estabelecidos (…) ocasionando sobrepreço no Contrato n. 24/2025 e superfaturamento em razão da consequente liquidação das despesas”.
Ainda de acordo com os auditores, “a empresa, ao contratar com a Administração Pública, deveria ter apresentado proposta contendo preços condizentes com os legalmente estabelecidos, evitando assim a contratação com sobrepreço”.
A São Bento Lighting estará sujeita a uma tomada de contas especial e, junto com os servidores, classificados como devedores solidários, corre o risco de arcar com a diferença encontrada pelo TCM, na casa de R$ 10.900 milhões.
Por fim, o Tribunal solicitou ainda que a prefeitura envie projeto básico completo, orçamento paradigma, planilhas orçamentárias, comprovantes de ordens de pagamento, notas de empenho, notas fiscais, medições e esclarecimentos sobre os postes contratados pela ata que já tinham sido objeto de denúncia.
O Diário de Goiás procurou o prefeito de Anápolis, mas ele não atendeu a ligação, nem retornou. O contato que seria da assessoria de Imprensa da Prefeitura de Anápolis também não estava disponível e, com isso, não foi possível localizar o contato e ouvir os servidores ou ex-servidores que foram notificados ou multados. O espaço está aberto para a manifestação de todos eles.
O processo sobre o caso, nº 08428/25, está em instrução normal no tribunal e não há medida cautelar vigente – não havia pedido de liminar pelo MPC-GO. Após a análise técnica identificar o possível sobrepreço, foi aberta vista para o gestor apresentar defesa, em um prazo de 10 dias corridos, contados a partir do retorno da AR (Correios) ao órgão, confirmando o recebimento da notificação.
Empresa se posiciona
A São Bento enviou nota em que esclarece que “não existe no contrato qualquer serviço de ampliação da rede de energia elétrica do Município de Anápolis, sendo que os postes e estruturas integram os serviços de manutenção e modernização da rede municipal de iluminação pública”. Conforme a empresa, o objetivo é fazer intervenções pontuais.
A empresa também salientou que não foi notificada pelo TCM e que vai mostrar a “legalidade e regularidade do contrato” quando for notificada. A nota destaca que, por se tratar de ata de registro de preços, os valores do contrato celebrado com o Município de Anápolis “representam tão somente estimativas máximas para o período de até 24 meses”.
Confira a nota completa abaixo!
NOTA DE ESCLARECIMENTO
SÃO BENTO LIGHTING SOLUTIONS
“A respeito do contrato firmado com o Município de Anápolis para a modernização da iluminação pública da cidade, a São Bento Lighting Solutions reitera com absoluta convicção a regularidade e a legalidade de sua atuação. Inicialmente, destacamos que a empresa não recebeu nenhuma notificação pelo Tribunal de Contas dos Municípios. O que existe é um relatório inicial e preliminar elaborado pelo TCM-GO, sem qualquer apontamento conclusivo, sobretudo diante da ausência de apresentação de defesa por qualquer dos envolvidos citados.
Nesse sentido, a São Bento Lighting Solutions informa que, tão logo seja notificada formalmente, contribuirá para a rápida elucidação dos fatos, visando demonstrar a legalidade e regularidade do contrato, celebrado por meio de adesão à Ata de Registro de Preços, um procedimento expressamente previsto e amparado pela Lei Federal nº 14.133/2021 e regulamentado pelo Decreto Federal nº 11.462/2023.
Modelo esse de contratação já consagrado nas administrações públicas do País, por permitir que os entes públicos contratem serviços essenciais com eficiência, economicidade e transparência. Ressalta-se que a Ata de Registro de Preços à qual aderiu o Município de Anápolis se originou de licitação na modalidade Pregão Eletrônico, promovido por entidade pública, no qual houve ampla competitividade, com desconto médio de 38% frente ao valor orçado inicialmente.
Igualmente, é importante esclarecer que os valores do contrato celebrado com o Município de Anápolis representam tão somente estimativas máximas para o período de até 24 meses. Portanto, não representa despesa imediata ou execução integral. A execução do contrato ocorre sob demanda do Município e os pagamentos são realizados exclusivamente após medições técnicas e comprovação de execução, garantindo que cada serviço prestado seja devidamente verificado e auditado antes de qualquer desembolso. O que assegura total transparência e controle na aplicação dos recursos públicos.
A São Bento Lighting Solutions também esclarece que não existe no contrato qualquer serviço de ampliação da rede de energia elétrica do Município de Anápolis, sendo que os postes e estruturas integram os serviços de manutenção e modernização da rede municipal de iluminação pública. Tratam-se apenas de intervenções pontuais, previstas em contrato, que visam melhorar a eficiência, a segurança e a durabilidade do sistema de iluminação já existente. Algo muito distinto da rede de distribuição da concessionária de energia elétrica.
Por fim, a São Bento Lighting Solutions reafirma seu total respeito aos órgãos de controle e fiscalização e está à disposição para fornecer quaisquer esclarecimentos técnicos que venham a ser solicitados, reafirmando a sua confiança na legalidade, na ética e na integridade de seus processos e serviços prestados ao Município de Anápolis, onde já foram modernizados cerca de 16 mil pontos de iluminação pública, com luminárias de LED de última geração, beneficiando diretamente mais de 120 mil moradores da cidade e gerando economia aos cofres públicos com o menor consumo de energia elétrica.”
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