Nesta última semana, em decisão monocrática, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes derrubou uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, de Minas Gerais, que havia reconhecido vínculo trabalhista entre a companhia de transporte por aplicativo Cabify e um motorista. Ao acolher o recurso da empresa proprietária do aplicativo, Moraes afirmou que a Constituição permite formas de emprego alternativas à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como a terceirização.
A Cabify ainda argumentou que o trabalho feito pela plataforma tecnológica não poderia ser enquadrado como celetista, “pois o motorista pode decidir quando e se prestará seu serviço de transporte para os usuários do aplicativo Cabify, sem qualquer exigência mínima de trabalho, de número mínimo de viagens, de faturamento mínimo, sem qualquer fiscalização ou punição pela decisão do motorista”.
Visões sobre o tema
Nesse sentido, muito se discute sobre a relação jurídica entre o motorista e a empresa de aplicativo, determinando se o profissional é considerado um funcionário ou um prestador de serviços autônomo. No Brasil existe um debate jurídico e regulatório em andamento para determinar novas diretrizes sobre o tema.
Para o advogado trabalhista Gabriel Passos, o tema tem gerado decisões divergentes, tanto favoráveis quanto desfavoráveis aos trabalhadores. O especialista explica que a decisão do STF traz uma nova perspectiva, contrariando o entendimento histórico da competência da Justiça do Trabalho para julgar casos relacionados a relações de trabalho e emprego.
“O relator da decisão do STF destacou que a relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a plataforma se assemelha mais à situação prevista na Lei 11.442/2007, que trata de transportadores autônomos. Nesse sentido, a natureza da relação é considerada estritamente comercial, o que implica que a competência para julgar esses casos seria da Justiça Comum”, afirma o advogado.
Discussão em pauta
Enquanto isso, os motoristas de aplicativo têm recorrido cada vez mais aos tribunais para reivindicar o reconhecimento do vínculo empregatício e os seus direitos trabalhistas. Gabriel Passos, que atua em empresas e sindicatos, argumenta que essa decisão do STF gera mais debates e contraria, inclusive, a Constituição Federal, uma vez que esta dispõe claramente que é competência da Justiça do Trabalho julgar ações que versem sobre as relações de trabalho e emprego.
“A nossa Constituição, em seu artigo 114, delimita a competência da Justiça do Trabalho e, mesmo que não haja um vínculo de emprego, sendo uma relação de trabalho, a Justiça competente para processar e julgar estes processos deveria ser a Trabalhista e não a Comum. Contudo, com essa decisão, os processos dos motoristas de aplicativo deverão ser remetidos à Justiça Comum”, afirma.
De acordo com o advogado, as empresas de aplicativo estabelecem regras e diretrizes para os motoristas, mas a falta de um vínculo empregatício dificulta o acesso a benefícios e direitos trabalhistas fundamentais, como férias remuneradas, licença médica e contribuições previdenciárias.
“O decreto 9.792/19, aprovado pelo presidente Jair Bolsonaro, trouxe regulamentações específicas para os motoristas de aplicativo. Conforme o decreto, esses profissionais devem se registrar como contribuintes individuais no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou como Microempreendedor Individual (MEI) para realizar o recolhimento de suas contribuições previdenciários, para assim terem direito ao auxílio-doença, salario maternidade, dentre outros”, avalia Gabriel Passos.
O advogado ressalta, ainda que, de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou a relação entre motoristas de aplicativo e empresas como estritamente comercial, os direitos e deveres serão estabelecidos no contrato (termos de serviço) acordado entre o motorista e a empresa do aplicativo. E por isso, é fundamental que os motoristas leiam atentamente e aceitem esses termos antes de iniciar a prestação de serviços.
“É importante destacar que, uma vez ausente o vínculo de emprego entre as partes, já que o trabalho é considerado autônomo, os motoristas de aplicativo têm ampla liberdade para organizar sua jornada de trabalho, decidindo quando iniciar e encerrar suas atividades conforme sua conveniência”, diz.
Marco nos debates
Segundo Passos, que também é especialista em direito empresarial, a recente decisão do STF afastando a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações dos motoristas de aplicativo marca uma nova etapa nesse debate. “Essa foi a primeira vez que o STF se pronunciou sobre a questão, enquanto as decisões anteriores eram proferidas exclusivamente pela Justiça do Trabalho, algumas reconhecendo o vínculo de emprego e outras afastando essa relação”, afirma.
Gabriel avalia que, diante desse novo cenário, a expectativa é que haja um maior debate legislativo e regulatório para lidar com a questão dos motoristas de aplicativo, buscando um equilíbrio entre a proteção dos direitos dos trabalhadores e a preservação do modelo de negócio das empresas de aplicativo.
Leia mais sobre: Direito e Justiça