Em mais uma nova estratégia da intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, o Exército faz nesta terça-feira (27) quatro operações simultâneas no Rio e reforça o patrulhamento em pontos turísticos da capital fluminense.
No conjunto de favelas do Complexo do Lins, na zona norte, cerca de 3.400 militares atuam para combater o roubo de carga. Os militares também cercam a região do presídio Bangu 3, onde estão detidos líderes do Comando Vermelho. Em paralelo, homens reforçam o patrulhamento em áreas turísticas e movimentadas da cidade. Há, por exemplo, uma equipe da Polícia do Exército em frente ao hotel Copacabana Palace, na praia de Copacabana.
Toda essa movimentação ocorre no momento em que policiais militares continuam sendo mortos em confrontos com criminosos e moradores de áreas carentes permanecem sofrendo com os altos índices de violência. Só no último final de semana foram ao menos oito mortos na Rocinha e cinco jovens assassinados em Maricá, na região metropolitana do Rio.
Para agravar a situação, uma vereadora foi morta a pouco mais de um quilômetro do quartel general da intervenção federal, num crime aparentemente premeditado, com repercussão internacional, e sem solução até agora.
Quarenta dias depois da nomeação do general do Exército Walter Braga Netto como interventor na segurança pública no estado, a situação do Rio permanece distante da promessa do presidente Michel Temer (MDB) de restabelecimento da ordem.
A intenção das operações desta terça-feira é dar visibilidade ao trabalho dos interventores. Também acontecem inspeções em três batalhões da Polícia Militar: Batalhão de Polícia de Choque, no centro, Batalhão de Ações com Cães, na zona norte, e Grupamento Aeromóvel, em Niterói, na região metropolitana.
Até as 11h não havia balanço das ações. No Complexo do Lins, houve tiroteio quando integrantes do Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), grupo de elite da Polícia Civil, entrou numa das comunidades do complexo e deu início a um tiroteio.
A Polícia Civil também cumpre mandados de prisão na favela. A estrada Grajaú-Jacarepaguá, uma das vias mais movimentadas da cidade, está fechada. Segundo o CML (Comando Militar do Leste), a ação envolve cerco, estabilização dinâmica da área e desobstrução de vias. O espaço aéreo da região foi fechado.
No ano passado, o Exército realizou uma operação semelhante no Complexo do Lins e não obteve sucesso. A operação vazou e traficantes da região conseguiram fugir das comunidades. O Complexo do Lins é uma das regiões mais violentas da cidade. Além do tráfico de drogas, bandidos da região também praticam roubos de cargas e veículos na região.
Segundo pesquisa Datafolha feita na semana passada, a intervenção tem apoio de 76% dos moradores da cidade do Rio. A maioria, porém, avalia que a ação do Exército até agora não fez diferença no combate à violência (71%).
O interventor atua como chefe das forças de segurança -na prática, é responsável tanto pela Segurança Pública como pela Administração Penitenciária, com PM, Civil, bombeiros e agentes carcerários sob seu comando.
O principal exemplo da atual falta de rumo da intervenção é a favela Vila Kennedy, na zona oeste do Rio, anunciada como uma espécie de laboratório da intervenção.
A experiência durou pouco, e as Forças Armadas anunciaram que irão deixar a favela antes de conseguir capturar chefes do tráfico local ou aprender quantidade representativa de armas e drogas.
No período de um mês na região, os militares protagonizaram uma corrida de gato e rato com bandidos, que colocavam de noite as barreiras retiradas de dia pelas tropas.
A estratégia dos interventores para enfrentar os criminosos é nebulosa, mas uma das pistas é que descartam ocupar comunidades de forma permanente, como ocorreu na Maré em 2014 e 2015.
Outra promessa é reequipar as polícias do estado, mas tanto PMs como policiais civis seguem trabalhando com armamento obsoleto e sem combustível para viaturas.
A falta de estrutura ajuda a tornar os agentes vítimas da criminalidade. Já são 31 PMs mortos neste ano -média de um a cada três dias. Em igual período de 2017, foram 39 mortos -134 no ano todo.
Crime de maior repercussão desde que começou a intervenção, a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, completará duas semanas nesta quarta (28) sem resultados concretos da investigação -até aqui, nada se sabe sobre os criminosos e a motivação do crime.
Modelo
Segundo a socióloga Maria Isabel Couto, pesquisadora de segurança pública do instituto Iser, a atuação das forças repete modelo de décadas atrás, sem sucesso.
O ineditismo da medida atual, diz, é acompanhado de antigas práticas, como cerco a favelas, revistas a moradores e foco no tráfico de drogas no varejo e em regiões pobres.
“Do ponto de vista estratégico, não é diferente do que vemos há 30 anos no Rio”, afirma. “Há um aumento da repressão e a militarização da vida cotidiana nas áreas pobres, apenas, e estão tentando resolver o problema dando o mesmo remédio que sempre deram”, completa.
Para Ignácio Cano, do Laboratório de Violência da Uerj, a intervenção não tem tempo nem condições políticas de melhorias significativas.
Ele diz ver os militares sem rumo e improvisando. O melhor que o interventor poderia fazer, diz, seria a polícia reavaliar a política de operações para tentar reduzir o número de confrontos e, consequentemente, de feridos e mortos, e aumentar o patrulhamento para inibir crimes de rua.
Cano afirma não acreditar que a solução seja tentar tomar as favelas mais conflagradas. “Se entrarem, vão ocorrer muitas mortes.”
Até agora não há estatísticas oficiais que possam medir os índices de criminalidade em meio à intervenção.
Venâncio Moura, diretor de segurança do Sindicarga (Sindicato de Transporte de Cargas do Rio), afirma que a sensação é de que os roubos de carga, importante foco da intervenção, não reduziram.
“O que vemos é que os ladrões de carga não se intimidaram com a intervenção”, disse Moura, que é coronel da reserva da PM. Ele vê as ações do Exército nas vias expressas com impacto pontual. “Os militares vão embora no fim da tarde e tudo volta outra vez.”
Em meses
O Gabinete de Intervenção Federal afirmou, por meio de nota, que as ações seguem estratégia traçada pelo interventor e que os primeiros resultados serão sentidos nos próximos meses.
Ele disse que estão sendo implementadas ações “emergenciais e estruturantes” para reduzir “progressivamente” os índices de criminalidade e fortalecer as polícias e a moral dos policiais.
Os generais no comando da secretaria de Segurança Pública evitam dar declarações públicas. No assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), optaram por se manifestar por nota.
O interventor Braga Netto falou publicamente uma vez desde que assumiu -assim como Richard Nunes, general secretário de Segurança.
Em nota, o gabinete de intervenção listou feitos da gestão e afirmou que os diversos atores das forças de segurança do Rio trabalham de forma integrada.
Ele destaca entre as medidas a “mudança de comando dos órgãos de segurança pública dentro do critério da meritocracia”, a “interlocução com diferentes segmentos dos setores públicos, privados e da sociedade civil organizada” e a “recomposição das finanças” para saldar passivos, assegurar pagamentos e investir em melhorias.
O gabinete cita também a “criação de modelo de ações sociais para ser aplicado em comunidades”, a “recomposição de efetivos e ampliação da frota de viaturas para aumentar policiamento ostensivo” e a “mobilização e integração com forças de segurança federais e de outros estados”.
Na última terça-feira (20), fabricantes brasileiras de armas doaram 100 fuzis e 100 mil munições às forças de segurança do Rio.
Nos próximos dias, o Exército doará para a PM três veículos blindados usados na missão do Haiti.
Dois batalhões da PM foram vistoriados pelos interventores. Os militares destacam ainda apoio a uma ação social na Vila Kennedy para tirada de documentos e assistência odontológica que fez 13 mil atendimentos. (Folhapress)
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