Pela primeira vez na história, o coração de D. Pedro 1º, que está guardado em um recipiente de vidro, sairá de Porto, Portugal, e irá para o Brasil. O órgão, que chega nesta segunda (22) e será exposto em meio as celebrações dos 200 anos da independência, também recebeu milhares de visitas neste último fim de semana, em exposição pública inédita na igreja da Lapa. O coração ficará 20 dias no Brasil, mas não foge de polêmicas e críticas de intelectuais de ambos os países sobre o seu transporte.
As críticas não são por menos, já que o órgão, apesar de estar mergulhado em uma solução de formol, conservado dentro de um cálice revestido de mogno, ficava guardado literalmente a cinco chaves em um sarcófago da Igreja da Lapa há 187 anos, e agora irá cruzar o Atlântico. Quem fez o pedido do transporte foi o atual governo brasileiro, sob autorização do governo português. A relíquia virá por meio de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
Ainda em relação às críticas, há as do ponto de vista técnico, como divulgado pelo GLOBO, sobre a preocupação com a pressurização do voo, que pode alterar o estado do material já bastante antigo, além das condições de umidade e temperatura do espaço no Palácio Itamaraty, em Brasília, onde o coração ficará exposto a partir desta terça-feira (23).
A jornada do coração de Pedro I — ou Pedro IV, título com que morreu em Portugal, é cercada de sigilo. Depois de um primeiro momento de indecisão, a Câmara Municipal do Porto aprovou por unanimidade o pedido feito pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas Rui Moreira, político de direita que preside a Câmara Municipal do Porto, com função equivalente a de um prefeito, tem respondido a insinuações de que o empréstimo seria uma forma de apoio a Bolsonaro.
Também divulgado pelo Globo, uma entrevista com o Médico-legista há mais de 40 anos, Nelson José Almeida Pingas, que estudou na Universidade do Porto, disse que os peritos portugueses, extremamente técnicos e cautelosos, devem ter submetido o traslado a um rígido planejamento, mas que nem isso elimina completamente os riscos. “É preciso entender como o avião da FAB fará o transporte, qual a pressurização e a temperatura ambiente que precisam ser respeitadas”, afirmou.
A jornada do coração de Pedro I — ou Pedro IV, título com que morreu em Portugal, é cercada de sigilo. Depois de um primeiro momento de indecisão, a Câmara Municipal do Porto aprovou por unanimidade o pedido feito pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas Rui Moreira, político de direita que preside a Câmara Municipal do Porto, com função equivalente a de um prefeito, tem respondido a insinuações de que o empréstimo seria uma forma de apoio a Bolsonaro.
Já sob a ótica das críticas sociais e políticas, muitas pessoas em Portugal foram e estão contra o transporte, também pela fragilidade do órgão que é muito valioso. A cineasta Laís Bodanzky, que dirige o filme “A Viagem de Pedro”, estrelado por Cauã Reymond, publicou ter se impressionado com o que ouviu de um funcionário da instituição religiosa que tem a guarda do órgão. “Ele disse que achava estranhíssimo, porque o coração está embebido em um líquido especial. Ele me descreveu que era como se fosse um pedaço de pão muito molhado, que se desmancha aos poucos. Precisa ficar isolado da luz e de qualquer movimento brusco, que poderiam fazer até com que ele se desfizesse”, descreveu ela.
Também publicado pelo Globo, o jornalista Laurentino Gomes, autor dos livros “1808”, “1822” e “1889”, afirmou que é um “gesto atabalhoado, improvisado”. “Esse governo faz tudo sem planejamento e, agora, faltando um mês para o bicentenário, não existe sequer um programa organizado. Ninguém sabe exatamente o que vai acontecer com esse coração”, afirmou.
Já o sociólogo português João Teixeira Lopes, que teve um artigo publicado no jornal português Público, manteve mais críticas ao transporte do órgão. “Um coração em formol será transportado para gáudio imenso do governo Bolsonaro, que aqui encontra a ocasião de um festim necrófago galvanizador da sua base de apoio, fazendo, em plena campanha eleitoral, como os ditadores romanos, a política de panem et circenses [pão e circo]”, escreveu em trecho do seu texto.
Na internet há outras inúmeras críticas sobre o evento. A grande maioria dos comentários sobre o assunto, seja de brasileiros ou portugueses, se mostram desfavoráveis ao transporte por diversos motivos. Confira algumas publicações:
Apesar disso, não é a primeira vez que um pedaço do corpo do primeiro imperador brasileiro, que declarou a independência do país de Portugal, será usada para celebrar o Sete de Setembro. Em 1972, nos 150 anos da Independência e durante a ditadura, o governo Médici conseguiu, em um acordo com a ditadura salazarista portuguesa, trazer os ossos de Pedro I para um périplo que começou no Rio de Janeiro, passou pelas principais capitais e terminou somente cinco meses depois, em São Paulo.
Os despojos foram para a cripta da Capela Imperial, no Monumento à Independência, na capital paulista (a sepultura definitiva foi apenas em 1976, porque o caixão de pinho português era maior que o sarcófago da capela do museu).
Coração no Brasil
As solenidades terão início no dia 23 e incluem cerimônia de chegada ao Palácio do Planalto, com direito à subida na rampa em meio a honrarias militares, inclusive a participação dos Dragões da Independência e a apresentação de hinos. “Entre esses hinos está o Hino Nacional, que foi composto pelo próprio D. Pedro I”, explicou o ministro Selos.
Após a cerimônia no Planalto, o coração do imperador volta para o Itamaraty, onde ficará exposto inicialmente a autoridades e convidados do corpo diplomático, na Sala Santiago Dantas, climatizada para servir de exposição e cripta. Entre os convidados estão integrantes da família imperial.
Para o dia 24, está programada visita especial da imprensa ao local. “Nos dias seguintes, será aberto a visitas agendadas de estudantes das escolas do Distrito Federal, sobretudo públicas. Nos fins de semana, a visitação será aberta ao público, em geral turistas que costumam visitar o palácio”, acrescentou Selos.
Negociações
O embaixador Monteiro Prata foi um dos coordenadores indicados pelo Itamaraty para participar das negociações, com o objetivo de trazer ao Brasil o coração do imperador para as comemorações do bicentenário da independência.
As missões brasileiras a Portugal tiveram de negociar com a Câmara Municipal da cidade do Porto, a quem o coração do imperador foi doado em agradecimento ao apoio político dado pela província nas questões envolvendo a sucessão ao trono português. Também foram necessárias negociações com a Igreja Nossa Senhora da Lapa, a quem cabe a guarda do coração.
“Após a aprovação unânime da assembleia municipal, tivemos de acertar muitos detalhes técnicos para transporte e guarda, a fim de garantir a integridade do órgão”, diz Monteiro Prata.
Entre os pedidos feitos pelos portugueses está o de que o coração não seja transportado como carga, mas na cabine de passageiros. Para garantir que a relíquia continue em boas condições, diversos procedimentos serão adotados, de forma a garantir condições adequadas de temperatura, pressão e iluminação.
Cripta e urna
O órgão, com cerca de nove quilos, só poderá ser visto quando estiver no interior da cripta montada no Itamaraty, dentro de uma cápsula de vidro. Nas ações externas, a cápsula estará dentro de uma âmbula (espécie de cálice) de prata dourada, revestido por uma urna de madeira.
No Brasil, o coração de D. Pedro I será acompanhado pelo presidente da Câmara Municipal do Porto, cargo que equivale ao de prefeito, no Brasil. Em solo brasileiro, a proteção ficará a cargo da Polícia Federal e das Forças Armadas.
No dia 7 de setembro, data da independência do Brasil, o coração estará em um evento, ao lado de outros chefes de Estado convidados. O retorno a Portugal está previsto para o dia 8 de setembro, chegando no dia 9 à cidade do Porto.
Vale lembrar que haverá uma nova oportunidade de visitação do coração de D. Pedro I, após seu retorno do Brasil. Será no mesmo espaço, a igreja da Lapa, no Porto, em 10 e 11 de setembro.