O mosaico complexo da Jamaica criado por Marlon James no romance “Breve História de Sete Assassinatos”, que lhe rendeu o prêmio Man Booker em 2015, é mais fruto de um intenso trabalho de pesquisa do autor do que de sua própria vivência.
“As pessoas esperam que a literatura seja sempre um relato da experiência do escritor, que todo livro seja uma espécie de reportagem”, queixou-se em debate promovido pela Folha de S.Paulo nesta terça (1º), adicionando que essa “literatura experiencial” é mais esperada em escritores negros que brancos.
Para dar outro exemplo, disse que quando uma mulher escreve sobre aborto, é frequente que perguntem a ela se sua própria gravidez foi traumática.
Mediador do debate, o jornalista Álvaro Pereira Júnior, chefe de Redação do Fantástico, lembrou um episódio em que perguntaram a James sobre sua infância violenta. Quando o jamaicano respondeu que havia crescido em um ambiente estável, questionaram como retratava tão bem os guetos e gangues da Jamaica. E ele rebateu: “Chama-se usar a porra da sua imaginação”.
O autor, que afirmou colher inspiração em Salman Rushdie e William Faulkner (1897-1962), disse ter se firmado como escritor quando passou a escrever os livros que estavam em sua cabeça, “não os que deveria escrever”.
Assim, seus romances não raro ganham rumos e proporções que o surpreendem. “Breve História”, contou ele, era para ser uma novela de crime -sobre uma tentativa de assassinato do cantor Bob Marley- e acabou virando uma obra de mais de 700 páginas. “Não tinha ideia de que ia virar um livro sobre a Guerra Fria, mas, seguindo o caminho das armas, acabei chegando na política.”
Alguns dos personagens do livro, que tem mais de dez narradores de personalidades e origens distintas, foram surgindo espontaneamente. “Às vezes um personagem aparece na minha cabeça enquanto escrevo e não sei por que está lá. Aí deixo que ele mesmo encontre a própria voz.”
André Czarnobai, que verteu o livro ao português e também participou do debate, disse que ao ler, no original, páginas inteiras sem pontuação e frases que começavam em uma língua e terminavam em outra, tinha até dor de cabeça. “Era como se tivesse tomado uma droga”, disse o brasileiro. James riu e deixou claro que não usou nenhuma substância.
As mais diversas variações do inglês e do patois jamaicano se dividem na obra, mas Czarnobai apontou que, pelo fato de o livro ser escrito com raízes na oralidade, a tradução fluiu de modo natural.
Sobre a Jamaica, de onde saiu em 2007 para morar em Minnesota, nos Estados Unidos, James disse ainda ser um país com divisão racial aguda, mesmo que lá se goste de dizer que não há racismo.
“Construíram hotéis temáticos nas áreas de antigas plantações, onde trabalhavam escravos. Não sei vocês, mas eu não vou a Auschwitz para pegar um bronzeado.”
Outro tema ainda não pacificado na Jamaica, segundo ele, é a homossexualidade. Em artigo no “New York Times”, o autor, que é gay, disse que sentia que precisava sair do país “num avião ou num caixão”.
“Eu viveria meio século lá sem nunca segurar a mão do meu parceiro na rua. Era uma vida de janelas fechadas.”
James disse que provavelmente não teria escrito o livro se ainda vivesse na Jamaica. Questionado se agora, que tem distanciamento e uma carreira de sucesso nos EUA, está mais em paz com seu país natal, respondeu: “É como perguntar a qualquer um aqui se está em paz com o Brasil”. (Folhapress)
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