23 de dezembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:30

Sergio Moro e o dilema do outsider

Sergio Moro se filia ao Podemos com forte discurso nacionalista (Foto: Divulgação/Podemos)
Sergio Moro se filia ao Podemos com forte discurso nacionalista (Foto: Divulgação/Podemos)

Na Ciência Política, a Teoria dos Jogos é uma ferramenta investigativa bastante utilizada para analisar as interações estratégicas ou situações de conflito dentro do ambiente político. Ela fundamenta-se na ideia de que todos os agentes envolvidos se comportam racionalmente em busca da maximização dos resultados, a partir do cálculo de suas ações.  Um resultado considerado ótimo é aquele onde as recompensas (payoffs) são conquistadas, tendo como contrapartida o menor custo político possível. Sergio Moro, dentro da sua habilidade de antecipar respostas de adversários e lapidar contingências nas ações políticas, é prodigiosamente um jogador nato.   

Se levarmos em conta seu comportamento desde quando assumiu a linha de frente do berço da operação Lava Jato, é evidente que Sergio Moro não conduz suas articulações de maneira inconsequente e/ou com altas dosagens de passionalidade. Moro tem plena ciência das estratégias que precisa adotar quando invocado para assumir posições decisivas, tanto na condução dos julgamentos resultantes da operação, como também nos momentos de assumir uma postura mais (explicitamente) política, especificamente nos últimos três anos.

É muito difícil crer que Sergio Moro não tinha ciência de que era equivocado tratar, na esfera privada, sobre alguns temas envolvendo a operação com um dos integrantes da força-tarefa, informações estas que foram reveladas na série de reportagens divulgadas pelo The Intercept Brasil, conhecidas como “vaza jato”. Ou quando, dos autos do processo, tornou pública as interceptações telefônicas entre Dilma e Lula. 

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E mais: nas vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais em 2018, tornou público trechos da delação premiada de Antonio Palocci, ex-ministro e um dos antigos aliados do ex-presidente petista. Eleições estas que projetavam justamente um petista enfrentando Jair Bolsonaro no segundo turno. 

E como às vezes a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa, o próprio Sergio Moro iria assumir, poucos meses depois, o comando do Ministério da Justiça do então Presidente eleito… Bolsonaro.    

As narrativas dos apoiadores/fãs do ex-juiz Sergio Moro que surgiram ainda durante a condução da operação Lava Jato são trabalhadas na tentativa de blindagem contra qualquer tentativa de associação das suas condutas com atos movidos também por interesses políticos. 

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A conjuntura política brasileira é propícia para isto, pois as pesquisas acadêmicas têm mostrado a descrença de parte da população com as práticas políticas ditas tradicionais. É a chamada crise da representação, que reverbera, obviamente, no grau de confiança nas instituições políticas tradicionais e na figura do político tradicional. 

Fazer política carimbado como um alóctone deste cenário é interessante. Permanecer como alguém outsider, na impressão comum, credencia o discurso do combate à velha política e suas nocividades, como corrupção e clientelismo.  

Em seu discurso durante a festejada cerimônia de filiação ao Podemos no último dia 10, em vários momentos da sua fala, Sergio Moro deixou evidente seu propósito de apresentar-se mais do que como uma terceira via na disputa presidencial. 

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Trechos defendendo o fim da reeleição e do foro privilegiado, a rejeição às práticas de corrupção marcadamente atreladas com governos petistas e o atual – “chega de mensalão, petrolão e rachadinha” –, o desapego pelo poder e, principalmente, a ênfase discursiva de nunca ter cerrado fileiras no espectro dos políticos carreiristas – “não tenho carreira política” ou “eu nunca fui um político” – mostram um Moro disposto a assumir, finalmente, a condição de homem da política, mas que não necessariamente desta política. 

Talvez o grande dilema do outsider Moro seja convencer correligionários, futuros aliados e grande parte da opinião pública de que é eleitoralmente viável sendo um forasteiro caminhando no meio de raposas políticas.      

Artigo escrito por José Elias Domingos Costa Marques é mestre em Ciência Política pela UFSCar, doutor em Sociologia pela UFG e professor do Instituto Federal de Goiás. As opiniões deste texto, não refletem, necessariamente, as do jornal.