27 de novembro de 2024
Brasil

Sem isenção, 5G não trará revolução na economia, diz novo chefe da Anatel

Reprodução/Internet
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Indicado pelo presidente Michel Temer a menos de dois meses do final de seu mandato, o novo presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Leonardo Morais, tomou posse nesta quinta-feira (8) com uma agenda que sinaliza sua permanência no cargo quando o presidente eleito Jair Bolsonaro tomar posse.

Servidor há 13 anos, Morais é o primeiro técnico a assumir o comando da agência desde sua criação, em 1997. O novo presidente aguarda a aprovação do projeto de lei que modifica o marco regulatório do setor para reduzir “exigências desnecessárias” hoje impostas às operadoras.

Também quer fazer o leilão das frequências de 5G no próximo ano. Para ele, a nova tecnologia levará ao aumento da produtividade mas somente se for aprovada uma lei que retire a cobrança do Fistel, taxa anual fixa, sobre os chips 5G.

Folha – O senhor toma posse em um momento de mudança de governo. Existe acordo com o presidente eleito Jair Bolsonaro para sua permanência no cargo?
Leonardo Morais – Eu conheço economistas da equipe de transição, mas o cargo de presidente não tem mandato e cabe ao presidente [Bolsonaro] decidir quanto à minha permanência ou não [na presidência]. Um dos presidentes será um dos conselheiros. Caso Boslonaro prefira nomear outra pessoa à presidência, eu continuarei exercendo minhas funções como conselheiro que, aí sim, tem mandato.

Folha – A indicação do atual secretário de radiodifusão do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Moisés Moreira, para compor o conselho facilita sua permanência, já que Bolsonaro não poderá indicar um nome para o conselho e para a presidência?
Leonardo Morais – Não tem relação. O Moisés é um quadro preparado, conhece radiodifusão e vai agregar muito como conselheiro na Anatel.

Folha – É primeira vez que um funcionário de carreira assume o comando da agência. O que isso representa na sua avaliação?
Leonardo Morais – Sou avesso a questões corporativas. Mas espero que minha presidência contribua para a percepção de que as agências ganham com quadros de carreira no comando. À medida que os servidores de carreira se mostrarem preparados para assumir funções de comando, será bom para o amadurecimento institucional.

Folha – Acredita que o governo Bolsonaro possa desidratar as agências devolvendo para os ministérios competências que hoje estão nos órgãos reguladores?
Leonardo Morais – Não acho que isso deve ocorrer. A sinalização é que esse governo promova investimentos e, para isso, precisa fortalecer o estado regulador.

Folha – A lei das agências deve avançar?
Leonardo Morais – Um marco legal que fortaleça o papel institucional das agências é importante.

Folha – O que levou o projeto de lei que modifica o marco regulatório a avançar depois de ficar parado mais de dois anos no Congresso?
Leonardo Morais – O que importa é que essa discussão avança porque se trata da principal reforma microeconômica desde a desestatização do setor, que culminou com a privatização da Telebras. Esse projeto é fundamental porque, como está hoje, trava investimentos em banda larga.

Folha – Como esse projeto vai destravar investimentos na prática?
Leonardo Morais – A lei atual define como serviço público, em regime de concessão, a telefonia fixa. Os demais serviços são prestados com autorizações, em regime privado. Desde a privatização, o avanço tecnológico permitiu oferecer serviços de banda larga e até de celular na rede por onde é prestada a telefonia fixa. Em 2025, quando o contrato de concessão se encerrar, há dúvida sobre a necessidade de se devolver ou não os bens [incorporados à rede de telefonia fixa] à União. O projeto cria uma segurança jurídica sobre isso. A reversibilidade de bens é uma coisa que só existe no Brasil. Sem essa trava para novos investimentos, áreas menos providas de infraestrutura poderão ser atendidas.

Folha – Quanto é o saldo decorrente da mudança de contrato a ser investido?
Leonardo Morais – Estamos ainda discutindo a metodologia para o cálculo. A reversibilidade é uma parte desse valor [saldo]. Implantação e manutenção de orelhões, por exemplo, deixam de existir e esse valor estará computado no saldo. Entre 2015 e 2018, essas obrigações consumiram R$ 1,1 bilhão. Se isso tivesse sido alocado em infraestrutura de banda larga, o retorno social e econômico teria sido muito maior. Quanto mais nos aproximarmos de 2025, menor será o valor exigido das empresas em contrapartida de investimento. É uma pedra de gelo derretendo.

Folha – Quais serão suas propostas?
Leonardo Morais – A redução do fardo regulatório desnecessário, especialmente no atendimento ao consumidor. Mas esse fardo só será retirado à medida que as empresas tomarem providências para melhorarem sua relação com os clientes. Outro ponto é mexer na política sancionatória, que não funcionou como o esperado. Precisamos de outros mecanismos. Pretendo, por exemplo, estimular os TACs [Termos de Ajustamento de Conduta, que trocam multas por compromissos de investimento]. Acredito na coexistência dos interesses públicos e dos privados.

Folha – Prevê o leilão da telefonia 5G?
Leonardo Morais – Estou trabalhando para disponibilizar a faixa de 3,5 GHz no final do ano que vem ou no primeiro trimestre de 2020. Estamos fazendo estudos e testes para verificar possíveis interferências [deste serviço] com a recepção de sinais de TV na banda C [por satélite]. Outra barreira é a existência de um ecossistema [cadeia fornecedora de aparelhos e equipamentos]. Além disso, também gostaria de colocar as faixas de 4G nas frequências de 2,3 MHz e o último lote de 700 MHz.

Folha – Vai ser um leilão pela maior outorga?
Leonardo Morais – Se eu coloco só dois blocos [para o 5G], haverá mais competição [e duas das quatro principais operadoras ficarão fora]. Quem adquirir os blocos de 2,3 MHz ou 700 Mhz se consolida na tecnologia 4G. Prefiro obrigações de investimento do que obrigações de pagar [maior outorga]. O Brasil tem lacunas de infraestrutura e isso poderia ser contrapartida prevista no edital.

Folha – O 5G não será só mais uma tecnologia voltada à classe de renda mais elevada?
Leonardo Morais – Essa tecnologia vai remodelar a sociedade e os meios produtivos. Teremos a internet das coisas, sensores de diversos tipos de aplicações, que elevarão a produtividade de diversos setores. No agronegócio, que responde por 23% do PIB, será possível reduzir os custos dos insumos ao saber o melhor momento de plantar ou de colher. Toda a indústria 4.0 dependerá disso. Mas nada ocorrerá se o Fistel [taxa anual fixa que incide sobre linhas ativas da telefonia] for cobrado sobre esses sensores [chips], porque eles vão gerar pouca receita [para as operadoras].


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