23 de novembro de 2024
Brasil

Sem dinheiro, Minas distribui ambulâncias e parcela salários

Veículos entregues pelo governo do estado (Foto: Agência Minas)
Veículos entregues pelo governo do estado (Foto: Agência Minas)

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A falta de dinheiro para investir em saúde, educação, segurança e grandes obras tem levado o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), a usar boa parte de sua agenda pública em cerimônias de entrega de viaturas, ambulâncias e ônibus escolares.

Em dez dias do mês de fevereiro do ano passado, o governador chegou a visitar Uberaba, Uberlândia, Patrocínio, Pouso Alegre, Lavras, Divinópolis e Sete Lagoas, em um total de oito solenidades de entregas de chaves, incluindo uma na capital mineira.

Em 2017, Pimentel participou de 23 eventos do tipo, com a entrega de 2.026 viaturas para as Polícias Civil e Militar.

“Como o governo não paga o básico, fica entregando viatura”, diz Julvan Lacerda, presidente da AMM (Associação Mineira de Municípios).

Em meio à situação delicada, o governador optou por pequenos gestos, rebate o líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado estadual Durval Ângelo (PT).

A política de “entregar para governar” é velha conhecida de estados em crise. Diante de um espaço de manobra bastante limitado, ela serve para mostrar alguma reação e aproximar o chefe do Executivo de prefeitos insatisfeitos com a falta de recursos.

No caso de Minas, o estratagema tem sido crucial para a sobrevivência de uma gestão que busca a reeleição.

O estado exibe uma situação fiscal das mais desafiadoras do país, e o próprio governo reconhece isso. As discordâncias repousam apenas sobre as causas do problema.

“A crise é real. A calamidade financeira, reconhecida pela Assembleia, também é. Ignorar os fatos não vai melhorar o cenário, o trabalho é que tem potencial de alterar a realidade”, diz o governo, em nota.

O dissabor dos prefeitos e da população em geral pode ser traduzido em números.

Em 2017, os investimentos do governo mineiro caíram R$ 2,5 bilhões ante 2014. A queda foi de 35% ao ano, o quinto pior desempenho entre as 27 unidades da Federação, segundo a IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado.

Minas enfrenta três anos consecutivos de queda do PIB. Em 2017, enquanto o país cresceu 1%, a economia do estado ainda teve leve queda de 0,2%, segundo o Itaú Unibanco.

O estado também vem perdendo símbolos. A empresa de energia Cemig foi obrigada a vender quatro usinas, e a Fiat, um orgulho local, escolheu Pernambuco para abrir uma fábrica de modelos de Jeep (a marca é hoje parte do grupo italiano).

Grandes obras empacaram. A duplicação da BR-381, chamada rodovia da morte, que depende de articulação política com o governo federal, está parada. Fora o caso emblemático da mineradora Samarco, que deixou um rastro de destruição e desamparo.

Sem recursos, o governo está às voltas com o parcelamento de salários dos servidores de áreas como saúde, segurança e educação.

Afetada pelos atrasos, a enfermeira Cíntia Ribeiro, 35, calcula ter uma dívida de R$ 7.000. “Carro, casa, tudo que é meu financiado daqui a pouco vai estar confiscado.”

Os atrasos vêm desde 2016 e, com o tempo, a primeira parcela dos salários ficou cada vez mais distante do quinto dia útil. Neste mês, ela havia sido anunciada para o dia 16 -após o Dia das Mães, o que deixou muita gente bastante frustrada-, mas pode atrasar ainda mais.

Os serviços também são afetados pela crise. No hospital do IPSEMG, que atende somente servidores, faltam medicamentos e funcionários enquanto pacientes esperam dias por leitos de internação.

“Aumentou a nossa demanda porque antes havia convênio com outros hospitais e agora eles não aceitam mais porque o governo não paga”, diz o técnico de enfermagem Sérgio Rocha, 41.

A professora estadual Simone Carvalho, 45, precisa fazer mamografia no hospital a cada seis meses, mas a espera para marcar o exame é de nove meses. “É muito penoso para a gente. Nosso cartão com verba para medicamento está suspenso desde 2017.”

Na Universidade Estadual de Minas Gerais, onde ela leciona psicologia, há sorteio para definir quais professores inscritos em congressos terão verba para viajar.

O parcelamento e o atraso de salários de servidores são argumentos de um pedido de impeachment apresentado contra Pimentel e aceito pela Assembleia em 26 de abril. O pedido inclui ainda atraso nos repasses à Assembleia, ao Judiciário e às prefeituras.

Diante da ameaça, embora a tramitação do impeachment esteja parada e seja motivada pelo desgaste da aliança com o MDB, o governo fez um pagamento à Assembleia.

Também na semana passada, repassou R$ 713,2 milhões de IPVA aos municípios, mas a AMM ainda afirma que há uma dívida de R$ 5,2 bilhões em atrasos de repasses.

O governo de Minas diz que a situação de calamidade financeira, agravada pelo déficit de R$ 8 bilhões deixado pelos governos anteriores, explica a grave situação das contas. Os tucanos Aécio Neves e Antonio Anastasia governaram o estado entre 2003 e 2014.

Para o líder da bancada de oposição, Gustavo Valadares (PSDB), Minas vive quadro “deplorável” e a culpa é da falta de gestão de Pimentel e não dos ex-governadores.

O atual governo ressalta que os aumentos concedidos aos servidores no fim dos mandatos dos tucanos também prejudicaram as contas públicas.

Os gastos com pessoal, alega o governo, saltaram de 22,2% da despesa bruta, em 2010, para 43,4%, em 2015, com impacto direto no déficit previdenciário, que foi de R$ 6,5 bilhões, naquele ano, para R$ 10,3 bilhões, em 2015.

Bernardo Campolina, professor de ciências econômicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que é possível questionar a gestão de Pimentel, mas que não dá debitar todos os problemas na conta do governo atual.

Campolina tem a avaliação de que, no período de bonança, foram feitas opções equivocadas, como a construção da Cidade Administrativa.

Com projeto de Oscar Niemeyer, a sede do governo do estado inaugurada por Aécio em 2010 custou R$ 1,3 bilhão -ou o equivalente a 35% do que os municípios mineiros alegam que o estado deve em repasses na área de saúde.

Para Campolina, foram gastos que poderiam ter sido alocados na logística urbana. “O metrô de Belo Horizonte, por exemplo, não existe”, diz ele.

Acidentes levaram ao questionamento do modelo de operação de um setor que é a essência do estado desde os tempos do Brasil colônia: a mineração, que nos anos mais recentes também foi afetada pela queda dos preços do minério do ferro.

O setor tem um alto efeito multiplicador na geração de renda e emprego. A cada emprego gerado na mineração, diz Campolina, 12 ou 13 são criados em outros setores.

A mineradora Samarco está paralisada desde dezembro de 2015, quando a barragem de Fundão se rompeu.

A BHP Billiton, uma das donas da Samarco, ao lado da Vale, encomendou um estudo para a consultoria Tendências para estimar os impactos da paralisação da mineradora.

O estudo aponta que, no primeiro ano de inatividade, as perdas representam 1,6% do PIB e de 15% da receita tributária de Minas Gerais.

Além da Samarco, outras mineradoras enfrentam reveses. A Anglo American deu férias coletivas de 90 dias, iniciadas em 17 de abril, para funcionários da mina, da usina e da unidade de filtragem em Conceição do Mato Dentro (164 km de Belo Horizonte).

A medida foi tomada após dois rompimentos do mineroduto. A estimativa é que cerca de 3 milhões de toneladas deixem de ser comercializadas.

É a população do estado que acaba saindo mais afetada no processo.

O sargento aposentado da Polícia Militar Sérgio Luiz, 56, diz que a principal consequência da crise e dos atrasos nos pagamentos é o transtorno emocional e psicológico.

(FOLHA PRESS)


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