O Ministério Público de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, livrou os responsáveis por tatuar na testa de um adolescente de 17 anos a frase “eu sou ladrão e vacilão” do crime de tortura.
O entendimento da Promotoria contraria a conclusão do inquérito policial sobre o caso, que classificou o crime sofrido pelo adolescente como tortura.
O tatuador Maycon Wesley Carvalho dos Reis, 27, e o amigo dele, Ronildo Moreira de Araújo, 29, foram denunciados pelos crimes de lesão corporal gravíssima por ofender a integridade física e a saúde do adolescente em razão da deformidade permanente causada, constranger a vítima mediante violência e por ameaçá-lo.
A promotora Giovana Ortolano Guerreiro Garcia apresentou a denúncia nesta quinta-feira (21) à 5ª Vara Criminal da cidade.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, a promotora disse que, inicialmente, chegou a prever o crime de tortura na sua denúncia, situação que foi, segundo ela, descartada após analisar o caso mais a fundo. “Na verdade o conceito usual de tortura é bem diferente do que a lei diz”, afirma.
Segundo a lei, a tortura é praticada com emprego de violência ou ameaça para se obter da vítima uma declaração ou confissão. Também pode ser praticada em razão de discriminação racial ou religiosa.
A tortura também só é configurada se a vítima estiver sob a guarda ou autoridade do autor do crime. “É um crime que só pode ser praticado por determinados agentes. Por exemplo: um diretor de escola mantém um aluno em cárcere privado e comete uma série de violações. Isso é tortura”, afirma Garcia.
“O adolescente foi amarrado num cômodo sobre o comando deles, mas não estava sob o poder deles no que diz a lei. O entendimento, nesse caso, não pode ser amplo”, explica a promotora.
Entenda o caso
O crime aconteceu no dia 9 de junho, no centro de São Bernardo do Campo. De acordo com as investigações, o adolescente, após fazer uso de drogas, entrou na pensão onde moram os dois denunciados e teria mexido em uma bicicleta.
Araújo entendeu que o adolescente estaria tentando roubar a bicicleta que pertence a um outro morador da pensão.
A vítima, que admitiu à reportagem ser usuário de drogas, contou que estava “muito bêbado” quando entrou no condomínio onde o tatuador morava. “Eu coloquei a mão em uma bicicleta, mas não estava roubando. Nem sabia o que eu estava fazendo”, disse.
Como punição, os suspeitos levaram o adolescente para um cômodo, onde foi imobilizado, e tatuaram a frase na testa dele. A vítima também teve o cabelo raspado. Para a promotora responsável pela denúncia, uma medida para que ele “não pudesse esconder as marcas sofridas.”
Os denunciados também são acusados, segundo a Promotoria, de forçar o adolescente a gravar um vídeo confessando a prática do crime e dizendo que gostou da tatuagem. O vídeo parou nas redes sociais e causou revolta e crítica das entidades que defendem os direitos humanos.
O jovem foi encontrado um dia depois do crime por um tio próximo da casa em que mora. Ele prestou depoimento na delegacia e voltou para a casa da avó. “Quando o vi, comecei a chorar”, contou Vando Aparecido Rocha, 33, que tem o nome do sobrinho tatuado no pulso esquerdo. “Ele é um filho para mim. Quero justiça”.
A mãe do adolescente, Vânia Aparecida Rosa da Rocha, 34, também ficou inconformada. “Estou arrasada. Meu filho não é boi para ser marcado desse jeito.”
Os dois acusados pelo Ministério Público estão presos Centro de Detenção Provisória de São Bernardo do Campo.
A Prefeitura de São Bernardo, em parceria com a Faculdade de Medicina do ABC, vai fazer todo o procedimento médico e cirúrgico para a remoção da tatuagem.
Distúrbio
Mais velho de seis irmãos, o adolescente de 17 anos estudou até a oitava série e, de acordo com familiares, além de ser usuário de drogas, tem transtornos mentais. “Ele sempre foi muito inquieto. Todo o mundo que o conhece diz que ele tem distúrbio”, conta a mãe da vítima.
“Já procurei ajuda para tentar internar o meu filho, mas não consegui”, completa ela, lembrando que o jovem já passou por dois centros de recuperação mantidos por igrejas.
A promotora do caso disse ainda à Folha que não quis minimizar o que aconteceu com o adolescente e nem aliviar a situação dos agressores. “O meu papel como promotora é, acima de tudo, fazer cumprir a lei e fazer a observância irrestrita dela. O que as pessoas imaginam ser não coincide o que a lei prevê. A gente tem um conceito usual de tortura, mas os termos da lei são outros”, afirmou. (Folhapress)
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