22 de dezembro de 2024
Combate a fake news • atualizado em 07/06/2022 às 18:28

Segunda Turma do STF derruba decisão de Nunes Marques favorável a deputado bolsonarista

Em um voto duro, Fachin ainda afirmou que o STF não pode ser "omisso" diante de ataques à democracia
O deputado delegado, Fernando Francischini, concede entrevista aos jornalistas. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
O deputado delegado, Fernando Francischini, concede entrevista aos jornalistas. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira, 7, derrubar a decisão liminar do ministro Kassio Nunes Marques que restabeleceu o mandato do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil-PR). O parlamentar foi cassado em outubro do ano passado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por divulgar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas em transmissão ao vivo no Facebook nas eleições de 2018.

Os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes restabeleceram a validade do julgamento do TSE, impondo uma derrota aos colegas Kassio Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

A liminar de Nunes Marques gerou desconforto entre os ministros porque, em uma tacada, suspendeu um julgamento considerado paradigma no TSE para punir fake news de políticos e, ao mesmo tempo, deu munição aos ataques de bolsonaristas contra o Judiciário, o sistema eleitoral e a segurança das urnas.

Francischini foi o parlamentar mais votado do Paraná em 2018 e o primeiro a ser cassado pela Justiça Eleitoral por espalhar notícias falsas. O TSE concluiu que ele fez uso indevido das redes sociais ao divulgar um vídeo em que afirmou que as urnas eletrônicas impediam o voto na chapa Bolsonaro e Hamilton Mourão

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Presidente do TSE, o ministro Edson Fachin votou para restabelecer o julgamento da Corte Eleitoral. Ele disse que Nunes Marques atropelou uma “decisão tomada por ampla maioria do Tribunal Superior Eleitoral”.

“Há que se ter redobrada cautela com os argumentos que, a pretexto de afirmar a força normativa de suas normas, realizam práticas desconstituintes, enfraquecendo a democracia e erodindo as regras do regime republicano, o qual se sabe é um regime de liberdade com responsabilidade”, criticou.

Em um voto duro, Fachin ainda afirmou que o STF não pode ser “omisso” diante de ataques à democracia. O ministro também defendeu que a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não são “salvo conduto” para candidatos espalharem informações falsas “que só visam tumultuar o processo eleitoral”.

“Às vezes é necessário repetir o óbvio: não existe direito fundamental em atacar a democracia a pretexto de se exercer qualquer liberdade, especialmente a liberdade de expressão”, defendeu.

O ministro Ricardo Lewandowski apontou questões processuais e também votou para derrubar a liminar de Nunes Marques. Ele defendeu a questão é complexa demais para ser analisa na via “estreita” da tutela antecipada (recurso movido pela defesa Francischini) e “demanda a análise de fatos e do comportamento da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral ao longo dos anos”.

O voto do ministro Gilmar Mendes foi decisivo para o julgamento. Ele desempatou o placar ao defender que o ataque de Francischini ao sistema eleitoral não podem ser “enquadrado como tolerável em um Estado Democrático de Direito”.

“A imposição de sanção consistente na perda de mandato de quem tenta minar a credibilidade das urnas eletrônicas no dia das eleições, ainda durante o processo de votação e antes da apuração do resultado, é de extrema gravidade e se volta contra o mais caro em uma democracia: o pacto social da confiança no resultado das eleições”, defendeu.

Gilmar ainda defendeu que o uso de indevido das redes sociais está “incluído no conjunto de atos abusivos que autorizam a cassação” do mandato.

“Não cabe impor limites onde a lei não restringe”, disse. “Ainda mais em tempos hodiernos em que a internet e suas múltiplas ferramentas e plataformas ganham densa relevância nas disputas eleitorais”, acrescentou em referência a julgamentos anteriores do TSE.

Um dos principais argumentos de Nunes Marques para suspender o julgamento que cassou Francischini foi o de que o tribunal inovou ao considerar as redes sociais na categoria “meio de comunicação”, descrita na Lei de Inelegibilidade, e que o entendimento não poderia ter sido aplicado para punir candidatos em eleições passadas. Até então, apenas os meios tradicionais, como jornais, rádio e televisão, eram julgados pela Justiça Eleitoral em processos de cassação do mandato, segundo o ministro.

“Não é possível afirmar que essas eram as balizas por ocasião do pleito ocorrido em 2018. Ninguém poderia prever, naquela eleição, que tais condutas seriam vedadas na internet, porque não havia qualquer norma ou julgado a respeito”, defendeu Nunes Marques nesta terça.

Mendonça e Nunes Marques isolados

O ministro André Mendonça foi o único a votar para manter a decisão liminar de Nunes Marques. Ele defendeu que a devolução do mandato a Francischini “preserva a vontade democrática” dos eleitores.

“Um ato praticado a 22 minutos do encerramento do pleito eleitoral não teve o condão de alterar a lisura do pleito, ou influência de modo que, não apenas significativo, mas de modo também a não impactar aspectos circunstâncias do próprio processo eleitoral. Esse ato não teve o condão de alterar a vontade do eleitor”, afirmou.

Nunes Marques reiterou os fundamentos usados para suspender o julgamento do TSE e defendeu que a Justiça Eleitoral deve adotar uma postura de “intervenção mínima em primazia à liberdade de expressão” e em respeito à “soberania popular”.

O ministro também disse que as redes sociais “não são um desenvolvimento natural e linear da televisão e do rádio” e não podem ser regidas por uma “interpretação analógica”.

“A dúvida quanto à extensão do conceito de meios de comunicação social justifica-se ante a proeminência atribuída pela Constituição de 1988 à livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas com vistas ao fortalecimento do Estado Democrático de Direito e à pluralização do ambiente eleitoral”, reforçou.

Nunes Marques ainda disse não ser possível afirmar que a transmissão ao vivo “impactou” a disputa eleitoral no Paraná ou favoreceu Francischini.

“Para se chegar à condenação por uso indevido dos meios de comunicação, seria necessário assumir que o internauta participante da live era eleitor no Estado do Paraná, não havia ainda votado e, tendo assistido à transmissão, convenceu-se, pelo conteúdo, a votar no candidato”, repetiu ao ler um trecho de sua decisão individual.

O ministro foi o primeiro indicado de Bolsonaro ao STF e, desde que assumiu a cadeira, tem votado a favor do Planalto em diferentes julgamentos.

Ao comentar a liminar, Bolsonaro voltou a atacar a Justiça Eleitoral e chegou a dizer que o TSE não quer “transparência no sistema eleitoral” e tem atacado “a democracia”.

O processo foi colocado na pauta da Segunda Turma pelo próprio Nunes Marques, que preside o colegiado, horas antes do início de um julgamento no plenário virtual que poderia cassar sua decisão

A análise no plenário virtual, que teria participação dos 11 membros do tribunal, foi interrompida a pedido do ministro André Mendonça minutos após a abertura da sessão e antes de haver maioria de votos. Os ministros analisaram um pedido do deputado deputado estadual Pedro Paulo Bazana (PSD-PR), que assumiu a cadeira deixada por Francischini na Assembleia Legislativa do Paraná, para o STF restabelecer a cassação. Mendonça disse que o recurso não é o “remédio adequado” para tratar a questão e que o Supremo deve se pronunciar no processo original.

Na prática, o movimento transferiu para a Segunda Turma a palavra final sobre a decisão. A iniciativa dividiu os ministros Em seu voto, Fachin defendeu que o tema deveria estar sendo analisado por todos os ministros do Supremo e não no colegiado. (Por Rayssa Motta e Weslley Galzo/Estadão Conteúdo)


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