23 de dezembro de 2024
Entrevista • atualizado em 20/07/2022 às 20:33

Se Marconi Perillo quiser colocar nosso boné, será bem-vindo, diz líder do MST

João Pedro Stédile também disse que Ronaldo Caiado "representa o que tem de mais atrasado", fez críticas a Jair Bolsonaro e revelou suas expectativas sobre um eventual novo governo de Lula
João Pedro Stédile está em Goiânia para o lançamento da pré-candidatura a deputado federal de Valdir do MST (Foto: Fernando Leite/Cortesia)
João Pedro Stédile está em Goiânia para o lançamento da pré-candidatura a deputado federal de Valdir do MST (Foto: Fernando Leite/Cortesia)

Em entrevista ao Diário de Goiás, o líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, disse que, se o ex-governador Marconi Perillo (PSDB) quiser colocar o boné do MST, assim como fez Geraldo Alckmin (PSB), será “bem-vindo”. A declaração ocorre em meio a uma possível aliança do tucano com o PT em Goiás.

“Colocar o boné do MST significa que está apoiando a reforma agrária e os direitos dos sem terra. O boné não é uma sigla. É uma ideia, um programa, uma proposta. E nós vemos com simpatia [pessoas de outras ideologias colocarem o boné]”, afirmou.

Em Goiânia para o lançamento da pré-candidatura a deputado federal de Valdir do MST (PT), Stédile também fez duras críticas ao governador Ronaldo Caiado (União Brasil) e ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Para ele, o primeiro “representa o que tem de mais atrasado”, enquanto o segundo é um “mentiroso” e “hipócrita” devido às suas falas contra a urna eletrônica.

Em relação a um eventual terceiro mandato de Lula (PT), o líder nacional do MST argumentou que o cenário será diferente dos outros dois em razão da atual crise. Na sua avaliação, o petista precisará tomar medidas emergenciais e, depois, “estimular um grande debate na sociedade em torno de um novo projeto de país que reorganize a produção e as forças produtivas da sociedade para resolver os problemas do povo”.

Goiás é um estado conhecido por ser mais conservador e onde o agronegócio é muito forte. Diante desse cenário, qual é a estratégia do MST para conseguir levar suas pautas adiante e eleger um deputado federal?
João Pedro Stédile – Primeiro, eu não concordo quando com frequência se fazem esses comentários. Não só em Goiás. Lá no Sul, dizem que Rio Grande do Sul e Santa Catarina são conservadores. Não devemos ter esse tipo de critério para analisar. Acho que a sociedade brasileira não se divide em conservadores e progressistas. A sociedade brasileira se divide em burguesia, classe média e classe trabalhadora, e cada uma dessas classes têm suas necessidades. A burguesia quer lucro. A classe média quer estabilidade, vida boa. E a classe trabalhadora quer emprego e oportunidade de viver em condições dignas. Não precisamos nos preocupar com quem são os governantes e como é que se comporta a burguesia de Goiás. A burguesia, em todo o mundo, é conservadora. Até em Nova York. Porque ela quer conservar o seu direito de explorar os trabalhadores. A diferença, aqui em Goiás, é que a burguesia é agrária, muito mais dependente da burguesia de fora. Porque toda a soja, toda a cana e todo o boi daqui vai para o exterior como matéria prima, nem sequer é industrializado. Mas a classe trabalhadora em Goiás é igual à classe trabalhadora do Rio Grande do Sul, de São Paulo, da China e do mundo. Mais que uma tática, os nossos candidatos, e não só os do MST, deveriam priorizar o diálogo com a classe trabalhadora e defender seus direitos e interesses.

Além do Valdir para deputado federal, o MST apoia oficialmente algum outro candidato em Goiás? Por exemplo, para deputado estadual?
João Pedro Stédile – O MST, como movimento popular, sempre apoiou candidatos de esquerda, em todas as eleições. Desde quando nascemos em 1984, e em 1989 com mais vontade. Sempre apoiamos candidatos de esquerda comprometidos com a classe trabalhadora. A novidade desse ano é que, em alguns estados, além dos que nós tradicionalmente apoiamos, resolvemos deslocar alguns dirigentes do MST para serem candidatos também, a depender da correlação de forças, de vontade política e vocação. Sei que, em Goiás, o Valdir está fazendo dobradinha com diversos candidatos a deputado estadual de diversos partidos. Até seria deselegante dizer que vamos lutar para eleger alguém específico. Quanto mais gente elegermos, melhor. Pessoalmente, tenho uma amizade histórica com o Mauro Rubem, que nos ajudou muito. Mas isso é uma amizade. O que eu e o MST torcemos é para elegermos muitos deputados estaduais e federais da esquerda comprometidos com a classe trabalhadora.

“Caiado representa o que tem de mais atrasado”

O MST tem divergências históricas com Ronaldo Caiado. Qual é a avaliação que o senhor faz do governador de Goiás?
João Pedro Stédile – O Caiado vocês conhecem melhor do que eu. Ele representa o que tem de mais atrasado do ponto de vista da história dele, da oligarquia rural de Goiás. Como deputado federal e senador, representava, no Congresso, o latifúndio, que é mais atrasado do que o agronegócio. Porque o agronegócio pelo menos produz commodities e é moderno, ainda que explore os trabalhadores. O Caiado se transformou no líder dos latifundiários, dos grandes proprietários. Essa é a marca dele. E o resultado, qual foi? Depois de todos esses anos defendendo o latifúndio, ele virou governador, e o que resolveu para o povo de Goiás? Aqui em Goiás não tem crise, não tem desemprego, não tem sem terra e sem teto? Pelo contrário, esses governos conservadores, como o dele, só agravam a crise econômica, social e política. Por isso que é um governo fadado ao fracasso, porque ele não representa os interesses da maioria da sociedade.

Recentemente, chamou a atenção uma foto do pré-candidato a vice de Lula, Geraldo Alckmin, com um boné do MST. Em Goiás, muito se fala sobre a possibilidade de aliança entre PT e Marconi Perillo, que é bastante próximo de Alckmin. Se Marconi também quiser usar o boné do MST, ele será bem-vindo?
João Pedro Stédile – Nós não pedimos atestado ideológico para ninguém. Todo mundo que quiser botar o botar o boné, será bem-recebido. Porque colocar o boné do MST significa que está apoiando a reforma agrária e os direitos dos sem terra. O boné não é uma sigla. É uma ideia, um programa, uma proposta. E nós vemos com simpatia [pessoas de outras ideologias colocarem o boné]. Não nos simpatizamos com alguns setores mais radicais do PT, mas reconhecemos o seu direito legítimo de expressar opinião. Vimos o movimento do Alckmin como aquela parcela da burguesia brasileira que se deu conta do desastre que está sendo a crise, e que ela é responsável pela crise. Então, uma parcela da burguesia brasileira migrou, deixou de apoiar o Bolsonaro e veio para apoiar o Lula. Sejam bem-vindos. Se o Marconi vier, seja bem-vindo. O que nós precisamos perguntar para as pessoas é se querem mudar o Brasil e encontrar um novo rumo para resolver os problemas do povo. Se quiserem, então vamos fazer juntos. Como diz o lema, vamos juntos mudar o Brasil. Agora, é mudar o Brasil. Não é vamos juntos governar o Brasil. Até fico contente que haja sinais de que uma parcela da burguesia brasileira, em Goiás, São Paulo ou no Rio Grande do Sul, esteja apoiando o Lula. Isso está custando caro para eles, como burgueses. Mas estão assumindo esse risco porque sabem que o Lula é único que pode abrir a porta dessa escuridão e recolocar o Brasil em um novo projeto de país.

Essa receptividade se estende até mesmo para emedebistas que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff?
João Pedro Stédile – É isso que eu disse, não posso pedir atestado ideológico por causa de um voto ou um comportamento. Com o governo Alckmin, em São Paulo, sempre tivemos relações democráticas. Ele sempre se comportava como um republicano, como devem ser os governantes públicos. O fato de ele ter feito essa inflexão não é uma decisão pessoal, é uma decisão de classe. E não podemos ficar julgando em quem votou. O meu irmão, José Luiz Stédile, deputado federal do PSB, votou pelo impeachment da Dilma, E aí eu vou dar uma porrada nele e expulsar de casa? Tenho que entender quais foram as circunstâncias, o que levou ele a isso. No caso dele, sem defender, ele é sindicalista, metalúrgico. Diante do desemprego, [esse setor] botou a culpa na Dilma ao invés de botar a culpa no capitalismo. E aí ele, segundo argumentou, equivocadamente, em respeito à sua base eleitoral, votou contra a Dilma. Note como é complexo. A esquerda não pode cair nesse simplismo. Um dos grandes brasileiros contra a ditadura no final da vida foi o Teotônio Vilela, que era usineiro de Alagoas, onde o Arthur Lira deveria se envergonhar do que está fazendo. Então, por que o Teotônio Vilela era usineiro e veio contra a ditadura nós não iríamos aceitar? É claro que aceitamos. Ele se transformou em uma contradição para a burguesia e os usineiros, não para nós.

“Um governo forte não precisa apelar para as armas, nem para a violência”

Como o MST enxerga o momento de violência política pelo qual o Brasil está passando? Existe algum medo?
João Pedro Stédile – Felizmente, o MST, nesses 38 anos, foi forjado na luta de classes. Nós enfrentamos, todo santo dia, a violência do latifundiário, com seus pistoleiros, com seus juízes, com sua polícia militar. A nossa militância está forjada no conflito. Durante os 38 anos, apesar de termos perdido muitos companheiros assassinados, nossa filosofia e nossa política foi a de não ter medo, não cair em provocação e não usar as mesmas armas do inimigo, do latifundiário. A nossa força está no número de pessoas que nós conseguimos mobilizar. E o mesmo agora, aplicando para a política. O objetivo desse discurso de ódio, de estimular o uso das armas, que o Bolsonaro tem feito, é impor medo na militância para que a gente recue. Além disso, é revelador de sua fraqueza. Porque um governo forte não precisa apelar para as armas, nem para a violência. A decisão na sociedade é pelas ideias. Você disputa a hegemonia na sociedade não é com armas. Você disputa pelas ideias, pelo seu projeto. Quando um candidato ou um governante como o Bolsonaro apela para as armas, no fundo, ele está revelando, sem saber, que é fraco, que não tem mais o apoio da maioria da sociedade. E o que nós temos dito para as base da militância dos movimentos populares e do próprio PT é para não cair em provocação, não ter medo, e que a nossa força está na mobilização popular.

Como o MST avalia as críticas de Bolsonaro ao sistema eleitoral? É possível fazer algo além de emitir notas de repúdio?
João Pedro Stédile – Tenho visto, e alguns até assino, manifestos em defesa da lisura do pleito, das urnas eletrônicas. É bom e necessário para ajudar a esclarecer. E, de novo, acho que revela a sua fraqueza. Como que um sujeito que foi eleito quatro vezes deputado federal pela urna, foi eleito presidente, o filho senador, o outro deputado federal, e diz que a urna não serve? Ele é um mentiroso, um hipócrita. Acho que esse ataque às urnas é um desespero, porque ninguém com inteligência, no Brasil, pode defender que as urnas são fraudulentas.

“O agronegócio não produz alimentos, o agronegócio produz commodities”

Qual é a expectativa do MST em relação a um eventual terceiro governo Lula?
João Pedro Stédile – Temos defendido publicamente que um novo governo Lula vai ser muito diferente dos outros dois porque as circunstâncias de agora são de uma crise tremenda, e isso vai exigir que o governo do Lula tome, já no mês de janeiro, medidas de emergência para proteger o povo. O povo quer emprego, alimento barato, renda, recuperar os direitos trabalhistas. E isso o Lula vai ter que fazer logo no início, mas é um plano de emergência, é salvar o povo que está morrendo, literalmente. Porém, pari passu, durante os quatro anos, dada a gravidade da crise econômica, social e política, o governo Lula vai ter que estimular um grande debate na sociedade em torno de um novo projeto de país que reorganize a produção e as forças produtivas da sociedade para resolver os problemas do povo. E nisso não há segredos, nem milagres. Em vez de pagar juro da dívida e de alimentar os bancos, o governo vai ter que investir pesadamente os recursos públicos nos setores produtivos, que é a indústria, para poder fazer roupa, sapato e caderno, e a agricultura familiar, para produzir alimentos, porque o povo está passando fome. E o agronegócio não produz alimentos, o agronegócio produz commodities. É assim que nós vemos o governo Lula. Agora, eu tenho uma hipótese. Com a vitória do Lula e depois de quase oito anos de abafamento, acredito que nós vamos viver um período de reascensão dos movimentos de massa, de muitas mobilizações populares, sobretudo nas cidades, que estão um caos. Muito mendigo, falta de moradia, falta de emprego, fome. E essa situação de dificuldade vai aflorar para a forma de mobilizações populares, e são essas mobilizações populares que vão pressionar o governo Lula a fazer um governo de reformas estruturais.


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