Em meio à pior crise econômica e política que o Brasil já enfrentou, Roberto Medina, 69, decidiu apostar num Rock in Rio maior e num discurso convidando seu público (700 mil ingressos vendidos) a “repensar o país”.
A sétima edição nacional do festival, em setembro, ocupará um espaço com o dobro do tamanho do anterior, no Parque Olímpico da Barra -hoje uma área particular, que Medina alugou por seis anos, para montar as três próximas edições.
“A infraestrutura é muito melhor, água, esgoto. Vai ser um ganho”, diz o empresário.
Seria possível duplicar o público na nova Cidade do Rock, mas ele quer testá-la antes de crescer ainda mais. Entre as novidades, arenas que receberão uma feira de games e um palco (“digital stage”) onde os artistas serão youtubers como Whindersson Nunes e Christian Figueiredo.
O local sediará, em outubro, um festival de música sertaneja feminina, organizado por outra empresa. Curiosamente, Medina diz que o gênero é o único que não cabe em seu eclético evento.
O homem que já organizou uma edição “por um mundo melhor”, com três minutos de silêncio pela paz, agora quer conclamar as pessoas a sair do que vê como “apatia” e fazer sua parte para vencer a crise.
Ao longo de cenários pintados de branco, estarão manchas coloridas com palavras como “dignidade”, “ética”, “sonhar” e “acreditar”.
“Queremos abrir o Rock in Rio com um discurso simbólico. Sem falar de política, falaremos sobre a necessidade de repensarmos nosso país, de acreditar”, diz Medina.
Carioca e entusiasta do Rio, Medina diz que a cidade nunca esteve tão violenta -nem mesmo nos anos 1990, quando foi sequestrado. Para ele, a saída passa pelo turismo.
“Com uma estrutura como a gente tem no Rio hoje, a gente não estar resolvendo isso logo, me revolta. Quantas vidas a mais vamos ter de perder?”
Pergunta – Quão difícil foi fazer essa edição durante a crise?
Roberto Medina – Tava na cara que o Rio iria minguar, anunciei aqui dentro da empresa há dois anos. Então apertamos a comunicação em Minas e São Paulo, que são as maiores áreas de venda de bilhete fora do Rio. No primeiro festival, o público foi quase 100% carioca, depois foi para 70%, no último foi 55% e, agora, 39%. A outra coisa, que vem de um feeling meu, foi que deveria fazer um festival maior. Esse é o “casting” (artistas convidados) mais caro que já fiz para um Rock in Rio.
– Quanto custou?
Não posso dizer. Para montar o festival foram R$ 200 milhões, uns R$ 20 milhões de aumento [em relação à última edição], porque a Cidade [do Rock] é muito maior e os artistas foram mais caros.
– Qual artista custou mais?
Para os principais, foi absolutamente o mesmo valor. O dia mais caro é o do Guns N’ Roses com o The Who, porque eu tive de pagar dois grandes. Eu queria trazer o Guns, foi um capricho meu, eu gosto. Não me entendo com ele [Axl Rose] há muitos anos, mas continuo a gostar. A gente briga porque ele sempre chega atrasado. Ele é cheio de maluquices.
– Neste ano haverá homenagem ao samba. Algum gênero musical não cabe no Rock in Rio?
O sertanejo eu acho que não tem a ver. Tem alguns mitos em relação ao festival. Um deles é que ele era de rock. Isso é uma burrice absoluta, nunca foi só rock.
– O sr. foi acusado de ter preconceito contra o funk, houve uma polêmica com a Anitta.
Não tenho afinidade com a música dela, não achei que se encaixava, mas ela está indo para um caminho pop que a aproxima mais do Rock in Rio. Não tenho nada contra, estou conversando com ela. Almoçamos juntos outro dia e fiquei impressionado. Ela é uma empresária, tem uma visão de marketing.
Estou trabalhando uma ideia de fabricar uma favela dentro do próximo festival [2019]. Colorida, mais bonita, mais romântica, para ter a música da favela, fazer uma seleção [de artistas] nela, empolgar o pessoal de lá. Trazer os botequins também.
– O sr. acha que o festival é acessível para moradores de favelas?
Primeiro, a música da favela está sendo consumida pela elite. Segundo, é claro que, para a maioria, não [é acessível]. O valor do Rock in Rio [R$ 455 por dia] e de qualquer evento de grande porte. Só que você pode pagar em oito vezes, sem juros. É mais barato que qualquer outro.
– O Rock in Rio se paga antes de começar?
Totalmente. A bilheteria responde por 45%, 50% [os 700 mil ingressos estão esgotados].
– E por que, mesmo assim, recorreu a lei de incentivo em duas edições?
Não recorro mais porque não preciso bater boca, mas tá errado, totalmente errado [não usar o incentivo]. Com o dinheiro incentivado vou expandir meu projeto, vou para a Argentina, para a Rússia. Incentivar o sujeito que não tem uma receita de sucesso é jogar dinheiro. Acho ruim a lei de incentivo patrocinar porque o cara é pequenininho, é pobrezinho. Não, ele tem que mostrar que é competente.
– Por que fazer uma abertura política para o festival?
Estamos numa época extremamente complicada e as pessoas estão apáticas. A gente está numa situação de penúria até de vozes para brigarem pelo Rio. O que eu estou tentando levar é entusiasmo e crença de que a gente pode fazer. Não vamos resolver todos os problemas, mas uma parte. O sonho do Rio era ser o que ele é hoje, em termos de infraestrutura. Não aproveitar isso é de uma incompetência impressionante, de todos nós. Mas, sem segurança, não tem como levantar esse calendário.
– Você foi sequestrado nos anos 1990. Hoje a violência está pior?
Com certeza. Nós estamos abandonados. Perdemos a mais básica segurança, a de ir e vir. Nunca vi uma situação tão deprimente. A gente está num caos que, se não acordarmos… Está ruim de sair na cidade. Esse quadro não pode continuar.
– Haverá algum esquema de segurança especial para o festival?
Eu vejo pelo histórico que, em momentos de pico de violência, não acontece nada em evento nenhum.
– Como o país e o Rio chegaram a este estado? De quem é a culpa?
Não temos sido muito felizes na hora de votar. Votei no Sérgio Cabral e foi uma grande decepção. Como votei no Collor e foi uma decepção. Por isso me afastei das campanhas políticas.
– Para quem iria seu voto para presidente?
[João] Doria. É um empresário bem-sucedido, não precisa disso, já disse que não buscará reeleição. Ele espelha um pouco essa oportunidade que estamos tendo, onde qualquer um pode ser presidente.
– O sr. tem acompanhado a administração dele?
Não. Mas vejo todos os posts dele.
– O sr. acha que o Lula disputará a próxima eleição?
Por todos os problemas jurídicos que ele tem, não. E, se disputar, perde.
– O que acha do governo Temer?
Não sei. Não quero dar opinião sobre isso. Estou pedindo ajuda para o Rio [na questão da segurança], não posso criar incompatibilidade com ninguém. Acho que ele deveria ter assumido, como assumiu [a Presidência, substituindo Dilma Rousseff], mas o governo de hoje poderia estar numa situação bem melhor. (Folhapress)
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