27 de novembro de 2024
Goiânia

Retirar pessoas da rua à força é ferir o direito de ir e vir, diz diretora de proteção social

Pessoas em situação de rua é uma questão polêmica quando se trata de soluções. Há meses, a Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO) defende que os moradores de rua sejam retirados das vias públicas à força.

No entanto, para a diretora de Proteção Social da Secretaria de Assistência Social (Semas) de Goiânia, Elizangela Nascimento, retirar as pessoas das ruas à força é ferir o direito do cidadão de ir e vir, uma vez que estar na rua é uma decisão do indivíduo.

“É um direito de escolha do cidadão. [Se retirar à força] vamos ferir um direito legal de ir e vir do indivíduo. Tanto é que a internação involuntária não é bem aceita. Ela precisa de autorização judicial. Então, não podemos fazer esse tipo de ação, conforme é proposto pela Polícia Militar. Há um desentendimento tanto da Assistência quanto da Segurança Pública quanto a essa problemática. Não podemos ceder a esse tipo de pressão, isso fere nossos princípios de orientações. O que não nos impede e nos fortalece ainda mais para que nosso trabalho se intensifique, no convencimento”, afirmou.

De acordo com a diretora, a administração municipal percorre as ruas 24 horas por dia para atender os moradores de rua e tentar convencê-los de que ir a um abrigo é a melhor opção. Porém, a maioria não aceita devido às regras que devem cumprir.

“Toda instituição de acolhimento tem algum tipo de regra, como horário para tomar banho, de alimentação. Muitas vezes nós encontramos resistência por parte dessa população por conta dessas regras mínimas que são colocadas. Na Casa de Acolhida, em específico, dentro da unidade, não se faz uso de drogas, não é permitido. Essa é também uma dificuldade de as pessoas quererem sair da rua e enfrentarem esse limite de ficar muito tempo sem usar drogas, durante horas. Mas a Casa de Acolhida é aberta, a pessoa pode entrar e sair quando quiser”, ressaltou.

Leia entrevista na íntegra:

Como a Secretaria avalia a questão das pessoas em situação de rua?

A problemática da população em situação de rua é antiga, até porque a pessoa que está em situação de rua, é um direito de escolha do cidadão. Nós avaliamos que a Prefeitura tem feito um bom trabalho, estamos nas ruas constantemente, fazendo um trabalho preventivo de abordagem e convencimento para que essas pessoas voltem para sua família ou vá para alguma instituição de acolhimento ou tratamento. O que percebemos é que há fatos isolados, tanto é que em maio, segundo registrado, uma ocorrência chamou mais atenção da polícia. Se verificarmos de ocorrências no meio geral da sociedade, não há registros alarmantes. Estamos colocando como irrelevante o número, mas quanto ao fato, é preocupante. Toda vez que há algum tipo de violência, obviamente nos preocupa.

Qual é a política que a Prefeitura desenvolve para a população de rua?

A Prefeitura de Goiânia atua de acordo com o que preconiza o Ministério de Desenvolvimento Social, de abordagem às pessoas em situação de rua, através do serviço de abordagem social, que está nas ruas 24 horas por dia, para tentar encaminhá-los para a rede assistencial. A partir daí, surgem outras demandas. As pessoas que aceitam ir para o Centro Pop, que é uma das unidades da Prefeitura que acolhe pessoas em situação de rua durante o dia para diversos encaminhamentos como documentação, orientação jurídica, tratamento de saúde, encaminhamento para a família, enfim. Lá é feita uma triagem e outros encaminhamentos. Tem também uma casa de passagem, que fica em Campinas, e recebe essa população em situação de rua. Nós procuramos promover o melhor atendimento possível.

Algumas pessoas estão na rua porque querem?

Infelizmente há pessoas que ainda não se sensibilizaram para a saída da rua. Muitos estão na rua por conflitos familiares, já romperam o vínculo com a família, com a sociedade e eles perdem até os princípios básicos. É um processo muito complicado.

Há quantos moradores de rua em Goiânia?

Não existe estatística. Estamos preocupados com os números e vamos reunir com a Universidade Federal de Goiás (UFG) para que possamos fazer uma estatística, porque a última apresentada foi de 351 pessoas em situação de rua. A estatística de duas mil pessoas, apontada pelo Movimento de Rua, nós desconhecemos até a metodologia da pesquisa. Então, nós vamos aplicar uma pesquisa em breve para chegarmos a esse nome.

Há diferenças em população de rua, crianças em situação de rua, vendedores de rua?

Há. Todas as pessoas que estão na rua, em determinado momento, são consideradas em situação de rua. Então, pessoas que estão fazendo da rua como meio de trabalho, dependendo da metodologia, ela é considerada uma pessoa em situação de rua. Por isso que é importante termos essa pesquisa para sabermos realmente quantos estão e são moradores de rua.

A prefeitura ainda não fez essas estatísticas?

Nós estamos nas ruas constantemente. A equipe de abordagem atua 24 horas com assistentes sociais, psicólogos e educadores. Então, nós abordamos essas pessoas e tentamos dar outros encaminhamentos. Nós temos uma equipe que funciona 24 horas e temos algumas equipes descentralizadas que funcionam nos Creas – Centro de Referência Especializada em Assistência Social -, nas regiões norte, noroeste, centro sul, leste e oeste.

Como funciona essa abordagem?

A dificuldade de as pessoas aceitarem encaminhamento é justamente as regras. Porque toda instituição de acolhimento tem algum tipo de regra, como horário para tomar banho, de alimentação. Muitas vezes nós encontramos resistência por parte dessa população por conta dessas regras mínimas que são colocadas.

O uso de drogas também é empecilho?

Na Casa de Acolhida, em específico, dentro da unidade, não se faz uso de drogas, não é permitido. Essa é também uma dificuldade de as pessoas quererem sair da rua e enfrentarem esse limite de ficar muito tempo sem usar drogas, durante horas. Mas a Casa de Acolhida é aberta, a pessoa pode entrar e sair quando quiser.

Como a Prefeitura trabalha com a questão do uso de drogas nas ruas?

É um desafio para a nossa equipe que está nas ruas enfrentando essa problemática. Em alguns pontos, às vezes, a equipe nem consegue ter acesso porque realmente é dominado pela questão da droga. Aí já deixa de ser uma questão social e passa a ser uma questão de segurança pública. A gente já tem conversado com algumas autoridades para tentarmos resolver essa questão.

Tirar as pessoas da rua à força é a política da Prefeitura?

Não. Inclusive vamos ferir um direito legal de ir e vir do indivíduo. Tanto é que a internação involuntária não é bem aceita. Ela precisa de autorização judicial. Então, não podemos fazer esse tipo de ação, conforme é proposto pela Polícia Militar.

A Polícia cobre isso da Prefeitura?

Há um desentendimento tanto da Assistência quanto da Segurança Pública quanto a essa problemática. Não podemos ceder a esse tipo de pressão, isso fere nossos princípios de orientações. O que não nos impede e nos fortalece ainda mais para que nosso trabalho se intensifique, no convencimento.

Qual o planejamento da atual gestão municipal?

A partir da política de assistência, tentar reduzir cada vez mais esse número de pessoas em situação de rua. É importante ressaltar que em Goiânia há um número considerável de pessoas de outros municípios, de Aparecida, da Região Metropolitana e de outros estados. Em torno de 30% das pessoas em situação de rua são de outros municípios ou estados.

O recado continua sendo “Não dê esmolas no semáforo” e “Não atenda a esse tipo de apelo”?

Sim. Esse é o recado e a nossa orientação, porque muitas vezes nos sentimos sensibilizados e quanto mais nós damos dinheiro para a população em situação de rua, mais fácil fica para eles se manterem nessa situação. Logo, a gente orienta a população a, se quiser ajudar, procurar uma associação idónea, que faça esse tipo de trabalho com população em situação de rua e doe a essa instituição. Acho que seria muito mais interessante, até porque essa situação é assistida. A questão de alimentação, existe nas casas de passagem, no Centro Pop. Também existem as ONGs que funcionam à noite. Elas são parceiras e poderiam, muitas vezes, estar recebendo contribuição da população. Precisamos mudar nossos hábitos, deixar de darmos o nosso dinheiro. Quem tem o coração bom e se sensibiliza com a causa, vamos ajudar alguma instituição. Assim, com certeza, vamos conseguir minimizar essa quantidade de pessoas em situação de rua, esses pedintes que ficam no sinal, às vezes vendendo balinha.


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