Relatora da ação que discute a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber respondeu sutilmente às críticas de que o tema não deveria ser discutido no Judiciário, mas sim no Congresso.
Ao abrir nesta sexta (3) a audiência pública realizada no STF para debater o assunto, Rosa afirmou que, em uma democracia constitucional, a resolução de uma controvérsia pode se dar no Legislativo ou no Judiciário.
“Falar em democracia constitucional, que é um conceito que não se reduz ao conceito de democracia majoritária representativa, sem compreender os valores fundamentais que a viabilizam é incidir em mera retórica”, disse a ministra.
“Há que reconhecer o valor da divergência e ter presente o conflito entre os direitos fundamentais envolvido nessas questões constitucionais. Mas há que reconhecer o valor do arbitramento necessário à resolução do problema, por meio de processo público de tomada de decisão, seja no âmbito do Parlamento, seja no âmbito do Poder Judiciário, sem recurso à violência de qualquer ordem, física ou verbal”, completou.
Rosa destacou que a Justiça só se pronuncia sobre um tema quando é provocada, e que, quando isso ocorre, o Judiciário não pode deixar de dar uma resposta.
Integrante da Primeira Turma do STF, Rosa já votou a favor da tese de que aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. Na ocasião, em novembro de 2016, a maioria da turma firmou esse entendimento com os votos de Rosa, Luís Roberto Barroso (que propôs a tese) e Edson Fachin.
A decisão da turma em 2016 só valeu para um caso específico que envolvia profissionais de uma clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias (RJ), mas foi vista como um precedente no sentido da descriminalização.
A ação em discussão hoje no Supremo foi ajuizada no ano passado pelo PSOL, que pediu para os ministros excluírem do âmbito de incidência de dois artigos do Código Penal os abortos que forem praticados nas primeiras 12 semanas de gestação.
Os artigos são o 124, que criminaliza a mulher (detenção de 1 a 3 anos), e o 126, que criminaliza quem provocar o aborto, incluindo profissionais de saúde (pena de 1 a 4 anos de reclusão).
A audiência pública realizada nesta sexta e na próxima segunda (6) visa dar argumentos diversificados aos 11 ministros da corte para julgarem o processo. Ainda não há data para o julgamento final da ação.
Uma das principais críticas dos contrários à descriminalização do aborto é que uma eventual mudança deveria vir do Congresso, e não do Supremo.
“O STF é poder constituído, não poder constituinte, e não pode tirar a prerrogativa constituinte de quem é de direito. A judicialização da questão do aborto agrava o equilíbrio que deve haver entre os poderes, porque o Judiciário, ao exorbitar seus poderes, comete um atentando contra a própria Constituição”, disse na audiência pública o representante da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Hermes Nery.
Um dos momentos de maior comoção na plateia foi a fala da antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, do Instituto Baresi, entidade que congrega associações de pessoas com doenças raras. Ela rebateu o argumento de grupos contra a descriminalização do aborto de que legalizá-lo é uma medida eugênica –que possibilitaria às mães abortar fetos com deficiência.
Ela própria é deficiente (afirmou ter uma doença rara que lhe rendeu várias fraturas pelo corpo) e, como mulher, disse ser favorável ao direito de escolha. “Por favor, nunca falem de nós nem sobre nós sem a nossa presença. Mulheres com deficiência também lutam pela descriminalização do aborto no Brasil”, disse, sob aplausos.
Nesta tarde serão ouvidas mais 13 entidades, favoráveis e contrárias à mudança na interpretação da lei. (Folhapress)
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