Era 31 de março de 1964 quando tanques do exército foram enviados ao Rio de Janeiro, sede do governo federal e onde estava o então presidente da República João Goulart. Ele se via acoado e não talvez por temer por sua vida, rumou para o Uruguai aonde pediu exílio político. Tumulto, vaias e aplausos marcaram a sessão do Congresso Nacional que, na madrugada de 2 de abril de 1964, declarou a vacância do cargo ocupado por Goulart. O cenário estava armado para os militares assumirem o poder e permanecerem pelos próximos 21 anos à frente do poder brasileiro. O período militar será tema de um espetáculo teatral, produzido por alunos e professores do Núcleo de Teatro Gustav Ritter. “Silêncios” é o nome da peça que será apresentada na próxima terça-feira (26/11) em duas sessões: às 19h30 e às 21h, na Rua C-67, nº 227, no Setor Sudoeste.
“O espetáculo ‘Silêncios’ foi criado a partir do desejo de provocar uma reflexão sobre o período da ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985”, menciona William Machado, diretor da obra, em entrevista ao Diário de Goiás. Ele explica que o espetáculo foi todo estruturado em base de depoimentos de pessoas envolvidas “diretamente nesse período e com músicas que marcaram esse momento”, pontua. Machado explica que a obra trata-se “de uma montagem do primeiro ano do curso de Formação Inicial e Continuada em Interpretação Teatral do Núcleo de Teatro do Gustav Ritter. Temos no elenco alunas e alunos que buscam o Instituto em Artes Gustav Ritter para aprender e aprimorar a arte da interpretação teatral”, explica.
Estão envolvidas nesse processo aproximadamente 30 pessoas. O elenco é constituído por 19 alunas e alunos do primeiro período do curso de Formação Teatral da instituição. Também há a parte musical da obra: 4 músicos que são professores da Escola compõe uma banda que dão tom a trilha sonora do espetáculo. “Dois técnicos de luz e som, que, sem eles, seria impossível a finalização que garante a magia e a beleza da arte teatral, e mais ou menos 5 pessoas que nos auxiliam na produção”, menciona Machado.
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“Ausência de diálogos”? “Silêncios” trás reflexão um fantasma que volta e meia assombra o país
O primeiro presidente à frente do regime militar foi Castello Branco. O período ficou marcado pelos ataques e perseguição do governo à oposição. Caçou mandatos de parlamentares que se opunham aos militares e implantou o bi-partidarismo no Congresso Nacional, extinguindo assim diversas legendas existentes. A crise e a censura aumentaram em 1968, durante o governo do presidente Costa e Silva com a criação do 5º Ato Institucional, conhecido como AI-5.
O dispositivo autorizava o presidente da República a decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores. Cassou mandatos de parlamentares e suspendeu direitos políticos dos cidadãos. Após a publicação do ato, o presidente Costa e Silva fechou o Congresso Nacional por tempo indeterminado.
Segundo registro da Câmara dos Deputados, o Congresso só voltou a funcionar dez meses depois. A justificativa era assegurar a ordem e a tranquilidade no país. Diversos artistas tiveram de pedir exílio em outros países. Os que continuaram em terras brasileiras, passaram a ter de passar pelo crivo de um departamento de censura existente no Governo Federal.
William Machado explica que “Silêncios” é uma reflexão contemporânea deste período e tem como pano de fundo a censura imposta pelo governo à aquela altura. “‘Silêncios’ remete à censura no período da Ditadura Militar e à ausência de diálogos e reflexões sobre tal período da nossa história recente. São os silêncios do dia a dia que dão sinais quando sofremos com ações que são resquícios das arbitrariedades de uma construção social, histórica e cultural”, ressalta.
Ditadura? Aqui não!
Num mundo em que algumas pessoas defendem a releitura histórica do período, minimizando seus efeitos e tentando encontrar uma narrativa de que o período foi “bom” para o Brasil. Alguns sequer consideram que o período tratou-se de uma ditadura. Preferem chamar de “regime” ou “movimento” militar. O presidente da República, Jair Bolsonaro é um dos principais saudosistas do movimento. Para Machado, um espetáculo teatral tem poder de carregar ideias, provocar sensações, impressões e pensamentos. “Silêncios traz depoimentos de mulheres e homens que foram torturados, de mulheres e homens que tiveram seus entes queridos torturados e de homens que torturaram. Deixo ao espectador o direito de refletir sobre o que os personagens relatam”, explica.
Mas faz uma ressalva aos apreciadores do regime militar. “Não acredito que amantes saudosistas da Ditadura Militar se sentirão confortáveis ao assistir esse espetáculo. É uma crítica explícita contra qualquer tipo de violência. É um manifesto contra a violência institucional de um Estado que torturou e matou muitas pessoas. Como está presente na fala de uma das atrizes: “Não se constrói uma democracia com cadáveres insepultos!”, dispara.
O espetáculo foi concebido ao longo dos últimos quatro meses e Machado acredita que a peça poderá trazer memórias que aos poucos vão sendo esquecidas. Daí a escolha de um tema que para ele, é fundamental. “O que vivemos hoje é uma herança da ditadura militar de 64 a 85 e a ausência da vivência coletiva dessa memória reforça mais ainda as consequências desse período. É como se nada tivesse acontecido! É como se tivesse afetado somente algumas pessoas e de forma pontual. O que é um equívoco, porque foi algo que transformou a vida de toda a sociedade durante 21 anos e ainda deixou profundas cicatrizes”, conclui.
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