“Eu já encontrei divas na vida. A maior delas é Aretha Franklin, e ela faz você esquecer que está diante de uma. Sentada ao piano, cercada de músicos, cantando e rindo, ela é mais um dos rapazes. É pura música.”
A frase de Keith Richards é reveladora, mas é claro que a cantora americana nunca foi só um dos rapazes. Ela, que morreu nesta quinta, aos 76 anos, vítima de um câncer no pâncreas, era a última diva em atividade neste século comparável ao trio de vozes supremas Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Nina Simone.
Mais do que a voz poderosa, Aretha teve na versatilidade seu grande trunfo para se tornar a artista feminina a ter mais singles nas paradas de sucesso da revista Billboard. Foram 112 gravações, 20 delas alcançando o topo do ranking americano de rhythm’n’blues.
Para completar a soma de números impressionantes, a cantora vendeu 75 milhões de discos em todo o mundo e colecionou estatuetas do Grammy. Ganhou 18 vezes o maior troféu da música, em 32 indicações entre 1968 e 2008, além de mais três prêmios honorários pelo conjunto de sua obra de 42 álbuns de estúdio, seis álbuns ao vivo e 131 singles.
A versatilidade fez Aretha exibir seu talento no soul, no jazz, no R&B, no rock, no funk e na música gospel, esta que foi seu primeiro ambiente sonoro. Nascida em 25 de março de 1942, em Memphis, no sul dos Estados Unidos, era filha de um pastor, C.L. Franklin. Ele a incentivou a gravar, aos 14, o seu primeiro álbum. “Songs of Faith”. Lançado em 1956, tem apenas voz e piano, tocado por ela.
Aretha gravaria mais alguns discos de gospel nas décadas seguintes, em devoção ao pai. Mas, no final dos anos 1950, revelou à família o desejo de cantar música pop. E o pai mais uma vez a ajudou, contratando professores e consultando executivos de gravadoras.
Sondada pela Motown, que abrigava os grandes nomes da música negra americana, ela acabou contratada pela Columbia em 1961. E a escolha foi a melhor possível, para a cantora e também para o selo. John Hammond, lendário produtor que fizera fama com Billie Holiday, cuidou das gravações dela na Columbia. Foram nove álbuns primorosos entre 1961 e 1966, mas sem um estouro de sucesso popular.
A primeira grande virada na carreira veio em 1967, quando assinou contrato com a Atlantic. Seu primeiro álbum pelo novo selo é um dos principais discos dos anos 1960 -“I Never Loved a Man the Way I Love You”. Ao lado do envolvente soul na faixa-título, esse disco trouxe “Respect”, versão imbatível que ela fez para um single de Otis Redding lançado três anos antes.
A canção, na qual ela diz que seu único pedido ao amante é que ele a respeite quando voltar para casa, passou a ser o cartão de visitas da cantora. Várias vezes regravada, ganhou dimensão de hino junto a movimentos feministas.
Além de seu maior sucesso, o álbum de estreia na Atlantic tinha também composições da própria Aretha, como “Baby Baby Baby” e “Dr. Feelgood”, e uma magistral regravação de “A Change Is Gonna Come”, de Sam Cooke. Esta última faixa e “Respect” atestam uma das características marcantes de Aretha, que é criar versões pessoais e muitas vezes superiores aos sucessos de outros artistas.
Nos anos seguintes, encadeou hits -“(You Make Me Feel Like) A Natural Woman”, “Chain of Fools”, “Think”, “Share Your Love with Me”, “Spanish Harlem” e outra regravação que liderou as paradas, “Bridge Over Troubled Waters”, original de Simon & Garfunkel.
Se soul, R&B e jazz transitaram desde cedo nos gêneros abraçados por Aretha, algumas regravações a aproximaram das plateias roqueiras, como “Eleanor Rigby”, dos Beatles, e “(I Can’t Get No) Satisfaction”, dos Rolling Stones.
No final dos anos 1970, entre a disco music e o punk rock, ela perdeu espaço na mídia e os discos não venderam tanto. Consumo intenso de cigarros e álcool se juntaram a problemas de saúde e muita luta contra a obesidade. Tudo isso prejudicava também sua vida fora de palcos e estúdios.
Sua guinada de volta ao sucesso só veio com mais uma demonstração da facilidade para assimilar outros gêneros e mesmo assim exibir uma personalidade musical potente. “Jump to It”, faixa que dá nome a seu álbum de 1982, liderou as paradas por quatro semanas seguintes. Com produção do então badalado Luther Vangross, o trabalho apontava para um som mais moderno, de balanço pop.
Aí veio a radicalização em busca do público jovem, com “Who’s Zooming Who?”, de 1985. Pela primeira vez, depois de 33 álbuns na carreira, Aretha lançou um que ultrapassou 1 milhão de cópias vendidas. Em 1987, ela conseguiu emplacar seu último single em primeiro lugar, “I Knew You Were Waiting (For Me)”.
Esse dueto com George Michael renderia mais um Grammy para a sua estante da sala.
A partir dos anos 1990, seu ritmo de trabalho foi diminuindo a cada temporada. Influência de seu notório medo de avião. Depois de um acidente em 1984, sem vítimas fatais, ela desistiu de voar e a passou então a fazer shows só nos Estados Unidos, indo de carro.
Nos últimos 20 anos, lançou apenas seis álbuns, um deles constrangedor: “Aretha Franklin Sings the Great Diva Classics”, de 2014. Em busca de popularidade, regravou ali canções de supostas “divas” que estão mais para apenas esforçadas discípulas, como Alicia Keys, Adele e Chaka Khan. As regravações ficaram muito melhores, mas não fizeram sucesso.
Em 2010 e 2013, Aretha cancelou apresentações para tratamentos médicos, envolta em rumores sobre câncer, não confirmados por ela. No ano passado, voltou a ter apresentações canceladas, por ordens médicas. Sua última performance foi em novembro de 2017, em um evento para um instituto de combate à Aids fundado por Elton John.
Aretha deixa quatro filhos, de pais diferentes. O primeiro, Clarence, nasceu quando ela tinha 12 anos, em 1955. O segundo, Edward, nasceu dois anos depois. Os dois foram criados pela avó. Em 1964, ela teve o terceiro, Teddy Richards, que se tornaria guitarrista de sua banda de apoio. O quarto, Kecalf, veio em 1970.
NÚMEROS
75 milhões
de discos vendidos no mundo
18
prêmios Grammy
112
hits no ranking da Billboard
42
álbuns de estúdio
(Folhapress)
Leia mais sobre: Variedades