12 de agosto de 2024
Especial

Projeto registra acervo de publicações sobre JK

Edição foi publicada em fevereiro de 1957. (Fotos: Jader Neves)
Edição foi publicada em fevereiro de 1957. (Fotos: Jader Neves)

Chamado de Acervo JK, foi criado um projeto para reunir reportagens pautadas na trajetória do ex-presidente Juscelino Kubitschek, com o objetivo de homenageá-lo pelo que fez ao Brasil e dar o direito à população de acessar e conhecer uma parte da história brasileira de forma fácil e prática. Ao fim de toda a digitalização, o material escaneado será doado para bibliotecas e acervos públicos. A expectativa é digitalizar aproximadamente 200 revistas.

A edição de número 250 da revista semanal Manchete, de fevereiro de 1957, traz o ex-presidente na capa, com uma entrevista exclusiva, intitulada de “Venci porque nunca tive medo”.

As avaliações que Juscelino fazia sobre o seu primeiro ano de governo e as expectativas para o restante do mandato foram o foco das perguntas feitas pelo jornalista Marcelo Coimbra Tavares. Na época, o ex-presidente também considerava importante a realização de reformas administrativas, entre outras coisas que até hoje fazem parte dos planos do governo federal.

JK 1Confira a entrevista completa:

Escrito por Marcelo Coimbra Tavares

O presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, falando com exclusividade a MANCHETE, fez um julgamento de seu primeiro ano de governo. Numa conversa informal no Palácio das Laranjeiras, JK nos advertiu que tinha somente 10 minutos para nos atender. Acabou conversando 75 minutos, sem esconder sua preocupação pelo estado de saúde de sua filha Maristela, que acabara de ser operada das amígdalas.

Passando as mãos nervosas pelas sobrancelhas, olhando insistentemente os ponteiros dos cronômetros, JK revela:

– O que eu começo, acabo.

E repete o que já dissera antes a um correspondente estrangeiro:

– Sou mais filho de dona Júlia que do meu pai. Dela herdei essa perseverança no querer.

Juscelino discorre agora sobre as suas viagens. Mais de 160 mil quilômetros, pelo Brasil afora. Acrescenta que vai intensificar o ritmo e a extensão de suas viagens a partir de fevereiro com a chegada do “Viscount”, avião turbo-jato comprado na Inglaterra. 

Pela primeira vez o Presidente fuma. Não sabe tragar nem segurar o cigarro. Apesar do terminante “não estou para ninguém”, a entrevista é sucessivamente interrompida pelos seus auxiliares: gente que quer falar com JK, levando para ele problemas que vão da falta d’água em Copacabana até as intrincadas questões de teleguiados (na ocasião se discutia a cessão de Fernando de Noronha). Entre um telefonema e uma assinatura de despacho, Juscelino confirmou um fato ocorrido em Belo Horizonte, nas vésperas da convenção nacional do PSD, que o escolheu como candidato ao Catete. Uma noite, no Palácio das Mangabeiras, o então governador de Minas estava sozinho depois de determinar expressamente que não receberia ninguém. Acontece que foi surpreendido pela presença de um capuchinho, vestido de branco, que o advertiu:

– Governador, não lhe venho pedir dádivas. Trago um conselho e minha bênção.

E antes que Juscelino se refizesse da surpresa, o frade aconselhou-o a que não cedesse às imposições do medo, não temesse as ameaças e seguisse, obstinadamente, na luta pelo Catete.

A bênção foi dada. E o frade nunca ninguém soube quem fosse.

O Presidente insiste várias vezes que não é supersticioso, apenas confirmou a história. E para provar informa que, por determinação própria, trabalha no mesmo quarto em que Getúlio morreu. Juscelino escapa com muita habilidade das questões de ordem política e se delicia em narrar episódios e feitos do seu governo. Confessa, por exemplo, sua satisfação pelo ocorrido recentemente em Campina Grande, na Paraíba, onde foi candidato derrotado. Voltou, como Presidente, nos braços do povo. 

Nestes doze meses de governo Juscelino não emagreceu nem engordou e continua bem disposto, alegre e otimista. Tomas as suas vitaminas em pílulas e em injeções, hábito adquirido nos tempos de estudante de Medicina. Três vezes por semana toma um Bituelve R-12, forte, para compensar o desgaste físico.

Continua com os mesmos hábitos alimentares. Prefere ainda um “chico-angu” (frango ao molho pardo, com couve mineira e angu), um mexido de carne e vagem, com ovos. Não gosta de “mayonnaise”, detesta creme de aspargos. Não bebe a não ser champanha nas recepções, quando permanece todo tempo com a mesma taça na mão.

Deixou de dançar por falta de tempo. Não perdeu o bom-humor e ainda faz blague. É um homem bem informado que sabe desde os mais secretos bastidores políticos até à última charge que o jornal publica. Gosta e conta anedotas, ri como um colegial quando a história é boa. Adora falar em telefone e é um dos poucos presidentes que atende diretamente a alguns chamados. Em seu gabinete de trabalho tem no mínimo 5 telefones e à sua cabeceira um aparelho cujo número ele comete a imprudência de revelar a muitos amigos, tendo, por isso mesmo, que trocá-lo regularmente.

Juscelino dorme pouco e sofre verdadeira metamorfose psíquica quando em viagem. Nestas ocasiões, fica mais tranquilo e contemplativo, contrastando com a sua vivacidade e inquietação habituais.

No avião, dorme e despacha. Costuma convidar amigos íntimos, sem nenhum compromisso com a máquina do governo, para essas viagens, com a expressa finalidade de reencontrar-se com os tempos passados. 

Outra peculiaridade: é um elegante à maneira britânica. Prefere roupas sóbrias, gravatas discretas e muda de camisa três vezes por dia. Dona Sara chama o presidente de Juscelino, ao contrário de alguns íntimos que continuam usando o apelido de “Nonô”. Afetivo, beija-a no rosto e sempre reserva algum tempo para o carinho de Márcia e Maristela.

O Presidente tem duas grandes admirações: por D. Sara e a outra por sua mãe, a professora Júlia Kubitschek, que reside também no palácio das Laranjeiras. Em todas as oportunidades ele não deixa de acentuar as virtudes e principalmente a energia de D. Sara. É o grande entusiasta da obra das Pioneiras Sociais. Ela, por sua vez, é a UDN doméstica do Presidente, vigiando-o permanentemente, quanto aos horários, alimentação, e uma fervorosa juscelina que perdoa, menos que ele, os adversários do Presidente. 

Aos íntimos ele confessa que é um rebelde ao cerimonial. Não gosta de casaca, “black-tie”, ou fraque. O protocolo cerceia sua liberdade de movimentos, sua gesticulação exuberante, a palavra difícil de orador de comício.

Marcelo: E o futuro, Presidente? – é a última pergunta do repórter.

Juscelino: Tenho medo do tédio depois do Catete. Quem já foi Presidente não pode candidatar-se a mais nada. E quem já foi Presidente de um país, vai fazer o que depois do governo?

Marcelo: Como V. Exa. julga o primeiro ano de seu governo?

Juscelino: Chego ao primeiro ano de meu governo com a mesma sensação de um navegante que, após uma travessia tempestuosa, leva, a final, a nau, sob seu comando, a bom porto. A nau do Estado brasileiro, ouso dizer, jamais foi submetida a provas tão rudes como as que enfrentou imediatamente antes e durante aos primeiros meses de meu governo. Foram provas que desafiaram, não só a capacidade das máquinas, mas, sobretudo, o acerto, a energia e a pertinácia do comandante e timoneiro. O mínimo erro, o menor desvio de rota ter-nos-ia levado ao desastre. Ninguém, de boa fé, poderá negar ao meu governo esta evidência, que está, aos olhos de todos: vencemos as tempestades, contornamos os escolhos, restabelecemos a confiança das tripulações, implantamos ordem e paz nos espíritos e, por fim, dobrado o cabo das tormentas, podemos afirmar sem receios que o mais áspero trecho do roteiro foi cumprido. A imagem não é nova, bem o sei, pois a palavra “governo” confunde-se, em suas origens, com a denominação que os gregos davam ao leme das embarcações. É, todavia, ainda a melhor imagem.

Por essas razões, considero inteiramente atingidos os objetivos programados para o primeiro ano de governo. Esse êxito, entretanto, não pode ter a evidência maior aos olhos do povo, porque o grosso do realizado é constituído de iniciativas de base, cujos frutos somente aparecerão quando se seguirem as iniciativas delas dependentes. O governo aplicou a política do trinômio – energia, transporte e alimentação. Exemplifica-se com casos de silos e armazéns que ainda não estão prestando serviços, mas cujos benefícios, a partir de 1957, surgirão. O governo, em 1956, terminou alguns silos e armazéns no porto de Belém do Pará, o que muito concorreu para a estabilidade dos preços de cereais naquela Capital.

No setor do transporte, o governo entabulou e concluiu todas as operações necessárias à aquisição de 46 navios, que normalizaram o transporte marítimo no Brasil. Até 1957, todos os navios adquiridos para a Marinha Mercante estarão em pleno serviço. Ainda no setor de transportes, concluiu a BR-3 (Rio-Belo Horizonte) e reatacou a Fernão Dias (São Paulo-Belo Horizonte), que deverá estar concluída, e inteiramente pavimentada, em princípios de 1958, assinalando o estabelecimento de uma das mais importantes vias dorsais do sistema rodoviário no Sul do país. Ficará completa a ligação S. Paulo-Rio Grande do Sul e se abrirão e pavimentarão as ligações: Salvador-Itabuna, Salvador-Feira de Santana, Natal-João Pessoa, Recife-Maceió, João Pessoa-Campina Grande, Fortaleza-Sobral, Fortaleza-Aracati-Goiânia-Anápolis, Anápolis-Brasília. Equipou a Petrobrás para a produção, em grande escala, do asfalto necessário à execução do programa rodoviário, tendo ela produzido, este ano, 29 mil toneladas, isto é, apenas mil toneladas a menos que o consumo nacional. Fez operações para acabar com o “déficit” de locomotivas e material rodante das principais estradas de ferro do país (Central do Brasil, Leopoldina, Viação Férrea do Rio Grande do Sul, Rede Cearense, Mogiana e Rede Mineira), havendo importado 141 locomotivas Diesel-elétricas e 2.046 vagões. O mais importante realizado no setor dos transportes foi, contudo, a ampliação de recursos para 1957, com preparativos para maior reforço de verbas nos orçamentos seguintes.

O governo apressou e concluiu todas as operações para a realização das grandes usinas constantes do seu programa, assim como, através do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e do Banco do Brasil, financiou governos estaduais e empresas particulares, para construção de usinas. O que se fez em 1956 (no setor da energia), em resumo, garantiu a elevação do potencial aproveitado de 4 milhões e 500 mil HP em 1962.

No setor da alimentação, a verdadeira batalha será travada em 1957, para o aumento da produção, escoamento da safra e intensificação do crédito agrícola e assistência técnica aos produtores.

O que se fez em 1956 foi básico, com o estudo de planos para se travar a grande batalha.

O Presidente prosseguiu, para afirmar: “evidentemente, isto não teria sido possível, se não tivesse sido preenchida uma condição básica para o governo: inatacabilidade moral e austeridade.

Ninguém pode negar (sob pena de confessar que não tem olhos para ver) que o governo tem estado a salvo de acusações e de suspeitas fundadas. Ponho certa ênfase nessas declarações, pois resultam de propósitos cotidianamente exercícios, dia a dia, ato a ato.

Nenhum Presidente terá recebido um legado tão difícil, tão complexo e perturbador, como o que recebi há um ano. Em todos os terrenos, as dificuldades e problemas abriam-se como abismos aparentemente insondáveis: finanças, economia, administração, política, ordem pública, autoridade, produção, instituições. Era um legado que se formulava em termos ásperos, urgentes e até desalentadores. Nenhuma culpa me cabia, em face dessas circunstâncias de complexidade e agravamento. Todos os deveres, entretanto, me eram impostos, indeclinavelmente. Conter e reduzir “déficits”, atenuar e deter o surto inflacionário, descentralizar a administração e implantar maior rapidez aos serviços e órgãos públicos, pacificar os espíritos, restaurar a confiança nos poderes da República, reprimir conspirações, revigorar o regime democrático, manter a Constituição, aumentar a produção, captar confiança na esfera internacional, planejar e executar – tudo isso foi feito, sem desfalecimento e sem hesitação, sem perda de tempo, com a urgência que cada caso estava a exigir. Como em toda obra humana, alguma coisa há-de ser passível da arguição de erro. A soma, porém, dos acertos – resultantes de soluções amadurecidas – permitiu um real desafogo na conjuntura brasileira, desafogo sensível e evidente, que só não é reconhecido pelos que negam sistematicamente.

Marcelo: Considerou V. Exa. que o primeiro ano de governo seria de combate à inflação? Acha que V. Exa. que conseguiu deter o galopante ritmo inflacionário? E a nova realidade financeira?

Juscelino: O orçamento de 1957 prova, antes de mais nada, um dos mais intensos esforços no sentido da procura do equilíbrio entre receita e despesa. Na sua execução, o governo não poupará providências que visem restringir ao mínimo as despesas autorizadas. Por isso, mesmo, encara o governo a lei de meios, menos como uma autorização de despesa do que como um verdadeiro instrumento de trabalho. Cotejado o orçamento com outras providências, inclusive com o reajustamento do certos tributos, ter-se-á a prova insofismável de que meu governo busca, por todos os meios legítimos a seu alcance, estancar as emissões.

O peso global destas, no processo inflacionário, que vem de longe, não é de molde a ser atenuado ou anulado unicamente pela compreensão de despesas, em muito menos de despesas reprodutivas, que criam riqueza e oferecem lastro à moeda.

Também outra ordem de providências, visando ao aumento da receita, teve de se tomada, e nisso atua meu governo em duas áreas distantes: diretamente na arrecadação e na fiscalização e no referido reexame da incidência de alguns tributos. Neste passo, agiu meu governo com a máxima cautela, e os aumentos efetuados foram de tal modo planejados e estudados, que, posso dizer, não são de molde a afetar o custo de vida, em seus elementos de formação básica. Conter, porém, a alta do custo de vida não é função unicamente de dados puramente econômicos. Nesse particular – seria melhor não fazer a citação? – estou de pleno acordo com o eminente professor Adolf Loewe, cuja obra “Economia e Sociologia” tive há pouco a oportunidade de ler.

Há fatores psicológicos e de comportamento coletivo que influem no fenômeno. Tanto é assim que, com relação ao Brasil, o cruzeiro tem-se valorizado, relativamente às unidades monetárias do exterior. Internamente, todavia, não ocorre muitas vezes, reconheço, o mesmo processo. Isso se deve, evidentemente, a fatores que escapam à ação governamental. A conjuntura aí está, aberta ao exame de todos. Decomponham-se, honestamente, alguns preços de produtos básicos e ver-se-á que, na formação respectiva, figuram acréscimos não devidos a qualquer causa objetiva, mas a fatores de ordem puramente subjetiva.

Na França, em certo momento grave de uma realidade inflacionária, o “prémier” Antoine Pinay apelou para o povo, nos seus setores de produção, distribuição e consumo, no sentido de que fizesse, de sua parte, aquilo que toda a nação reclamava, relativamente à alta do custo de vida. A correspondência foi além da expectativa, e o processo da estabilização firmou-se e consolidou-se. No Brasil, tenho confiança em que a coletividade, à medida que a ação governamental se for acentuando, não procederá diferentemente. Espero, assim, que, com uma esclarecida colaboração coletiva, a estabilidade de preços venha a consolidar-se.

A galopante foi detida, sem dúvida alguma. A inflação não parou, evidentemente. Mas conseguimos tirar-lhe aquela característica catastrófica. Dentro do ritmo dos últimos anos, o governo deveria ter emitido, em 1956, para mais de Cr$ 30 bilhões, e somente emitiu menos de Cr$ 10 bilhões. E, se quisermos julgar com a realidade orçamentária, pode-se afirmar que o aumento das despesas com o funcionalismo, superior a Cr$ 28 bilhões, tira dessa emissão qualquer aspecto gratuito. Além do mais, a política básica praticada em 1956, para o reerguimento da economia brasileira, representa o passo inicial e indispensável para chegarmos, dentro de poucos anos, ao equilíbrio orçamentário e à perfeita saúde da moeda. A baixa do dólar, feita de maneira segura, é um argumento concreto em favor da política financeira do meu governo.

Marcelo: Como V. Exa. concilia a política de compressão de despesas e o sentido das viagens de V. Exa?

Juscelino: Não me poderia deter em face de uma realidade que se traduzia na necessidade de crescer, de progredir e trabalhar em paz e em ordem. Por isso, não hesitei em desenvolver, como demonstrei em resposta anterior, um plano de obras e de serviços reclamados legitimamente em todos os rincões da terra brasileira. Não me seria lícito, em uma das mais amplas áreas nacionais de todo o globo, administrar com raízes fincadas no asfalto da Capital da República. É com entusiasmo que cumpro o dever, que a consciência me impõe, e auscultar, de verificar, de inspecionar, de estimular “in loco” as necessidades e realizações nacionais.

Isto é, sem dúvida, um desafio ao comodismo e uma afronta aos comodistas. Não me deterei em face dessa circunstância. Em 1957, percorrerei o país, de ponta a ponta, com o mesmo objetivo. A cúrul presidencial impõe a seus ocupantes obrigações de trabalho diário, as quais eu acrescento outras, com o melhor entusiasmo. Às obras que tenho inaugurado, de norte a sul, outras haverei de acrescentar. São compromissos que assumi com o povo, e eu os cumprirei a tempo e a hora, no prazo de meu mandato.

Marcelo: Considera V. Exa. Brasília um empreendimento inflacionário e adiável? Pretende mesmo instalar seu governo ali? Que acha V. Exa. do nome Brasília?

Juscelino: Absolutamente, não. Brasília representa uma das inversões mais úteis e necessárias, no momento nacional. Em termos de atualidade, a nova Capital equivalerá a uma estraga larga, conduzindo, para o interior do Brasil, capitais, interesses e iniciativas, abrindo novos horizontes ao desenvolvimento econômico do país. Com respeito a Brasília, minhas intenções são claras, foram sempre proclamadas e, hoje mais do que nunca, posso afirmar que as realizarei: ao fim do meu mandato, teremos a sede do governo instalada no planalto central. Com relação ao nome de Brasília, só o fato de ter o substantivo Brasil em sua composição é o bastante para torná-lo uma das mais expressivas do nosso vocabulário. Além do mais, essa denominação está consagrada em lei.

Marcelo: V. Exa. falou em erros. Qual o ponto fraco do governo de V. Exa., em 1956?

Juscelino: A reforma da máquina administrativa, na sua composição, nos seus métodos, é uma das grandes necessidades do momento brasileiro. O problema, no entanto, é muito mais difícil do que parece, e considero um dos pontos fracos do meu governo a morosidade com que estamos enfrentando esse problema. Por vezes, a impaciência chega a me assaltar, diante da lentidão das medidas e do andamento das iniciativas. No entanto, através de medidas de base, iremos readaptando a máquina, a fim de lhe dar eficiência, rapidez, racionalização e menor custo de operação. Confesso que esse problema está me preocupando seriamente.

Marcelo: Qual a política do governo com referência aos minerais atômicos?

Juscelino: A política do governo é ditada por um órgão supremo: o Conselho de Segurança Nacional, regulado e amparado em leis e que somente delibera em razão dos interesse maiores, presentes e futuros, do Brasil.

Marcelo: Como espera cumprir as metas anunciadas?

Juscelino: Tenho sido acusado de otimista. Entretanto, quanto mais percorro o Brasil, mais constato uma realidade: estamos frente a um gigante que mal começa a flexionar os músculos. Para a realização de seu programa, o governo necessita disto: recursos. A inversão de capitais estrangeiros em nosso país, no ano de 1956, ultrapassou a inversão total dos cinco anos anteriores (353 milhões de dólares já invertidos, no ano passado). Não há melhor prova de prestígio e do justificado otimismo no futuro do Brasil. Posso dar um exemplo frisante: o governo atrasou o início das obras da barragem da Usina de Três Marias, porque o programa de construção anterior supunha o prazo mínimo de seis e o prazo máximo de oito anos para a sua conclusão. Com novos estudos, conseguimos um plano de construção em quatro anos. Balanço: perdemos seis meses e ganhamos dois anos.

Marcelo: Como comandará V. Exa. a batalha dos preços?

Juscelino: Não tenho dúvidas de que a política de aumento da produção e de enriquecimento do país nos fará chegar a garantir uma vida digna para as classes proletárias. A luta contra a alta dos preços, que estamos enfrentando, é uma batalha a longo prazo. A ofensiva, que vamos intensificar neste ano de 1957, no setor de alimentação, fazendo crescer a produção e melhorar seu transporte, seu armazenamento, seu estoque e sua distribuição, assegurará melhor índice de vida para o povo brasileiro. 1957 será o ano da produção. Com abundância, estabilizaremos os preços. Para isso, aliás, já estamos caminhando. Posso, por exemplo, citar o último estudo da Fundação Getúlio Vargas, organização insuspeita, que dá os seguintes índices de aumento do custo de vida: aumento total, de janeiro a agosto de 56 – 19,4%; média mensal até agosto – 2,4%; aumento em setembro – 1,7%; em outubro – 1,1%; em novembro – 0,8%; em dezembro – 0,6%.

Marcelo: Depois de um ano de governo, qual é o estado de espírito de V. Exa., frente à realidade política nacional?

Juscelino: Sou herdeiro sem culpa de lances dramáticos da história contemporânea. O Brasil, como país jovem e progressiva, está vivendo, nos últimos anos, o período agudo das transformações. É a crise histórica da transição de um povo, que busca realizar-se e configurar, nos quadros do mundo moderno, as fronteiras de uma grande Nação. Os choques de mentalidades, as reações dos que foram superados, os inconformismos dos que tentam resistir a uma nova ordem social, o anacronismo de líderes que se desatualizam e os ressentimentos povoam a paisagem humana da vida política. Dentro dessa realidade, cumpre ao Presidente, antes de condená-la, compreendê-la e justificá-la. Ela reflete, naturalmente, um trecho de história sofrido e vivido por algumas de nossas gerações. É uma experiência que merece respeito e, em muitos casos, na atualidade, gera o que poderia chamar de conflito de entendimento. Por isso mesmo, não me falecem reservas de confiança.

Sem desprezar o passado, procuro realizar para o futuro. Sem desatender ao direito dos que divergem, insisto na análise mais profunda, para identificar a causa da divergência. Curvo-me, com a humildade de quem só deseja o melhor, ao ponto de vista que se ajuste mais às imposições de bem-estar e de progresso do país. Acredito – e o afirmo com sinceridade – no patriotismo de nossos homens públicos. Não haveria ração, nem isso se explicaria, em nosso estágio de civilização, para que as posições ideológicas brotassem da falta de convicção ou dos sentimentos indefinidos. Por isso mesmo, mantenho o coração limpo e a coragem cívica renovada em cada embate do governo: vivemos, em ângulos diferentes, a causa intemporal do amor à Pátria.

Continuarei a agir sob as inspirações da pacificação nacional. Sou dos que creem firmemente que sem oposição não pode haver democracia. Dentro dos quadros constitucionais, acolho quaisquer propósitos de fiscalização de meu governo. Colaboração e fiscalização honestas constituem deveres de meus opositores, que recebo como direitos do meu governo. O povo quer trabalhar em paz e em ordem, e o mandato que dele recebi traz-me a obrigação precípua de garantir-lhe paz, ordem e trabalho. Em tal sentido, atuam todas as minhas disposições. Ao fim de um ano de governo, da análise, que para mim faço, de meus atos e de meus propósitos, recolho um saldo de lutas e de realizações em prol do Brasil. Tenho minha consciência como travesseiro em que posso repousar tranquilamente a cabeça, nas noites que antecedem, como sempre, as madrugadas e dias de renovados trabalhos. 


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