Está nas mãos do Senado ajustar o texto do Projeto Antifacção para manter avanços e corrigir falhas que passaram no substitutivo do deputado Capitão Guilherme Derrite (PP-SP) aprovado na Câmara dos Deputados na terça-feira (18), defende o ex-senador, ex-secretário de Segurança Pública de Goiás e atualmente advogado criminalista, Demóstenes Torres.
Em entrevista ao editor-geral do Diário de Goiás, jornalista Altair Tavares, nesta quarta-feira (19) Torres disse que viu avanços, mas também apontou falhas, por exemplo, a falta de integração das inteligências para sufocar as atividades secundárias do crime organizado focado no tráfico de drogas, citando que essas atividades hoje são até mais rentáveis, e precisam também ser alvo de desmonetização.
Na entrevista, ele fala que a megaoperação contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro foi uma “humanização” e cita lacunas e restrições constitucionais. Ele aponta, por exemplo, a ausência de penas de prisão perpétua e pena de morte na Constituição Federal. Também observa que o processo de perdimento de bens não poderia ser determinado por órgãos investigativos, ou o Banco Central, entre outras instituições.
Leia a entrevista completa!
Altair Tavares – Como o senhor avaliou, até agora, o que foi aprovado na Câmara dos Deputados em relação ao Projeto Antifacções?
Demóstenes Torres – Eu avaliei positivamente, eu acho que tem algumas dúvidas constitucionais e alguns aprimoramentos se fazem necessários. Vai para o Senado, vai ter uma discussão, com certeza vai ter alterações, aí volta para a Câmara. Mas, tanto o projeto que veio do Governo Federal, quanto o substitutivo final do Derrite, foi melhor, porque ele começou com algumas, vamos chamar de ‘viagens’, mas acabou fazendo o correto, que era colocar coisas factíveis dentro da Constituição Brasileira.
Vamos lembrar que a Constituição Brasileira é muito restritiva, não permite pena de morte, não permite prisão perpétua, essas coisas. Então, não que eles estivessem tratando disso, mas ainda sobraram algumas coisas que podem ser derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal, embora aparentemente sejam justas, por exemplo, progressão para esses crimes de extraordinária gravidade a partir de 85% do cumprimento da pena. Então, o Supremo já disse lá atrás, em outras ocasiões, na lei dos crimes hediondos, por exemplo, que não permitia liberdade provisória, fazia uma progressão muito severa, então o Supremo derrubou isso, dizendo que a pena se exerce de forma progressiva.
Mas essa é uma avaliação, porque esse quantitativo também fica muito ao critério do julgador, e o Supremo hoje é muito mais rigoroso que naquela época, mas eu acho que, em qualquer caso, 85% não vai passar mesmo.
Altair Tavares – Agora, do que o senhor conhece do Senado, de Alessandro Vieira [relator escolhido para o PL], poderíamos ter muitas mudanças, então, como essas que o senhor, inclusive, apontou?
Demóstenes Torres – Podemos ter mudanças. É claro que há um sentimento que a gente vem falando sobre isso há muito tempo, que o crime organizado tomou conta do Brasil, [em] comunidades como a do Rio de Janeiro, as atividades econômicas agora previstas nessa lei, eles [criminosos] tomam conta. Desde vender gás, a sinal de TV a cabo, até proteção. É uma coisa absurda. Tomaram o Estado. Então, isso foi bom, porque a ação do [governador do Rio] Cláudio Castro, que eu chamo de ação humanitária, abriu os olhos do Brasil que as coisas estão acontecendo. Veja que essas Fintechs da Faria Lima, elas estavam lavando dinheiro, em grande parte, para o Comando Vermelho, para outras facções criminosas.
E a Fintech é uma coisa boa, especialmente porque desburocratiza. Mas quando a atividade é tomada pelo crime, a coisa fica insustentável. Então, acho que abriram-se os olhos para isso.
Eu vejo também dificuldade no perdimento administrativo dos bens, que é previsto dessa forma. Esse perdimento, em geral, se dá em razão da culpa, pode até ter uma venda antecipada, se houver absolvição. Depois o Estado retorna o dinheiro para quem foi lesado. Mas, isso por ordem da Justiça. Agora, os próprios órgãos investigativos, mais o Banco Central, mais outras instituições, poderem avançar no perdimento dos bens, eu acho temerário.
Eu acho que o ideal seria continuar no sistema atual. A polícia determina a venda. O perdimento também, porque na investigação ainda não se apurou a origem, se é lícita ou ilícita.
E, na dúvida, perde-se o bem. Essa também me parece uma questão preocupante do ponto de vista da constitucionalidade, porque do ponto de vista do benefício social, não há dúvida que ele existe.
Altair Tavares – Nesse item, a questão da repartição dos bens apreendidos, quem fizer a operação que houver sequestro de bens, poderia haver uma competição entre os entes atrás dos criminosos mais ricos?
Demóstenes Torres – Olha, se isso acontecer, seria bom, mas eu acho que os criminosos mais pobres, também se pegar os mais pobres, vai se chegar aos mais ricos. Alguém que esteja numa organização desse nível, sim, é claro que tem uma sofisticação em cima disso. O objetivo grande de asfixiar financeiramente essas organizações é muito bom.
Se não tem dinheiro circulando, naturalmente isso vai minguar. Vamos lembrar o seguinte: quando eu era secretário de Segurança Pública, o grande problema era o tráfico de drogas. Hoje, o tráfico de drogas para as organizações criminosas significa 15% de tudo que elas faturam, segundo avaliações. Porque elas lidam com combustíveis, elas lidam com incrementos agrícolas, lidam com tudo. Então, é importante que tenha essa integração de inteligência entre as polícias.
Isso eu não vi satisfatoriamente desenvolvido nesse projeto. Eu acho que o Senado poderia aprofundar nisso, porque essa contribuição é extraordinária. Bandido passa de um lado para o outro [do país] e a polícia não.
Então, essa flexibilização em termos de cooperação eu acho absolutamente necessária. Mas eu reputo, de qualquer forma, que é um avanço, que está se procurando o caminho e foi um avanço importante nesse primeiro momento. Você vê que prevê lá já o aumento de pena para quem usa drone [para fins criminosos].
Então, estudo é modernidade, não é? E, claro, daqui a pouco vai precisar de outra coisa para atualizar.
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