22 de dezembro de 2024
Mundo • atualizado em 13/02/2020 às 10:06

Professora morta no Havaí cativou no sorriso e com seu ‘famoso’ pão de mel

Um gato chamado Gordo andava cabisbaixo entre dezenas de arranjos de flores em uma casa de madeira ampla, mas sem luxo, duas quadras antes da comunidade de Kamiland, em North Shore, na ilha de Oahu, no Havaí. Gordo contorna um tênis e o cheira como se buscasse a dona.
O bichano de 19 anos era o “primeiro filho” da brasileira Telma Boinville, 51, brutalmente assassinada durante um assalto na última quinta-feira (7). Não apenas o felino circulava atônito.
O clima de luto e indignação está por toda a parte. O crime abalou a comunidade local, e a mobilização em busca dos assassinos foi tão grande que o casal Stephen Brown, 23 e Hailey Dandurand, 20, foi localizado e preso em menos de seis horas no carro roubado da vítima, ainda sujos de sangue e com o cartão de crédito dela no bolso.
Segundo o relatório policial, o corpo de Telma foi encontrado “em uma piscina de sangue”, e sua filha de oito anos estava amarrada e amordaçada em um outro quarto de uma casa de aluguel na qual ela, ocasionalmente, ajudava uma amiga com a limpeza.
Conhecida por ser o paraíso do surfe, North Shore (Costa Norte) tem uma comunidade brasileira unida e formada por gente que escolheu viver de forma simples, conectada com a natureza, em especial as ondas.
Ali, não é preciso perguntar muito para saber que a brasileira conhecida pelo sorriso largo e dotes de confeiteira era uma das mais queridas moradoras.
Não há quem não arregale os olhos ao citar seu famoso pão de mel entre uma lembrança e outra. “Era o melhor pão de mel do mundo e ainda era saudável. Ela era natureba, do tipo que fazia a própria pasta de dente”, lembra Claudia Lemos, 51.
“Eu achava que era sua melhor amiga, dividíamos a senha da internet para ver novelas do Brasil, eu sabia onde ela escondia a chave da casa, dinheiro, tudo menos a receita do pão de mel. Só agora descobri que as outras amigas também achavam a mesma coisa, porque ela era assim com todo mundo. Telma era muito autêntica, verdadeira e amorosa”, completa a ex-dupla de canoagem dela.
Dezenas de flores e bilhetes foram colocados no portão da casa na qual o corpo foi encontrado por turistas australianos que pagariam US$ 1.000 (R$ 3.300) a diária pela hospedagem.
MUDANÇA
Em 1992, aos 25 anos, Telma se mudou do Brasil para San Diego, na Califórnia, para fazer pós-graduação em Nutrição. Não gostou do curso e, dois anos depois, resolveu morar na cidade dos familiares do namorado da época, no Havaí, por onde se apaixonou pelo estilo de vida e nunca mais saiu.
Na ilha, casou-se com um salva-vidas americano, separou dois anos depois e há 12 morava com o havaiano de família grega Kevin Emery, com quem teve a filha em uma gravidez não planejada, mas muito comemorada, que veio aos 42 anos sem qualquer tipo de complicação.
Professora, Telma fazia bico de faxineira na semana em que foi morta. “Ela estava me ajudando recentemente [na limpeza] porque era mais divertido fazer isso com uma amiga e porque era um dinheiro fácil que a ajudaria nos planos de viajar para a neve com a filha no ano que vem”, diz Sabrina Folgosi, 38.
Telma, formada em educação física na Osec, em São Paulo, era professora substituta de língua inglesa na escola mais famosa da região, a Sunset Beach Elementary School, na qual estudou o campeão mundial de surfe John John Florence.
Telma era ainda responsável pelo aprendizado de crianças com necessidades especiais e tutora responsável pela adaptação e reforço escolar da maioria dos filhos de brasileiros que estudavam em North Shore, como o filho do publicitário Marcello Serpa, que antes de mudar com a família para Oahu alugava a casa na qual o crime aconteceu.
“Ela era um sorriso ambulante. Muito carinhosa, amiga de todas as turmas e fazia bolos maravilhosos”, diz ele.
PÔR DO SOL
Entre os alunos, o discurso é unânime: “Ela deixava tudo mais fácil”, diz Keale Lemos, 22. “Foi minha professora particular durante oito anos. Dava bronca se eu olhasse o celular na hora de estudar, mas fazia a matemática ficar mais simples. Sem ela eu jamais teria conseguido me formar”, diz o lutador de MMA Kona Oliveira, 19, que, em seus aniversários, só aceitava bolo feitos por Telma.
Surfista, ex-ginasta, ex-praticante de taekwondo, ioga e natação, Telma era amante dos esportes e da natureza.
Paulistana, cresceu na Vila Madalena, região oeste de SP e estudou no colégio estadual Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, o Max, no qual conheceu a intérprete de conferências Simone de Paula, 50.
Amigas desde os nove anos de idade, ela foi a responsável por avisar a família de Telma, no Brasil, sobre o crime.
“A mãe da Telma perdeu a própria mãe há poucos meses e um outro filho, com câncer de pâncreas, há 19 anos. Não foi fácil dar a notícia. Essa era uma época na qual minha amiga sempre vinha para o Brasil, mas, com a morte da avó, a passagem da mãe já estava comprada para as festas de final de ano no Havaí e agora ela chegou sem a filha”, diz.
Na adolescência, a amiga lembra que Telma adorava frequentar a praça do Pôr do Sol, no bairro onde morava, e andar de bicicleta no parque Ibirapuera.
“Ela já era apaixonada por natureza, todos os nossos finais de semana eram nas praias do litoral de São Paulo ou nas pistas de skate em Guaratinguetá e Jacareí.”
Nos últimos meses, Telma chegou a reclamar para alguns amigos sobre o aumento do movimento em North Shore. “Ela dizia que pensava em passar mais tempo do verão no Brasil porque não gostava do movimento dessa época do ano”, diz a amiga Paloma Andrea Marchetti, 44, que morou com Telma em 1997 e hoje vive em Florianópolis, onde é dona de uma doceria na qual vende o pão de mel que aprendeu a fazer com Telma.
MÃE
O gato Gordo nem se levanta quando a mãe de Telma, ex-professora de química e aposentada da reitoria da USP acompanha a reportagem até a porta.
Ela diz que pretende ficar no Havaí até fevereiro para acompanhar o julgamento e comemorar os nove anos da neta.
“A vida destes meninos e de seus familiares acabou. A dor que estou sentindo é imensurável, mas o orgulho pelo que minha filha era ninguém tira. Só quero que minha neta saiba disso”, diz a mãe, que pediu para não ter o seu nome divulgado.
A reportagem pergunta a outra amiga de Telma –e que prefere não se identificar– o que brasileira gostaria que a filha não esquecesse sobre a mãe: “Telma era uma mulher muito livre, independente, de personalidade forte, mas também muito amorosa, que adoçava a vida de todos, não apenas com seus pães e brigadeiros. Acho que ela ia querer que a filha soubesse disso”. (Folhapress)

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