Temas polêmicos estão sendo debatidos no Brasil e com isso a sociedade organizada começa a se posicionar. A pastoral Carcerária aprovou e reunião uma nota de repúdio sobre os projetos de terceirização e privatização de presidios no Brasil. Esses projetos estão sendo debatidos em todo o país.
Veja a nota na íntegra…
Privatizar o sistema prisional é manter a engrenagem de morte
Nos dias 29 e 30 de agosto de 2015, na cidade de Goiânia, capital de Goiás, ocorreu o Encontro Nacional sobre Encarceramento em Massa e Privatização do Sistema Prisional, reunindo as coordenações da Pastoral Carcerária de 24 estados mais o Distrito Federal e a coordenação e equipe de assessoria nacional. Contra toda e qualquer forma de privatização do sistema carcerário, a Pastoral Carcerária se posiciona nos seguintes termos:
“O Sonho de Deus, o mundo sem prisões” é o que norteia os trabalhos da Pastoral Carcerária em todo Brasil. Este profético e evangélico objetivo, alicerçado no programa de Jesus quando Ele proclama a “libertação dos presos” (Lc 4, 18), consiste na declaração conjunta de todas as Pastorais Carcerárias latino-americanas reunidas na República Dominicana em 2012. Não há trabalho pastoral sem uma intransigente e vigorosa defesa dos direitos humanos. O Documento de Aparecida nos lembra: “Assumindo com nova força essa opção pelos pobres, manifestamos que todo processo evangelizador envolve a promoção humana e a autêntica libertação ‘sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade’”[1]. Em Puebla, os bispos latino-americanos já nos alertavam: “A declaração dos direitos fundamentais da pessoa humana, hoje e no futuro, é e será parte indispensável de sua missão evangelizadora”[2].
O sistema carcerário é uma engrenagem de morte que atenta contra a promoção da dignidade humana e a construção de uma sociedade pautada pela justiça social. As prisões brasileiras são produtoras de violências, maus-tratos e torturas. Frente à precariedade das unidades prisionais do país, não são poucas as vezes que oportunistas surgem com soluções que acabam por aprofundar ainda mais o encarceramento em massa e as agressões às mulheres e homens presos. A privatização do sistema prisional, especialmente as Parcerias Público-Privadas (PPP’s) e os modelos de cogestão, representam a expansão das cadeias e o atendimento dos interesses de alguns grupos econômicos e políticos.
É absurda frente à Constituição Federal, conforme já apontamos na “Agenda Nacional pelo Desencarceramento”, a delegação da função punitiva do Estado. Além disso, “a punição não é atividade econômica e nem seria admissível que o fosse. A mercantilização da liberdade de pessoas fulmina, no limite, o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana”.
Se já é inconstitucional, a mercantilização da liberdade humana também é profundamente imoral. Auferir lucros a partir da tragédia alheia é um verdadeiro descalabro que o Estado e a sociedade brasileira não podem aceitar. Do contrário, teremos que assumir que a violência e a prisão são nichos de mercado, e que ao produzir lucratividade se tornam desejáveis na perspectiva de alguns grupos fortes o suficiente para produzir as condições que as propiciam. Além disso, a punição não é atividade econômica e nem seria admissível que o fosse e, no limite, significa a mercantilização da própria pessoa presa, transformando-a em uma commodity.
São explícitos os nefastos interesses econômicos e políticos na privatização do sistema carcerário. A título de exemplo, a empresa Umanizzare Gestão Prisional, responsável por oito unidades privatizadas na região Norte e Nordeste do país, doou R$ 750 mil para candidaturas ligadas à bancada da bala nas eleições de 2014[3], bancada esta que tem impulsionado diversos projetos de lei cuja consequência imediata é o aumento da população prisional, e o consequente aumento do potencial de lucro das empresas que gerenciam presídios. No caso do Presídio Privatizado de Ribeirão das Neves (MG), tão propagandeado pelos defensores da privatização do sistema prisional, o custo declarado por pessoa presa chega a ser mais de duas vezes maior do que o gasto oficial nos presídios públicos. É claro, obviamente, que todo o dinheiro é proveniente dos cofres públicos. A propalada eficiência e redução dos custos do setor privado é uma grande mentira.
Um indicador claro da relação entre a privatização e o encarceramento em massa pode ser observado no estado de Minas Gerais, estado que mais apostou na privatização e que foi também onde mais cresceu o número de presos e presas. A população carcerária aumentou mais 620% entre os anos de 2005 e 2012, muito acima da média nacional, que foi de 74% no mesmo período[4].
A Pastoral Carcerária reafirma sua posição de lutar contra toda e qualquer forma de expansão do sistema penal, seja qual for a sua forma de gestão. Neste sentido, na luta por um mundo sem cárceres, não há como apoiar, gerir ou administrar penas e presídios, uma vez que isso significa fortalecer o mesmo sistema que a Pastoral combate.
Frente a tudo o que foi dito, a Pastoral Carcerária, oposta a qualquer medida de ampliação do sistema prisional, se posiciona veementemente contra a privatização e contra as diversas formas de terceirização do sistema carcerário. O que colocamos em pauta é uma profunda política de desencarceramento e de redução dos males desumanizadores das prisões.
Dom Otacílio Luziano da Silva
Bispo Referencial da Pastoral Carcerária Nacional – CNBB
Padre Valdir João Silveira
Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária Nacional – CNBB
Padre Gianfranco Graziola
Vice- Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária Nacional – CNBB
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