A pressão dos parlamentares da extrema-direita e do Centrão para acabar com o foro privilegiado de autoridades promete continuar no fim de semana e avançar por vários dias, contexto que chama a atenção de advogados que militam na área, ouvidos pelo Diário de Goiás. Nos bastidores do Congresso Nacional a informação é de que já há um projeto rascunhado.
A iniciativa seria de deputados que querem acabar com o foro privilegiado para se livrar do Supremo Tribunal Federal (STF) e retardar processos, abrindo caminho para a votação do projeto prevendo anistia aos que participaram da tentativa de golpe de Estado.
A luz de alerta que pisca é: o fim desse privilégio – chamado pelos juristas de foro por prerrogativa de função – , é articulado pelos próprios congressistas justo quando aproximadamente 80 deles estão na mira dos ministros do Supremo por suspeita de desvio de emendas parlamentares.
Articulações preveem limitar alcance do Supremo e reforçar 1ª instância
Um levantamento feito pelo jornalista Leandro Demori, do ICL notícias, mostra que os partidos que mais têm parlamentares investigados por desvios nas emendas são PL, PP e UB – sendo que o primeiro liderou a ocupação da Câmara e foi apoiado pelos outros dois.
De acordo com a apuração do jornalista, a Polícia Federal instaurou cerca de 40 inquéritos de 2024 para cá para investigar desvios de emendas parlamentares. Além disso, existem 13 casos em apuração pela Procuradoria-Geral da República e mais 14 já sendo analisados no STF. Pela investigação do repórter, são em sua maioria políticos interessados em uma “tentativa continuada de golpe” contra o STF que vai prosseguir nos próximos dias.
Fontes do jornalista confirmam, além do rascunho do texto, que a negativa do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos/PB) de que tivesse feito acordo para pautar o fim do foro privilegiado, não bate com as tratativas para desocupar o plenário esta semana e que as articulações serão intensas este final de semana.
“O trabalho de bastidores é para, ou acabar totalmente com o foro privilegiado, ou drená-lo” de forma que haja uma “peneira” para que um número inexpressivo de parlamentares tenham seus julgamentos levados ao STF, em detrimento de uma maioria que seria blindada e julgada nas primeiras instâncias.
Além disso, a informação é de que o texto que está sendo costurado vai colocar travas para que os magistrados de primeiro grau tenham limitações quando os réus forem políticos com mandatos. (Confira ao final)
Especialistas alertam para impactos institucionais e democráticos
O Diário de Goiás ouviu dois advogados atuantes no Direito Eleitoral sobre o cenário de questionamento ao foro por prerrogativa, instituto jurídico que define o órgão competente para julgar crimes cometidos por autoridades.
O advogado da área de direito público e eleitoral, Rogério Paz, enfatiza que o foro especial devia ser visto não como um privilégio, “mas como uma garantia”. O problema, destaca ele, estava no acúmulo de processos que facilitavam a prescrição (extinção da punição), levando à situações flagrantes de impunidade.
O foro privilegiado para a sociedade é bom porque você tem, teoricamente, julgamentos mais rápidos” – Rogério Paz
Mas a forma com que o assunto vem sendo debatido é arriscada na opinião de Rogério Paz. “É ruim a gente trabalhar esse debate agora, nesse momento, porque tudo agora passa a ser circunstancial, de acordo com o que a gente vive nessa situação”, lamenta ele.

O especialista inclusive ressalta que, mesmo se o foro privilegiado for extinto, isso não deve beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na ação penal no STF, como muitos pensam. “Essa peleja toda envolvendo uma tentativa de blindar o Bolsonaro, está frustrada. Está frustrada porque o STF vai dizer que já iniciou o julgamento, já tem julgamento, então esse julgamento vai permanecer, é um posicionamento que o STF passou a adotar quando já se inicia o julgamento”, reforça.
Ou seja, se as regras e entendimentos de última instância levam a excluir Bolsonaro, então a articulação pelo fim do foro visa beneficiar os parlamentares que buscam fugir de condenações por desvios de emendas parlamentares, assunto que está avançado no STF, em grande parte julgado pelo ministro Flávio Dino.
“Pau que bate em Chico, bate em Francisco”, diz advogado
Para demonstrar como o tema é polêmico, Rogério Paz compara as situações do hoje presidente Lula – quando foi preso em regime fechado enquanto era julgado em 1ª instância -, com a do ex-presidente Bolsonaro – hoje em prisão domiciliar enquanto é julgado pelo Supremo.
“Estão dizendo que há pressa por parte do STF porque estaria perseguindo o presidente Bolsonaro. Mas quando era juiz de 1ª instância, Sérgio Moro, hoje senador, havia o mesmo pensamento, de que ele também perseguia [o Lula]. Então, pau que bate em Chico, bate em Francisco”, completou.
Advogada alerta para equilíbrio
A advogada especialista em Direito Eleitoral, Júlia Matos, enfatiza que o debate sobre o fim do foro privilegiado envolve questões institucionais relevantes. A advogada espera que o assunto seja tratado de forma equilibrada “entre a proteção institucional necessária e os princípios democráticos de isonomia, transparência e efetividade da Justiça”.

Ela lembra que o instrumento foi criado como uma proteção para o exercício de cargos públicos, evitar perseguições judiciais e pressões indevidas contra autoridades. “No entanto, ao longo do tempo, o foro por prerrogativa de função passou a ser associado à morosidade e à impunidade, já que os tribunais superiores, responsáveis por esses julgamentos, enfrentam limitações para conduzir processos complexos com agilidade”.
O fim do foro pode abrir espaço para ações motivadas politicamente ou para pressões locais que comprometam a atuação independente dos agentes públicos” – Júlia Matos
Para ela, o tema tem caminhos e soluções complexas e conflitantes. “A extinção do foro poderia trazer maior igualdade entre os cidadãos, permitindo que autoridades fossem julgadas pela Justiça comum, com processos potencialmente mais rápidos e eficazes. Por outro lado, também pode abrir espaço para ações motivadas politicamente ou para pressões locais que comprometam a atuação independente dos agentes públicos”, avalia.
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