Apesar de terem sido identificados indícios de omissão e negligência no sistema de Regulação de Goiânia, a secretária de Saúde da capital, Fátima Mrué, não deverá ser indiciada pela morte de duas pessoas por falta de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s). Durante cerca de duas horas a secretária prestou depoimento na Delegacia Estadual de Investigações de Homicídios (DIH) e apresentou documentos junto à Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO). Fátima não será responsabilizada criminalmente pela morte de pacientes.
A secretária foi chamada para depor na condição de testemunha. A Polícia Civil apurada as mortes de Julma Alves da Luz, de 65 anos, e de Isaura Ribeiro Galvão, de 59. Julma estava internada na UPA Geraldo Magela e Isaura Ribeiro no Cais da Chácara do Governador. As duas vítimas morreram por não ter sido direcionadas a leitos de UTIs.
A Comissão Especial de Inquérito (CEI) da Câmara Municipal de Goiânia encaminhou à DIH indícios de que haviam vagas disponíveis, mas que teria ocorrido uma seleção de pacientes. O responsável pelas investigações, delegado Rômulo Figueiredo de Matos, destacou que a secretária apresentou as guias de Autorização de Internação Hospitalar (AIH’s) dos dois casos apurados e outros documentos relacionados ao Sistema de Regulação. Fátima Mrué argumentou que nem sempre a disponibilidade de leitos corresponde à necessidade dos pacientes.
“Nós temos instituído processos de trabalho que evitam que distorções ocorram na prestação do serviço de Saúde em Goiânia. Os leitos de UTI’s, às vezes, não são exatamente para a necessidade daquele paciente. Há uma dificuldade nessa compreensão. Isso traz uma informação de quem vê a vaga e vê o paciente necessitando de uma UTI, e vale ressaltar que os pacientes que estão aguardando UTI são assistidos com equipamentos de estabilização, iguais aos que estão em leitos de UTI”, informou a secretária.
Rômulo Matos disse que dificilmente haverá algum tipo de punição do ponto de vista criminal para a secretária de Saúde, Fátima Mrué, e ao prefeito de Goiânia, Iris Rezende (MDB). O delegado relatou que primeiro será preciso comprovar se as mortes ocorreram pela ausência de vagas; conferir se realmente havia vaga disponível em leito de UTI para receber as pacientes; e se realmente as vagas foram negadas. O investigador afirmou que é preciso identificar se o ato foi doloso, culposo, e se realmente houve a seleção de pacientes.
“A secretária e o prefeito em âmbito criminal, acredito que não haverá qualquer responsabilização, até mesmo porque só podemos falar em responsabilidade criminal quando encontramos um nexo causal, ou seja, uma conduta que propiciou um resultado. Essa ligação nestes casos em concreto certamente não atingirá nem o prefeito, nem a secretária. A responsabilidade ficará entre um médico regulador ou o servidor, seja ele médico, diretor ou proprietário do hospital prestador de serviço, que eventualmente negou a vaga por motivo que não seja técnico. A recusa de internação pode ocorrer desde que seja dotada de critérios técnicos”, detalhou Rômulo Matos.
Próximas etapas
Conforme o delegado, o próximo passo da investigação será de ouvir a responsável pela Central de Regulação, além de colher informações junto aos médicos envolvidos no atendimento das pacientes e dos prestadores de serviço, para identificar se houve ou não seleção do usuários da rede pública de saúde, assim como se havia ou não a disponibilidade de vagas.
“A secretária nos apresentou todos os esclarecimentos que foram questionados. Uma vez que precisamos identificar os médicos reguladores que atuaram nos casos em concreto para assim aferir quais hospitais que foram acionados por ocasião da solicitação e se havia ou não a vaga naquele momento e, em caso de existência, o porquê da recusa. Nós precisamos compreender que cada paciente apresenta um perfil e esse perfil não permite que qualquer tipo de leito o receba, assim nós vamos ouvir os médicos da Central de Regulação para que nos informe quais hospitais prestadores de serviços que são conveniados ou credenciados”, explicou o delegado.
Rômulo Matos ressaltou ainda que com a documentação correta em mãos, será possível verificar quais os profissionais que atuaram diretamente nos casos. Na próxima sexta-feira (25) deverá ser ouvida a representante da Central de Regulação, Márcia Ribeiro, para que seja esclarecido o trabalho de médicos reguladores.
Desobediência
Fátima Mrué chegou ao complexo das delegacias especializadas na Cidade Jardim por volta de 9h40 e saiu por volta de 11h40. Ela esteve acompanhada do advogado Carlos Macedo e de alguns assessores da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia.
O delegado voltou a dizer que o procedimento de internação precisa ter mais transparência. Rômulo destacou que o processo de encaminhamento deveria ter maior responsabilidade para o médico regulador e não para a unidade que o receberia, dando margem para critérios não técnicos para se fazer escolhas.
Na última segunda-feira (21) o delegado Rômulo Matos chegou a reclamar que Fátima Mrué havia adiado por duas vezes a data do depoimento e não teria encaminhado as informações conforme solicitado pela Polícia Civil. No entanto, segundo o delegado, as solicitações foram atendidas e que não há motivos para alimentar uma discórdia.
“Em relação à secretária, ela compareceu bem intencionada. Apresentou todos os documentos que foram solicitados. Justificou as suas ausências. Então por parte da Polícia Civil não temos qualquer interesse em alimentar uma eventual discórdia, até mesmo porque o crime de desobediência só existe se a parte contrária não tiver interesse em colaborar com a Justiça. Vimos que a secretária tem este objetivo”, afirmou o responsável pelas investigações.
Fátima Mrué disse que as informações foram levadas à Polícia Civil de acordo com o que havia sido solicitado e destacou que em nenhum momento houve desobediência.
“Nós encaminhamos prontamente as informações por escrito, oficialmente hoje quando nós entregamos a ele”, explicou Fátima Mrué. O advogado da secretária, Carlos Macedo, também reforçou que a gestora não faltou ao depoimento e que ela é testemunha. A secretária disse que foi “um equívoco e que o depoimento estava previsto para hoje (22 de maio) mesmo”.
Carlos Macedo declarou ainda que as informações pedidas pelo delegado já haviam sido encaminhadas, mas não conseguiram identificá-las. Segundo o advogado, a documentação relativa à melhora do Sistema de Regulação será oportunamente encaminhada ao delegado.
Outros casos
Além dos casos de Julma e Isaura, a CEI encaminhou à PC-GO outros dois fatos relativos a mortes de usuários da saúde pública de Goiânia por faltas de UTIs. Trata-se da morte de Silvano Pereira Valverde, que ocorreu em 21 de abril de 2017, e da menina Ana Júlia, que faleceu em 18 de agosto de 2017. Sobre estes casos, o delegado disse que ainda não há solicitação formal para que os outros casos sejam investigados.
Reclamação
A secretária reclamou que não estão sendo divulgadas informações relativas à melhora nas unidades de Saúde na capital. Ela argumentou que aos poucos a população percebe e que há sinais evidentes de como a ampliação de equipes do Saúde da Família e a mais baixa letalidade nos índices de H1N1 desde 2013. Fátima Mrué comentou que há uma “insistência de informações negativas” desde o início da gestão.
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