O carioca Paulo Guedes, 69, esteve alijado do centro de poder do país nas últimas quatro décadas e ficou milionário apostando contra ou a favor dos planos econômicos forjados por outros.
A partir de 1º de janeiro, ele finalmente terá a chance de colocar em prática suas ideias liberais de abertura do mercado, redução do tamanho do Estado e privatizações como o “superministro” da Economia de Jair Bolsonaro (PSL).
Quando voltou ao país, em 1978, depois de concluir o doutorado na Universidade de Chicago, Guedes estava ansioso para aplicar o que aprendera. Um dos profissionais mais brilhantes de sua geração, já dominava como poucos os instrumentos da macroeconomia.
Só que, à época, o país tinha mentalidade estatizante e havia pouco espaço para suas ideias. Acabou não seguindo carreira acadêmica em razão de brigas entre os grupos da PUC do Rio e da FGV.
Ao contrário do que ele próprio havia imaginado, seu destino foi o mercado financeiro.
“Paulo saiu de Chicago pronto para ajudar a tocar o governo, mas não teve chance. Só por isso consegui levá-lo para o mercado”, relembra o ex-banqueiro Luiz Cesar Fernandes.
De saída do Banco Garantia, que pertencia ao hoje bilionário Jorge Paulo Lemann, Cesar convidou Guedes para se tornar o economista-chefe de sua nova empreitada -a Pactual DTVM, que depois se transformou no Banco Pactual.
Criada em 1983, a corretora ganhou esse nome por causa dos sócios fundadores: P de Paulo Guedes, A de André Jacurski (que era diretor-executivo do Unibanco) e C de Luiz Cesar Fernandes. Havia também um quarto sócio, Renato Bromfman, que presidia a distribuidora do Credibanco.
Em pouco tempo, Jacurski e Guedes se tornariam lendas do mercado. Pessoas que conviveram com eles utilizam um metáfora futebolística para descrevê-los. Guedes era o “Zico”, o armador do time, e Jacurski, o “Romário”, o goleador.
A função de Guedes era traçar a estratégia de investimentos da corretora, baseada em palpites certeiros dos rumos da economia. Já Jacurski utilizava aquela base para montar as posições na Bolsa. Juntos, ganhariam muito dinheiro.
A primeira goleada do Pactual foi marcada contra o Plano Cruzado, implementado no governo Sarney e que congelou os preços na tentativa de debelar a hiperinflação.
Guedes dizia que aquela aposta heterodoxa não ia dar certo porque deixava “pontas soltas”. Batia duro nos autores do plano –João Sayad, Edmar Bacha, Persio Arida e André Lara Resende, desafetos desde os tempos da academia.
Com as prateleiras dos supermercados vazias, o congelamento foi abandonado. A crise foi tamanha que o Brasil declarou moratória da dívida externa em 1987. O Pactual, que ainda era um banco pequeno, quadruplicou seu patrimônio.
O próximo alvo foi o Plano Collor. Eleito em 1989, Fernando Collor de Mello escolheu Zélia Cardoso como ministra da Economia e Ibrahim Eris como presidente do Banco Central. Guedes conhecia bem as ideias de Ibrahim e disse aos seus colegas que não se espantaria se ele fizesse um confisco.
Jacurski então aplicou o capital do banco em títulos de empresas exportadoras, que tinham receita em dólar fora do país. Quando Collor confiscou a poupança, em 16 de março de 1990, os investimentos do Pactual estavam protegidos.
Com a expansão do banco, Guedes assumiu a renda fixa e contratou uma turma jovem para ajudá-lo. Saiu de suas asas boa parte da segunda geração do Pactual, como André Esteves, hoje um dos donos do BTG Pactual, e Gilberto Sayão, sócio da Vinci Partners.
As relações entre Guedes e Esteves -ambos de temperamento forte- não são as melhores atualmente, mas o banqueiro já disse a amigos que o futuro ministro é o “o melhor economista de farol alto” que conhece. Por “farol alto”, Esteves quer dizer aquele que enxerga longe na economia.
No Plano Real, em 1994, Guedes inverteu a mão e cravou que iria dar certo.
Os autores eram seus antigos rivais -Arida, Lara Resende e Bacha-, mas mesmo assim ele não se fez de rogado. Guedes entendeu que seria necessário elevar os juros e atrair um montanha de capitais para estabilizar a moeda.
Com esse diagnóstico, Jacurski de novo entrou em cena. Não só vendeu dólares como fez uma imensa aposta que é conhecida no mercado como “carrego”: pegar dinheiro emprestado lá fora pagando 1% a 2% ao ano de juros e comprar títulos do Tesouro no Brasil, que remuneram à taxa Selic.
Guedes e Jacurski não podiam ter acertado mais. A Selic bateu em estratosféricos 45%, e instalou-se a âncora cambial, que mantinha o real em paridade com o dólar. Foi o maior lucro da história do Pactual.
Guedes enriqueceu, mas nunca gostou de ostentar. Não faz questão de relógios caros ou iates. O surrado paletó parece o mesmo há anos.
Ele gosta de exibir sua inteligência, inebriando as audiências de suas palestras, e é também um polemista, que quer vencer todas as discussões. Os inimigos o acusam de arrogante, os mais próximos dizem que ele é veemente.
Os sócios se separaram em 1998. Cesar queria que o Pactual entrasse no varejo e fez uma frustrada tentativa de adquirir o BCN. Guedes e Jacurski foram contra, saíram e fundaram a JGP Investimentos.
E começaram acertando. Ainda na campanha de reeleição de FHC, naquele mesmo ano, Guedes previu uma maxidesvalorização do real.
Depois das crises asiática (1997) e russa (1998), o economista observava a queda das commodities e a redução do fluxo de capitais e percebeu que não dava para continuar queimando reservas para manter a paridade real e dólar.
Na época, Guedes disse à equipe da JGP: Gustavo Franco vai deixar a presidência do BC (ele pediu demissão em 13 de janeiro de 1999), vai haver uma maxidesvalorização do real (o dólar saltou de R$ 1 para R$ 2 dois dias depois), mas o efeito na economia real não será tão grande assim.
E recorreu a uma de suas metáforas: “Vai ser uma bomba, mas no fundo do mar”.
Jacurski e sua equipe compraram títulos de exportadoras e papéis atrelados ao dólar e, de novo, ganharam dinheiro.
Mas a trajetória de Guedes como financista não é feita só de vitórias. Foi na época da JGP que se agravou um problema que já vinha desde do Pactual: o economista estava apostando uma fatia de sua fortuna num mercado altamente especulativo -o “day-trade” do índice Bovespa- e perdendo muito dinheiro.
Segundo experientes operadores que o conhecem, esse ramo exige qualidades opostas às de Guedes. Não dá para brigar com o mercado e é preciso frieza e humildade para desmontar posições equivocadas. E o futuro ministro é do tipo que vai até as últimas consequências por suas ideias.
Em 2006, Guedes deixou a JGP e encerrou uma sociedade de 23 anos com Jacurski. Ambos se recusaram a dar entrevista para esta reportagem.
Foi um período complicado para Guedes, que se reencontraria na fundação da BR Investimentos em 2008. Nessa fase, ele voltou a fazer o que sabe melhor: prever tendências e aplicá-las à economia real. Nessa época, repetia outra de suas máximas: “O Brasil é o paraíso dos rentistas e o pesadelo dos empreendedores”.
Guedes tinha experiência com investidor na área de educação. Ao mesmo tempo que atuava no Pactual, havia comprado anos antes, com Claudio Haddad (ex-banco Garantia), a marca Ibmec e as atividades de ensino do instituto. Em 1984, o Ibmec foi pioneiro a trazer para o Brasil os cursos de MBA.
Na BR Investimentos, Guedes decidiu apostar de novo em educação. Captou R$ 360 milhões para comprar pedaços de empresas do setor e ajudá-las a acelerar seu crescimento e depois abrirem capital na Bolsa. As estrelas do portfólio foram a Abril Educação e a Anima Educação.
Em 2013, a empresa mudou de nome para Bozano Investimentos. Guedes, porém, vai vender sua participação para comandar a área econômica de Bolsonaro. (Com informações da Folhapress, Raquel Landim)
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