05 de dezembro de 2025
Saúde Suplementar • atualizado em 03/10/2025 às 14:26

Planos de saúde ampliam lucros e negam tratamentos, denuncia o médico José Ramalho

Em entrevista ao Diário de Goiás, Ramalho denunciou que a recusa de tratamentos deixou de ser pontual e passou a ser uma estratégia sistemática das empresas
O neurocirurgião José Ramalho, presidente da Aliança Nacional em Defesa da Ética na Saúde Suplementar, denuncia abusos e defende mudanças no setor. Foto: Diário de Goiás.
O neurocirurgião José Ramalho, presidente da Aliança Nacional em Defesa da Ética na Saúde Suplementar, denuncia abusos e defende mudanças no setor. Foto: Diário de Goiás.

A escalada de denúncias contra operadoras de planos de saúde tem ganhado repercussão nacional e agora chega ao plenário da Assembleia Legislativa de Goiás (ALEGO). No próximo dia 15 de outubro, uma audiência pública convocada pelo deputado estadual Cairo Salim (PSD) vai debater os abusos das operadoras, a negativa de atendimentos e os casos de erros médicos que têm levado pacientes à Justiça e, em alguns casos, a graves sequelas.

O estopim para o debate foi a denúncia do empresário Márcio Lima, que afirma ter sido vítima de abandono médico após uma cirurgia realizada pelo neurocirurgião Tiago Vinicius Silva Fernandes, credenciado à operadora Hapvida. O caso, que já está sendo investigado por órgãos de controle, mobilizou pacientes e familiares em busca de maior fiscalização do setor.

A audiência contará com representantes do Ministério Público de Goiás (MP-GO), Tribunal de Justiça (TJGO), Conselho Regional de Medicina (Cremego), OAB-GO, Procon estadual e municipal, além de usuários de planos de saúde. Também terá presença de especialistas como o neurocirurgião José Ramalho, presidente da Aliança Nacional em Defesa da Ética na Saúde Suplementar (ANDESS), uma das vozes mais firmes na cobrança de mudanças estruturais no setor.

Lucros em alta, assistência em queda

Em entrevista ao Diário de Goiás, Ramalho denunciou que a recusa de tratamentos deixou de ser pontual e passou a ser uma estratégia sistemática das empresas. Segundo ele, as negativas de cobertura e limitações de terapias são conduzidas por empresas terceirizadas e, muitas vezes, por pessoas sem formação médica, o que configura, segundo ele, exercício ilegal da profissão.

O médico aponta ainda um contraste: enquanto pacientes sofrem para garantir direitos básicos, as operadoras vêm batendo recordes de lucro. “No ano passado, o aumento foi de 271% do lucro líquido. Só no primeiro semestre deste ano, já superamos em 20% todo o resultado do ano passado”, destacou.

Para Ramalho, essa lógica transforma o paciente em moeda de cálculo financeiro. “Um paciente com câncer que precisa de terapias pode ter seu tratamento limitado a pacotes impostos pelo plano, desconsiderando a indicação médica. Isso é desumano”, afirmou.

Caso Márcio Lima não é isolado

Embora evite comentar diretamente a denúncia envolvendo Márcio Lima, em respeito ao sigilo ético, Ramalho frisou que a situação relatada não é isolada. Segundo ele, relatos semelhantes chegam de diferentes estados, envolvendo as mesmas operadoras. “A operadora em questão tem uma metodologia de limitação de gastos e verticalização. O que Márcio viveu é parte de um problema recorrente em todo o país.”

Falta de fiscalização

Outro ponto levantado pelo presidente da ANDESS é a omissão das entidades fiscalizadoras, como conselhos de medicina e agências reguladoras. Segundo ele, denúncias de morte de pacientes por negativa de atendimento são arquivadas sem investigação adequada. “O corporativismo tem ficado acima da vida. É inaceitável”, criticou.

Propostas e CPI da Saúde Suplementar

A entidade liderada por Ramalho articula a criação de uma CPI da Saúde Suplementar no Congresso Nacional, já com apoio de parlamentares federais. Além disso, a ANDESS desenvolve o projeto Procon Saúde, que visa fortalecer a atuação de órgãos de defesa do consumidor no enfrentamento às operadoras.

“O nosso objetivo é moralizar o setor. Não podemos continuar permitindo que pessoas sofram sequelas ou morram para sustentar o lucro de empresas de saúde. Isso precisa mudar”, concluiu.

Entrevista José Ramalho

Altair Tavares — Doutor José Ramalho, o que está acontecendo em relação ao atendimento a pacientes dos planos de saúde?
José Ramalho
— O que existe é a sistematização da negativa de tratamento de pacientes que pagam pelos planos de saúde. Muitas vezes, essas negativas são feitas por profissionais que sequer têm formação em medicina. A auditoria médica é um ato médico, e quando feita por quem não tem essa formação, configura exercício ilegal da profissão.

Altair Tavares — Isso é uma realidade apenas em alguns planos ou é generalizado?
José Ramalho
— Infelizmente, é generalizado. Muitas operadoras utilizam auditorias automatizadas e não há contato direto do auditor com o médico assistente. O papel do médico-auditor não pode ser gerar economia para a empresa, mas sim garantir o melhor tratamento ao paciente.

Altair Tavares — O senhor citou lucros recordes. O que explica essa disparidade?
José Ramalho
— No ano passado, o lucro líquido das operadoras cresceu 271%. Só nos primeiros seis meses deste ano já superou em 20% o total de 2024. Esse lucro vem da imposição de barreiras e pacotes de tratamento que não respeitam a indicação médica.

Altair Tavares — Há setores mais atingidos?
José Ramalho
— Sim. Pacientes com câncer, doenças na coluna e crianças que precisam de terapias individualizadas. Justamente os casos mais graves e de maior custo.

Altair Tavares — E como o senhor avalia o caso do empresário Márcio Lima?
José Ramalho
— Pela questão ética não posso comentar detalhes. Mas destaco: o que ele relatou não é isolado. Essa operadora já recebeu denúncias semelhantes em outros estados.

Altair Tavares — Onde está a falha principal?
José Ramalho
— Na omissão das entidades fiscalizadoras. Denúncias não prosperam, casos de morte não são devidamente investigados. O corporativismo, muitas vezes, está acima da vida.

Altair Tavares — Há soluções no horizonte?
José Ramalho
— Sim. Estamos articulando a CPI da Saúde Suplementar e já temos apoio no Congresso. Também criamos o Procon Saúde, para dar suporte a consumidores e provocar o Ministério Público e a Justiça. O setor precisa ser moralizado, e esse é o nosso papel.


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