O ex-executivo da TV Globo vinha sendo citado no escândalo de corrupção da Fifa como um agente-chave no esquema de distribuição de propina a cartolas aparece como o destinatário de US$ 1 milhão na contabilidade secreta da Torneos y Competencias, recém-revelada no julgamento em Nova York.
Nos documentos da empresa argentina que estava no centro da distribuição do dinheiro ilícito, “MCP” é Marcelo Campos Pinto, que antes negociava a compra de direitos de transmissão esportiva para o grupo de TV brasileiro.
José Eladio Rodríguez, a testemunha da acusação que era responsável pela execução das transferências da Torneos, não entrou em detalhes sobre essa remessa, não deixando claro o motivo dele ter realizado esse suposto pagamento.
O nome Globo aparece uma série de vezes nessas mesmas planilhas como crédito e não débito, mostrando quanto a emissora pagou ao longo dos anos pelos direitos de transmissão de campeonatos como a Copa Libertadores e a Copa América.
Esses pagamentos totalizam pelo menos US$ 12,8 milhões, mas também não está claro se os valores marcados como Globo eram propina ou se entravam de forma legítima no fundo paralelo que depois era usado para irrigar a rede de propina dos cartolas.
Outra sigla também marcou as discussões de mais um dia de julgamento. Enquanto “MCP” indica o executivo da Globo, “MP” era Marco Polo Del Nero, atual presidente da CBF, que vem sendo citado pela testemunha como um dos que receberam propina.
Rodriguez disse, num primeiro momento, que as duas siglas se referiam a Del Nero, mas depois, quando questionado pelos promotores americanos, disse que “MCP” era uma alusão a Campos Pinto.
Toda a discussão em torno das iniciais “MP” foi levantada pela defesa de José Maria Marin, o ex-presidente da CBF que está sendo julgado agora pela Justiça americana.
James Mitchell, advogado do réu brasileiro, apontou uma série de vezes que as remessas nas planilhas de propina destinadas a seu cliente eram identificadas como “brasilero”, termo no singular, dando a entender que as transferências iam só para Del Nero, e não para Marin.
Mas a testemunha voltou a dizer que, quando anotava “MP”, fazia uma referência aos dois brasileiros, Del Nero e Marin. Nas palavras dele, eles “eram um só, viviam juntos, sempre os via juntos”.
Essa confusão também aparece nos e-mails de Rodriguez. Numa série de mensagens que mandou como lembrete para seu próprio endereço eletrônico, o ex-executivo da Torneos listava pagamentos a serem divididos entre Marin e Del Nero, entre esses uma transferência de US$ 3 milhões de junho de 2013.
No mesmo dia, no entanto, a testemunha volta a mencionar a remessa, mas usando para ela as iniciais “MP”.
Mitchell, o advogado de Marin, também voltou a questionar Rodriguez sobre a destruição de arquivos nas sedes da Torneos y Competencias em Buenos Aires e Montevidéu, algo que a defesa do brasileiro já havia levantado no depoimento de Alejandro Burzaco, ex-dono da firma.
Uma estratégia da defesa de Marin é jogar dúvida sobre o acordo de delação premiada fechado pela testemunha com autoridades americanas, lembrando que, dos US$ 5 milhões que Rodriguez acumulou em seus anos como executivo da Torneos, só US$ 675 mil foram entregues aos EUA.
Rodriguez contou então que soube da prisão dos cartolas em maio de 2015 em Zurique, episódio que detonou a investigação da Justiça americana, por um telefonema de Burzaco e que o ex-chefe havia dado ordens para executar o plano elaborado de antemão, que era destruir tudo caso houvesse investigação.
Ele então deu detalhes da operação, que envolveu dez funcionários da empresa, e contou ter visto sacos cheios de documentos triturados no escritório em Buenos Aires.
Procurado pela reportagem, Marcelo Campos Pinto não respondeu até a publicação deste texto.
Del Nero classificou o depoimento de Rodriguez como contraditório e reafirmou que não era o presidente da CBF na época.
“Com referência à citação feita pelo delator premiado José Eladio Rodriguez na Corte de Justiça do Brooklin, Nova York, EUA, o presidente da CBF, Marco Polo del Nero, reitera que o depoimento do Sr. José Eladio Rodriguez se mostra contraditório, confuso e inverossímil, eis que afirma sequer saber quem era o presidente da CBF à época dos fatos ou identificar o significado de supostas iniciais lançadas em uma determinada planilha. Reitera definitivamente que não assinou nenhum contrato objeto das investigações seja pela CBF, entidade da qual não era o presidente à época, seja pela Conmebol, onde nunca exerceu nenhum cargo. Por fim, reafirma que nunca participou, direta ou indiretamente, de qualquer irregularidade ao longo de todas atividades de representação que exerce ou tenha exercido”, disse nota enviada por sua defesa.
O Grupo Globo afirmou que nunca teve conhecimento de pagamento de propina, mas não negou que possa ter ocorrido.
“Sobre a afirmação de uma testemunha no julgamento que acontece em Nova Iorque, de que o ex-diretor do Grupo Globo, Marcelo de Campos Pinto, recebeu em 2013 pagamento de uma empresa do Grupo Torneos y Competencias, que atua na área de marketing esportivo, o Grupo Globo esclarece que nunca teve conhecimento de tal pagamento. Caso tal pagamento tenha ocorrido, foi, evidentemente, contrário aos interesses da empresa. O Grupo Globo reafirma que não tolera nem paga propina”, disse por meio de nota.
Os advogados de Marin só se pronunciarão após o julgamento. O ex-presidente da CBF se declarou inocente das acusações de extorsão, fraude e lavagem de dinheiro.
(FOLHA PRESS)
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