Feita para assegurar a extensão dos direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para trabalhadores domésticos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que ficou conhecida como PEC das Domésticas, foi promulgada há exatamente um ano. Ela garante que o salário de profissionais que trabalham em residências não pode ser inferior ao mínimo, e estabelece a jornada de trabalho de até 8 horas diárias e 44 horas semanais para faxineiras, jardineiros e babás, por exemplo. No entanto, muitos direitos reivindicados pela categoria seguem, até hoje, sem regulamentação.
A PEC, que chegou a ser comparada à Lei Áurea pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi objeto de ampla discussão no Congresso Nacional. Depois da promulgação, em 2 de abril de 2013, o Senado criou o Projeto de Lei (PLS) 224/2013 para regulamentar direitos que ficaram fora do texto. O PLS foi aprovado com modificações em relação à proposta original, como o fim da multa de 40% em caso de demissão sem justa causa e também com mudanças no pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). De acordo com o PLS, o pagamento deve ser feito por empregadores e empregados, de forma conjunta, na proporção de 8% de FGTS, 8% de INSS, 0,8% de seguro contra acidente e 3,2% relativo à rescisão contratual.
Desde julho do ano passado, o projeto está parado na Câmara dos Deputados. Hoje (2), representantes dos trabalhadores domésticos estiveram na Câmara para registrar o aniversário de um ano da promulgação da PEC e cobrar que o projeto que assegura outros direitos seja discutido em plenário. A presidenta da Associação Brasiliense das Empregadas Domésticas, Trabalhadoras e Trabalhadores do Lar do Distrito Federal e Entorno, Samara da Silva, criticou a paralisação da tramitação: “Nós vivemos em uma sociedade que não tem igualdade de direitos, por sermos negras e pobres, acham que nós não temos direito a ter um emprego digno, mas nós queremos ser valorizadas”.
A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que trabalhou como empregada doméstica por mais de 15 anos, espera que o Projeto de Lei Complementar 302/2013, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico, seja votado ainda este mês. Ela relatou que o assunto foi abordado em reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e com os líderes dos partidos da base aliada do governo. De acordo com a deputada, há o entendimento de que o projeto deve ser votado neste mês. “Nós queremos que este Congresso possa votar a matéria. E queremos que seja votada com as emendas que cada um dos parlamentares apresentar para resgatar aquela mensagem que saiu da Câmara dos Deputados e que sofreu significativas mudanças no Senado”, acrescentou.
Benedita da Silva criticou a mudança no FGTS da categoria e defendeu a revisão do texto aprovado pelo Senado: “A flexibilização que veio do projeto para a proteção do empregador é prejudicial para a trabalhadora doméstica, ela vai ter problemas. Você vai ter brechas e o empregador não precisará cumprir todos esses direitos que já são constitucionais”. Para ela, “Ninguém vai aceitar que a trabalhadora ganhe diferente, descanse diferente, tenha os direitos diferentes. Trata-se de uma regulamentação de direitos que não podemos mais protelar”, defendeu.
A empregada doméstica Samara da Silva defendeu a aprovação de medidas que beneficiem sobretudo as trabalhadoras domésticas, como adicional para trabalho noturno, salário-família e garantia de assistência a dependentes de até cinco anos de idade, em creches e pré-escolas. As mulheres conformam a maior parte dessa categoria, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011. Dos 6,6 milhões de trabalhadores domésticos existentes no Brasil à época, 92,6% eram mulheres.
Já o presidente do Instituto Doméstica Legal, Mário Avelino, espera que a lei aprovada seja equilibrada e garanta direitos de trabalhadores e empregadores, bem como melhores serviços. “Precisamos fazer Justiça e garantir a isonomia dos direitos do empregado doméstico, em relação aos demais empregados do país, mas o empregador não é uma empresa que tem fins lucrativos, por isso devemos aprovar uma lei que seja exequível”, defendeu. O instituto, responsável pela “comemoração”, avalia que as regras já em vigor promoveram mudanças, aumentando a quantia de empregos formais nas regiões Norte e Nordeste, embora tenham gerado aumento do contrato de serviços de diaristas ou de lavanderias, nos locais em que a formalização já existia, como nas regiões Sudeste e Sul.
De acordo com o estudo O Emprego Doméstico no Brasil, elaborado em 2013 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), nas regiões Sudeste e Sul estavam os menores percentuais de mensalistas sem carteira assinada, registrados em 2011: 37,5% e 32,3%, respectivamente. Mas nessas regiões também estavam os maiores percentuais de diaristas: 31,9% no Sudeste e 40%, no Sul.
O estudo aponta que naquele ano o rendimento médio real por hora das trabalhadoras domésticas era R$ 4,39. Mas, de acordo com o Dieese, apesar da aprovação da PEC das Domésticas no ano passado, para que a desigualdade no acesso aos direitos básicos seja superada é preciso romper a barreira cultural que restringe o acesso da categoria a um emprego digno, como a associação da atividade ao trabalho escravo e a ideia de que as atividades desenvolvidas no lar não são atividades produtivas.
A presidente ainda não se manifestou sobre o assunto, mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo “não teme qualquer investigação contra a empresa”. (AB)
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