Os projetos recentemente aprovados ou em avanço no Congresso Nacional que ampliam despesas obrigatórias sem indicar fonte de custeio, causam grande preocupação aos prefeitos que pagarão essa conta. Na lista: aposentadoria especial, pisos salariais, adicionais e expansão de vagas na educação infantil.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) aponta que faltou compromisso com a responsabilidade fiscal e que deputados e senadores “fizeram favor com chapéu alheio”.
O conjunto de medidas pode levar centenas de prefeituras ao colapso fiscal. Um levantamento da CNM estima que apenas as propostas em discussão nesta semana somam mais de R$ 100 bilhões de impacto aos cofres municipais ao longo dos próximos anos.
Entidade que representa 5,1 mil prefeituras, a CNM denuncia que o Congresso “desrespeita” a Emenda Constitucional 128/2022, que proíbe a criação de despesas sem a definição de receitas. Desde o dia 26, em seu portal, a confederação alertava sobre as “pautas-bomba” no Congresso.
Pautas-bomba no Congresso: projeto dos ACSs é crítico, aponta CNM
Uma das aprovações mais críticas foi a do Projeto de Lei Complementar (PLP) 185/2024, que cria aposentadoria especial para Agentes Comunitários de Saúde (ACSs). O projeto traz prejuízos ainda mais preocupantes do que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 14/2021, que também versa sobre o tema. “O PLP representa um potencial impacto de R$ 103 bilhões aos Municípios ao elevar o déficit atuarial dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que atualmente já supera a marca de R$ 1,1 trilhão”, divulgou a CNM em nota.
A CNM reconhece a relevância dos ACSs, mas alerta que o PLP não apresenta mecanismos de compensação financeira e “transfere integralmente aos Municípios o ônus de benefícios exclusivos a uma única categoria”, reclama a CNM.
Os prefeitos alegam que pode faltar recurso para custear serviços básicos caso o Congresso continue a criar despesas sem elevar as receitas municipais.
“É urgente que o Congresso atue com visão federativa, diálogo e responsabilidade fiscal. Os municípios não podem continuar arcando sozinhos com políticas criadas sem planejamento e sem financiamento”, afirma o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, conforme publicou o portal Congresso em Foco no sábado (29).
A Confederação classifica as “pautas-bomba” como medidas de forte apelo eleitoral às vésperas de 2026, ano em que a maioria dos deputados e senadores tentará a reeleição ou concorrerá a outros cargos. De acordo com o portal, os prefeitos preparam corpo a corpo na Câmara para impedir que as propostas sejam aprovadas em definitivo.
Atualmente tramitam no Congresso mais de 350 projetos de criação ou reajuste de pisos salariais. A CNM estima que se forem aprovados apenas 33 desse bolo, o impacto nos municípios chegaria a R$ 43 bilhões por ano.
E o PLP dos ACSs é justamente o que está mais evidência, após ter sido aprovado por unanimidade no Senado Federal e seguir para a Câmara dos Deputados.
O que as regras estabelecem:
- Poderão se aposentar os ACSs homens aos 52 anos, com 20 anos na atividade;
- Poderão se aposentar as ACSs mulheres aos 50, com o mesmo tempo;
- Poderão se aposentar os ACSs com 15 anos na função + 10 anos em outra ocupação;
- Pensão por morte com integralidade;
- Aposentadoria por incapacidade permanente;
- Contagem especial de tempo, inclusive de atividade sindical;
- Prazo de 120 dias para estados e municípios adaptarem suas leis.
Por isso, a previsão é de potencial impacto de R$ 103 bilhões ao elevar o déficit atuarial dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que atualmente já supera a marca de R$ 1,1 trilhão.
A CNM aponta que o déficit atuarial resulta do cálculo de longo prazo (normalmente 75 anos) que compara o valor presente das futuras despesas previdenciárias com o valor presente das receitas projetadas. Na prática, isso representaria o montante que seria necessário ter em caixa atualmente para garantir o pagamento dos benefícios ao longo das próximas décadas.
União também reage contra
Não só os prefeitos estão prevendo prejuízos severos. O governo federal ameaça ir até a Justiça caso a proposta seja confirmada pelos parlamentares.
O projeto foi incluído na relação das pautas-bomba em tramitação no Congresso pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), em meio a uma disputa de poder. Ele foi incluído horas depois que o presidente Lula o desagradou ao indicar o advogado-geral da União, Jorge Messias, para uma vaga no STF que Alcolumbre deseja para o ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/RO).
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan já sinalizou que se o projeto for mantido, haverá reação. “Se uma matéria desse tipo, com esse tamanho de impacto, avançar, seremos obrigados a fazer o veto. E se o veto cair, seremos obrigados a ir ao Supremo para restabelecer o cumprimento das regras fiscais”, sustentou.
Estimativas preliminares do Ministério da Previdência, apontam que o impacto do PLP será superior a R$ 24 bilhões em dez anos, somando gastos do regime próprio (servidores concursados) e do INSS.
Mais gastos com impacto municipal
Além do PLP dos ACSs, o projeto de lei 1.559/2021, que cria um piso nacional para farmacêuticos, também vai repercutir nos cofres municipais, já que esses profissionais atuam majoritariamente na atenção básica à saúde. Esse projeto representa impacto anual de R$ 309 milhões apenas para as prefeituras.
Para agravar, a União não prevê nenhum repasse compensatório, como ocorreu no piso da enfermagem que passou por um longo impasse político, jurídico e fiscal desde sua aprovação e, ainda hoje, não está plenamente consolidado em todo o país.
Ampliando o problema, no último dia 18, a Comissão de Trabalho aprovou o projeto de lei 2.952/2025, que concede adicional de insalubridade a profissionais da educação escolar. De acordo com a CNM, o texto não define critérios objetivos para caracterizar a insalubridade, cria insegurança jurídica e pode desencadear ações judiciais em massa. Somente nesse caso, o impacto estimado é de R$ 6,5 bilhões.
Entre as pautas-bomba no Congresso, outra grande preocupação dos prefeitos é com o projeto de lei 4.012/2024, que impõe a expansão obrigatória de creches e pré-escolas em áreas urbanas e rurais. A medida é considerada meritória, mas “insustentável” pelos prefeitos. O portal apurou que 4.823 municípios não atendem a meta prevista para creches rurais, e 4.285 não cumprem o percentual para pré-escolas.
Segundo a CNM, para zerar esse déficit, seriam necessárias 131 mil novas matrículas em creches rurais e a criação de 187 mil novas matrículas em pré-escolas e 2.706 novas unidades de ensino. A saída exige obras, pessoal, transporte escolar e manutenção, gastos a mais para o orçamento municipal.
Essas medidas pressionarão ainda mais a folha de pagamento, ampliando obrigações sem financiamento, aumentando o déficit previdenciário e levando prefeituras a perderem capacidade de manter serviços básicos, avalia a Ziulkoski. “O município está na ponta do serviço público. Criar despesas por lei sem colocar recurso é empurrar a conta para o cidadão”, reclama.
(Com informações do Congresso em Foco)
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