Líderes e dirigentes dos partidos envolvidos na disputa presidencial deste ano preveem uma campanha marcada por “traições consentidas” aos seus futuros candidatos e avaliam que será impossível criar mecanismos para garantir, nos Estados, a lealdade aos palanques nacionais. A leitura do mundo político é de que a proibição das coligações proporcionais, a cláusula de barreira e a polarização consolidada entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) resultaram em um descolamento mais acentuado das candidaturas regionais dos postulantes ao Palácio do Planalto.
“Não é um fenômeno novo, mas neste ano está mais antecipado e acentuado. Como ninguém (além de Lula e Bolsonaro) fura a barreira dos 10% (nas pesquisas de intenção de voto), os partidos já trabalham com a lógica de segundo turno. Com a cláusula de barreira e o financiamento público de campanha, o tamanho da bancada passou a ser vital. Ninguém quer ver seu partido minguar nos Estados”, disse o cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do Grande ABC.
Estacionados nas pesquisas de intenção de voto, os pré-candidatos da chamada terceira via são os mais vulneráveis e já admitem que seus partidos vão fazer vista grossa para eventuais traições nos Estados. Como a Justiça Eleitoral não trata do tema, eventual punição a políticos que decidam apoiar a campanha presidencial de outra sigla é prerrogativa dos partidos, que podem retirar nomes das disputas.
Fundo
“Qualquer resolução para obrigar o apoio ao candidato seria inócua. Infelizmente, há uma livração geral. Os candidatos querem salvar a própria pele”, disse o senador Alvaro Dias (Podemos), que será candidato à reeleição no Paraná. Para o parlamentar, o fundo eleitoral “deteriorou” ainda mais a relação dos partidos e reforçou o poder de atração das máquinas estaduais.
Dias se comprometeu a fazer campanha para o ex-juiz e presidenciável do partido, Sérgio Moro, mas lideranças do Podemos admitem que dificilmente o nome do ex-ministro da Justiça vai aparecer no horário eleitoral na TV e rádio da legenda no Paraná. No Estado, a sigla apoia o governador Ratinho Jr. (PSD), pré-candidato à reeleição. O palanque de Ratinho é um caso emblemático, já que vai reunir quase todos os partidos da terceira via.
O MDB, da pré-candidata Simone Tebet (MS), enfrenta o mesmo dilema no Pará, em Alagoas e no Ceará, Estados onde a sigla está próxima de Lula. O caso do Pará é o mais simbólico. Pré-candidato a governador apoiado pelos Barbalhos, o deputado estadual Paulo Dantas (MDB) articula uma aliança que vai do PT ao União Brasil, passando pelo Progressistas do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (AL).
Simone foi questionada sobre o assunto após um almoço com empresários em São Paulo e disse que as conversas com Lula são “a cara do MDB”. “Prefiro a honestidade dos que conversam e dialogam com outros pré-candidatos a conversas entre quatro paredes. O jogo no MDB é totalmente transparente. Não existe nada de que eu não tenha conhecimento ou não tenha sido avisada antes”, afirmou.
Ineditismo
A situação do governador de São Paulo, João Doria, pré-candidato do PSDB, é inédita na história do partido. O tucano enfrenta dissidência interna que se tornou pública e é tolerada pela direção nacional. “Quem fizer campanha para candidato de outro partido tem que ser expulso. A executiva nacional precisa adotar uma resolução para os Estados”, disse o presidente do PSDB paulistano, Fernando Alfredo, que é aliado de Doria.
“Isso é um delírio. Não tem como obrigar lideranças do Nordeste a apoiar Doria, que tem traço (nas pesquisas de intenção de voto na região). O partido está estressado”, rebateu o ex-senador José Aníbal, desafeto do governador no PSDB.
Entre os partidos que tentam se viabilizar na terceira via, o Novo é o único que promete ser rigoroso com “traições”. “É inaceitável o palanque duplo. Isso está vedado. Em Minas Gerais essa questão está pacificada”, disse o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro. Único governador da sigla, Romeu Zema, de Minas, é visto como um potencial apoiador da reeleição de Bolsonaro.
Na avaliação do cientista político Fernando Abrucio, da FGV, a disputa está mais aberta nos Estados em 2022 do que estava em 2018. “Não apareceu uma terceira via nacional com votos em todo o território. O Nordeste está dominado pelo Lula e o Bolsonaro é forte no Centro-Oeste e no Sul”, disse Abrucio.
Líderes
O fenômeno das traições consentidas atinge também os líderes das pesquisas. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sinalizou aos seus correligionários que vai respeitar as realidades locais e não pretende punir eventuais palanques com outros candidatos que não Bolsonaro.
No outro campo, a Rede, da ex-ministra Marina Silva, fez uma proposta inusitada ao PSOL durante as negociações para formação de uma federação: uma cláusula no estatuto que garantisse aos filiados o direito de fazer campanha para outro candidato que não aquele apoiado pela união partidária. Como o PSOL caminha para apoiar Lula, a intenção era dar liberdade para Marina e outras lideranças, como Heloísa Helena, subirem em outro palanque, como o de Ciro Gomes (PDT). A ideia, porém, foi vetada pelo PSOL, que deixou essa decisão para cada partido, que teria liberdade na federação.
Na Bahia, o movimento foi inverso. O PP desembarcou ontem da aliança que mantinha com o PT havia 14 anos, e já dialoga composição com o pré-candidato do União Brasil ao governo do Estado, ACM Neto. Na eleição presidencial, a sigla deverá apoiar Bolsonaro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. (Por Pedro Venceslau/Estadão Conteúdo)
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