Representantes de entidades que militam pela transparência na administração pública criticaram nesta quinta (24) as mudanças feitas pelo governo de Jair Bolsonaro no decreto que regulamenta a Lei de Acesso à Informação (LAI).
Nova versão da norma, publicada no Diário Oficial da União, amplia o rol de agentes públicos com poderes para classificar dados e documentos como ultrassecretos (aquele que só podem ser disponibilizados à coletividade após 25 anos). Nesse grupo, estão até funcionários públicos comissionados, que nem sempre têm vínculo permanente com a administração.
Em geral, esse tipo de selo é aplicado em casos muito específicos, como quando o conteúdo pode afetar, de alguma forma, a segurança do Estado e da sociedade.
Diretor-executivo da Transparência Brasil, entidade que monitora ações do poder público, o economista Manoel Galdino diz que as alterações podem representar um retrocesso na publicidade dos atos do governo.
“Há hoje, no Brasil, um certo grau de subjetividade para definir algo que coloca risco à sociedade e ao Estado. [A mudança] sugere que a gente vai ter mais variação de critérios para classificar como ultrassecreto, o que pode representar um risco à transparência”, comenta.
Galdino integra o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU (Controladoria-Geral da União). O colegiado, formado por membros da sociedade civil e do Executivo, é o responsável por discutir esse tipo de mudança. A própria minuta da Lei de Acesso, aprovada em 2011, foi rascunhada pelo grupo.
Segundo Galdino, o conselho não foi consultado pelo governo. “A gente teve uma reunião no dia 12 de dezembro, que foi, inclusive, a posse dos novos membros. O ministro [da CGU, Wagner Rosário] foi bem claro ao dizer que as eventuais alterações na LAI seriam discutidas junto aos membros do conselho, seriam apresentadas lá, e não houve isso. Foi uma mudança que nos pegou de surpresa. A gente não sabe por que o governo fez”, declarou.
A Lei de Acesso à Informação prevê a publicidade sobre os atos do gestor público como regra, cabendo decretar segredo sobre informações apenas em casos excepcionais.
Para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o novo decreto é “esquisito” e “bastante prejudicial”. A gerente-executiva da entidade, Marina Atoji, avalia que, ao limitar o número de autoridades capazes de classificar informações como ultrassecretas, a versão anterior do decreto assegurava, de alguma forma, de que o sigilo seria usado de forma mais pontual.
Quando se expande essa prerrogativa a um grupo muito maior de servidores, segundo ela, há a possibilidade de esse tipo de restrição ser aplicada com muito mais frequência.
Outra questão levantada pelas entidades é que ministros são figuras públicas e, nessa condição, estão sujeitos a maior constrangimento ao, eventualmente, classificar uma informação como ultrassecreta sem justificativa adequada. Isso não ocorreria com funcionários públicos de menor escalão.
O ex-presidente da Comissão de Ética da Presidência da República Mauro Menezes, que ocupou o cargo de 2016 a 2018, classificou a mudança como “deplorável”.
“O sistema de transparência pública sofre um golpe duro com essa ampliação indiscriminada dos agentes capazes de impor sigilo a dados públicos”, criticou. (BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
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