23 de dezembro de 2024
Brasil

Página de humor é condenada e indenizará goiano por uso indevido de imagem

(Foto: Acervo da Família)
(Foto: Acervo da Família)

O rosto sisudo na fotografia já rendeu muitos memes. O robusto bigode e o chapéu tornaram-se símbolos do que os internautas hoje chamam de geração “raiz”. Em 2014, Henrique Soares da Rocha Miranda estava navegando pelos mares digitais e encontrou a foto de João Nunes Franco, hoje com 92 anos. Acreditando que se tratava de uma imagem que estava sob “domínio público” e “uso livre”, surfou no sucesso dos memes e criou a página de humor “Te sento a vara”. A foto de João acompanhava uma série de frases depreciativas. Mais: a página chegou a comercializar produtos com seu rosto. Resultado? O proprietário da página terá de indenizar em R$ 100 mil reais o idoso por uso indevido de imagem. A decisão foi publicada nesta quinta-feira (01/08). Entenda:

Para o autor da decisão, o juiz da 2ª Vara da Comarca de Cristalina, Thiago Inácio de Oliveira, houve ofensa à honra de seu João Franco. “Revela-se inquestionável que um idoso prestes a completar 92 anos de idade, nascido nos idos de 1927 no interior de Goiás, sertanejo, que guarda consigo tradições e costumes divorciados da desvairada era da internet mal usada, abala-se psicologicamente ao deparar-se com sua imagem vinculada a situações extremamente vexatórias, sem contar que difundida mundo afora”, destacou. O conteúdo, difundido para mais de 6 milhões de seguidores no Instagram.

Além do Instagram, onde há a maior concentração de seguidores, o perfil também está presente no Facebook e no Twitter e teve conteúdo sujeito a compartilhamentos. “Em simples pesquisa na plataforma de busca ‘google.com’, ao digitar o grosseiro e despudorado termo ‘sentoavara’ ou ‘sento a vara’, rapidamente o primeiro link remete à imagem do idoso”, observou o juiz.

Na página em questão, várias frases depreciativas eram ligadas ao retrato de João, como “Vendo meu juízo… Novinho na caixa, nunca usado” e “Te sento a vara moleque baitola” e “Tudo que eu quero comer … Ou é caro, ou engorda, ou visualiza e não responde”. “As frases, inseridas sobre a séria e respeitável imagem do requerente, visualizada por milhares de pessoas, ultrapassa, e muito, as raias do mero aborrecimento”, afirmou o juiz.

O autor da ação, João Nunes Franco, soube que seu retrato, tirado décadas atrás, estava sendo utilizado indevidamente por meio de suas netas. A foto original estava num blog de fotografias antigas de pessoas que viviam em Campo Alegre de Goiás. Morador na maior parte de sua vida em zona rural e avesso às tecnologias, relutou em ajuizar o processo: imaginava que a fama indevida terminaria sozinha e a simples menção ao assunto o aborrecia bastante. “Ele não sabia dos seus direitos e da dimensão que tomou sua fotografia. Ele ficou muito triste e foi difícil convencê-lo de que era preciso uma medida judicial para por um fim nisso”, afirma a sobrinha-neta, Jéssica Franco Santos, que atuou como advogada no processo.

Domínio público? Juiz diz que não.

A defesa do autor da página não colou. Conforme entendimento do magistrado, contudo, a tese defendida pela parte ré não mereceu acolhimento. “O direito à imagem se encontra elencado no rol dos direitos da personalidade, os quais, à luz do artigo 11 do Código Civil, são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

Além disso, o juiz destacou que é aplicável, também, o Estatuto do Idoso, em seu artigo 10, que dispõe sobre obrigação do Estado e da sociedade assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais”.

Sobre o dano moral, Thiago Inácio ponderou que houve ato ilícito, que causou transtornos à vítima. “Os memes visualizados por centenas de dezenas de seguidores de tais redes sociais apresentam frases pejorativas, indelicadas e depreciativas, as quais envolvem diretamente a imagem do requerente, podendo lhe causar, no mínimo, constrangimento e forte desconforto. Convém registrar que muitos idosos, notadamente da idade do requerente, nascido na década de 20, sendo munícipe tradicional em cidade do interior de Goiás, inclusive tendo sua história de vida contada em blog da cidade, guardam princípios morais de uma sociedade conservadora. A corroborar, há documentos demonstrando a mercancia de produtos vinculados à imagem do idoso, acompanhado do rude título “Sento a Vara”, quadro que contribui com maior exteriorização indevida da imagem.”


Leia mais sobre: Brasil