23 de novembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:30

Um espectro ronda a América do Sul – o espectro do progressismo

Gabriel Boric, presidente eleito pelo Chile. Foto: Reprodução/Instagram Gabriel Boric
Gabriel Boric, presidente eleito pelo Chile. Foto: Reprodução/Instagram Gabriel Boric

No último domingo (12) o Chile elegeu seu novo presidente, que tomará posse em março de 2022 para um mandato de 4 anos. Trata-se de um dos mais jovens governantes de uma nação na atualidade, o bacharel em Direito e ex-líder estudantil Gabriel Boric. Foi um pleito bastante disputado, onde 56% dos 8.347 milhões de eleitores que compareceram às urnas optaram pela escolha de um perfil de político mais alinhado com a vertente progressista, esta que vem tentando responder, às duras custas, o fantasma ultraconservador que em diversos países do mundo ocidental tenta dinamitar algumas prerrogativas basilares de afirmação dos preceitos democráticos.

Boric enfrentou frontalmente uma resistência alinhada com o perfil acima, então encabeçada pelo candidato derrotado, José Antonio Kast. Apelidado inicialmente sabe-se lá por quem de “Bolsonaro chileno”, Kast instrumentaliza uma plataforma política populista conectada com ideais que convergem com proposições segregacionistas. Oras, suas incursões retóricas em simpatia pela ditadura sanguinária de Augusto Pinochet nos oferecem um bom indicador sobre o que representa sua ânsia pelo poder. Daí nasce, por exemplo, o macartismo senil potencializando soluções prontas de combate ao comunismo, em defesa da “família tradicional” e de um patriotismo entreguista. Assistimos recentemente este filme na política brasileira, mas este debate fica para outro artigo. Continuo.

O enfrentamento ao autoritarismo na América do Sul, região historicamente assolada por regimes dessa natureza, vem ganhando contornos mais nítidos recentemente em alguns países, com vitórias eleitorais em pleitos para o mais alto cargo do Executivo. Na Argentina com Alberto Fernández, que frustrou a tentativa de reeleição do representante de grande parte das elites empresariais do país, Maurício Macri; no Peru, a ascensão do professor Pedro Castillo; o correligionário de Evo Morales na Bolívia, Luis Arce e afirmação do Movimento pelo Socialismo; na Venezuela, o controverso governo de Nicolás Maduro; Os progressistas na Colômbia vivem a expectativa de em 2022 de conseguirem eleger um representante de esquerda, na figura do senador Gustavo Petro; no Paraguai, o presidente direitista Mario Benítez vem enfrentando duras críticas da opinião pública; e por fim, mesmo os candidatos de esquerda derrotados nas últimas eleições no Uruguai e Equador (Daniel Martínez e Andres Arauz respectivamente) conquistaram um contingente percentual considerável de votos).

As resistências políticas contra o avanço da extrema-direita no mundo vêm se municiando da demanda de compreensão dos significados dos discursos de questionamento de princípios caros à democracia, como a separação de poderes e o respeito à pluralidade de ideias. Os temas que estes grupos extremistas adotam, dentro das suas particularidades, possuem transversalidade quando se trata de endossar posicionamentos muitas vezes xenofóbicos (ideal nativista), contrários a integração comunitária (no caso da Europa), sexista, fundamentalista religioso, belicoso e armamentista. Estes extremistas gostam do autoritarismo. São reacionários. E se retroalimentam com presença incisiva nos programas de governo e narrativas de muitos políticos com expressividade eleitoral em diversos países. Inclusive na América do Sul.

Por isso são muitos os desafios para o progressismo institucional sul-americano. Superar as dificuldades de gestão econômica num mundo explodindo neoliberalismo e reconhecer, como aprendizado, os erros cometidos por membros de governos de esquerda envolvidos em esquemas de corrupção são alguns deles. Parte considerável do poder econômico e financeiro resiste contra as investidas de projetos que pretendem adotar políticas redistributivas de grande impacto no equilíbrio do acesso à cidadania. O ideário de Justiça social incomoda aqueles que não sofrem com as mazelas da desigualdade econômica e de oportunidades. E a adesão de setores médios em países como o Brasil ao discurso reacionário é preocupante. O espectro do progressismo está rondando novamente nosso continente. Ainda bem.

Artigo escrito por José Elias Domingos Costa Marques é mestre em Ciência Política pela UFSCar, doutor em Sociologia pela UFG e professor do Instituto Federal de Goiás. As opiniões deste texto, não refletem, necessariamente, as do jornal.