Passadas as eleições municipais, o setor político se volta agora a etapa inicial dos governos eleitos e, ao mesmo tempo, de encerramento para os que deixam o mandato eletivo. Assim como as eleições, a transição faz parte do processo democrático- sendo talvez – um dos ápices mais altos e importantes da democracia. Pois é o momento em que a vontade popular manifesta nas urnas começa a tomar forma com a passagem de governos – que – em tese deve ser harmoniosa e proveitosa para os que deixam o cargo, como também para aqueles que assumirão os próximos quatro anos de administração pública.
A Lei Federal nº 10.609/02, que “dispõe sobre a instituição de equipe de transição pelo candidato eleito para o cargo de Presidente da República, cria cargos em comissão, e dá outras providências”. Em Goiás, por simetria legislativa, se aplica IN normativa 0016/2016.
A referência para o momento político que se aproxima exige dos gestores municipais aplicação de cuidado especial quanto as transições de mandato.
Tanto o agente político que está para deixar o cargo, como aquele que saiu vitorioso no pleito eleitoral devem respeito e obediência ao ordenamento jurídico; devem agir de forma impessoal, ética, responsável e moral na administração da coisa pública, com publicidade dos atos e sempre buscando a eficiência de resultados em prol da coletividade que representam.
Não por outra razão, o destaque para que sejam realizadas boas transições de governos, nos casos, é claro, em que o gestor público não for reeleito. Nesse sentido, é fundamental que as equipes de transição sejam compostas por profissionais, de um lado, dedicados ao fornecimento das informações necessárias, e do outro, capazes de interpretar os relatórios e documentos coletados visando à adequada assessoria ao chefe do Poder Executivo, o que pode versar desde a recomendação de ações para os problemas eventualmente detectados, como também, orientação para a continuidade das políticas públicas em execução ou pendentes de serem implementadas.
Do contrário, sem a operacionalização e funcionamento de boas equipes de transição, haverá prejuízo à administração pública municipal, pois a prefeita ou prefeito estará de olhos vendados, não conhecendo a realidade administrativa.
O tempo gasto e força de trabalho para tomar conhecimento e realizar o planejamento que já devia estar pronto ao término da fase de transição eleva os riscos à continuidade administrativa, correndo-se o risco da perda de prazos urgentes, como por exemplo, a assinatura de convênios, continuidade de contratos essenciais e planejamento dos primeiros dias de gestão.
Ao se colocar um olhar para a outra ponta, ao governo que se despede, cabe-lhe o dever de subsidiar com honestidade e transparência ao novo governo com informações e dados sobre o patrimônio municipal, o orçamento, as finanças, a contabilidade, o contencioso judicial e administrativo, o montante da dívida ativa, assim como saber do funcionalismo público, convênios, licitações a serem realizadas, obras em andamento ou paralisadas, prestações de contas perante o Estado e a União, eventuais procedimentos do respectivo Tribunal de Contas, projetos de leis enviados ao Poder Legislativo, termos de ajustamento de conduta firmados com o Ministério Público.
O dever de acesso a informação segue princípios constitucionais citados e inerentes ao caminhar na administração pública, a própria legislação vigente nos municípios, e ainda, o direito de acesso à informação prescrito no artigo 5º, XXXIII, artigo 37, § 3º, II e no artigo 216, § 2º da CF/88, regulamentado pela Lei Federal nº 12.527/11.
Caso não haja o cumprimento, isto é, não seja fornecido o acesso aos documentos e informações para a transição de governo, como aos balanços previstos no artigo 101 e seguintes da Lei n° 4.320/64, além das medidas judiciais que podem ser tomadas pelo interessado, como a impetração de mandado de segurança nos termos da Lei nº 12.016/09, sobre o agente político omisso, em tese, poderá incidir a responsabilidade por atos de improbidade administrativa conforme Lei nº 8.429/92, notadamente ante o disposto no artigo 11, se presente é claro, os requisitos para isso, principalmente porque houve alterações no respectivo texto normativo por meio da Lei n° 14.230/21.
Tanto para o agente político que deixa o cargo em decorrência do resultado desfavorável nas urnas, como para o eleito que assume a missão de governar o município, e principalmente para a sociedade destinatária das políticas públicas, a transição de governo é de fundamental importância como decorrência lógica do Estado Democrático de Direito.
Seguindo dessa forma, imprimindo atenção que o processo de transição merece, os gestores estarão seguros para entregar as “chaves” do paço municipal às prefeitas e aos prefeitos eleitos para continuidade das políticas públicas e honrarem com a excelência esperada os mandados outorgados pelo povo.
Vê-se, portanto, que a prestação de contas em transição de mandatos apenas será bem-sucedida se houver cooperação de ambos os gestores, cada um respondendo pela parte que lhe é devida quanto à necessária satisfação à sociedade sobre o emprego dos recursos públicos confiados à administração municipal.
O que não se admite é a sociedade ficar refém de transições eleitorais em que a alternância no poder seja realizada de maneira não republicana ou sem observância dos deveres impostos aos gestores públicos, tais como aqueles derivados do princípio da transparência e da continuidade administrativa.
Danúbio Cardoso Remy Romano Frauzino é advogado, gestor público, especialista em direito público, administrativo e eleitoral