Há mais coisas entre o céu e a Terra, do que sonha a tua vã filosofia, Horácio”, é uma célebre frase encontrada em Hamlet, peça teatral escrita pelo britânico William Shakespeare. Ela carrega consigo a percepção de que nem tudo é exatamente como parece ser e ao mesmo tempo, há muitas nuances nos acontecimentos cotidianos que não compreendemos à luz do dia.
Neste mesmo sentido, a política é um terreno que produz resultados a partir de embates entre pólos definidos que, via de regra, costumam traduzir visões diferentes de mundo e de produção de um mundo melhor no devir. Esta síntese no Brasil, por exemplo, já se deu entre monarquistas e republicanos, tenentistas e o alto oficialato, mineiros e paulistas, comunistas e nacionalistas, direita e esquerda. Mas será que apenas a dita direita e a dita esquerda representam atualmente o conjunto da sociedade, ou são aqueles campos políticos que conseguem traduzir melhor e de forma clara à sociedade seus princípios de uma vida melhor pra todos?
De todo modo, na virada dos anos 1980 para 1990, surgiu, em especial nos países anglófonos, uma corrente que não está nem tanto ‘ao céu, nem tanto a terra’, que passou-se a chamar de terceira via. Anthony Giddens, sociólogo britânico intitulou esta corrente de “centrismo radical”. Esta corrente de pensamento, e com isso modelagem de políticas públicas, preconiza a junção entre um modelo de economia ortodoxa e de política social progressista. Este projeto que se opôs à dicotomia esquerda e direita, teve sua materialização nos governos dos Presidente dos EUA e Primeiro Ministro britânico, Bill Clinton e Tony Blair, respectivamente. No Brasil o governo de FHC foi quem preconizou algo próximo a esta tendência. De lá pra cá, Eduardo Campos, sucedido por Marina Silva, se propuseram a ser esta alternativa, assim como Ciro Gomes, mais recentemente. O fato é que recentemente a posição de terceira via se trata de algo situacional, e não necessariamente ideológico, ou seja, se trata de não estar necessariamente no mesmo grupo político nem do representante da esquerda e nem no da direita.
Para o cenário de 2022, há um conjunto bastante amplo de possíveis candidatos que são apontados como representantes desta corrente. Em suma o que a imprensa e o eleitorado têm compreendido é que estes candidatos não estariam nem ao lado de Lula e nem ao lado de Bolsonaro, portanto, representando uma terceira opção. Sabemos que a chamada terceira via desde FHC não ao poder, nem sequer a um segundo turno. No entanto o cenário apresentado pela pesquisa Datafolha desta semana é no mínimo curioso.
Na pesquisa estimulada (aquela em que alguns possíveis nomes de candidatos são apresentados aos entrevistados) Sérgio Moro (sem partido) aparece com 7%, seguido por Ciro Gomes (PDT) com 6%, Luciano Huck (sem partido) 4%, João Dória (PSDB) 3%, Mandetta (DEM) 2% e Amoêdo (NOVO) 2%. Somados, perfazem 24%, ultrapassando Jair Bolsonaro (sem partido) que perfaz 23%, mas ainda sendo bastante insuficiente para ultrapassar Lula (PT), que perfaz 41%. No entanto deve-se ponderar alguns fatores, como, por exemplo, a distância para a eleição, o que faz com que o cenário possa se modificar (sempre gosto de lembrar ao leitor que toda pesquisa é um recorte do momento). Outro fator a ser sopesado é o de que é impossível, pelo menos de modo lógico, acreditar que os seis pretensos candidatos, caso o sejam de fato, abram mão em prol de apenas um candidato, além do mais, não se sabe se de fato serão candidatos. O mais provável é que Moro, Huck e Mandetta não o sejam. No entanto, nada indica que caso não sejam, seus votos seriam transferidos para outro candidato do (pelo mesmo teoricamente) mesmo campo (o da terceira via). O último fator me chama atenção aqui é o da aparente não sabe/nulo/brancos que perfaz 13%, portanto se a eleição fosse hoje, a terceira via não seria nenhum dos candidatos apontados, não por não representarem as ideias ou serem os polos opostos, mas por não conseguirem ser competitivos o suficiente.
Para a pergunta que me propus a responder, os resultados das respostas espontâneas (aquele em que nenhum candidato é apontado como tal para o entrevistado escolher, portanto ele aponta o candidato espontaneamente) mostra uma queda ainda maior da chamada terceira via, com apenas Ciro Gomes (PDT) aparecendo de forma estatisticamente significativa, com 1% das intenções de voto. A resposta “outros” aparece com 2%, branco/nulo cai pra 8%. Mas o que mais chama a atenção é que embora Lula (PT) caia de 20% e Bolsonaro (sem partido) 6% (o que é natural, visto que Bolsonaro é o atual presidente, portanto é um candidato natural e Lula reapareceu no cenário agora, portanto muitos ainda não o enxergam como candidato) o “não sabe” corresponde a 49%. Isso significa que quase metade dos eleitores não pensam na eleição ainda, ou realmente não sabem quem são os candidatos. Isso importa, pois apesar de os representantes da esquerda e direita caírem de rendimento na espontânea, são, na verdade, os candidatos da terceira via quem não tem demonstrado capacidade de se projetar perante a quase metade do eleitorado que não se divide entre esquerda, direita, ou não vão votar.
Quanto à pergunta que fiz no início, sim há um eleitorado de e para a terceira via (ou que professam as ideias, ou mesmo que sequer sabem que há uma alternativa à esquerda e à direita), no entanto, o que a pesquisa Datafolha demonstra é que se trata de um número bastante razoável, que pode chegar a ¼ de eleitorado e que apesar de ser insuficiente para se projetar a um segundo turno (mantidas as variáveis constantes deste cenário eleitoral com Lula e Bolsonaro), precisa diminuir o número de candidaturas para se tornar competitiva, ter ideias mais claras e saber se projetar melhor em termos de imagem perante uma cenário polarizado. É possível, sim. Há tempo, sim. Mas ao que tudo indica, diante de tudo o que vem sendo demonstrado pelos pretensos candidatos, não parece ser de fato algo que vai acontecer.
(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia. Também é Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Eleitoral e Ciência Política (GEDECiP). Escreve para o Diário de Goiás sempre às quintas-feiras. As opiniões do autor deste artigo não refletem à opinião do veículo.)