23 de dezembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 17/10/2022 às 09:37

Ser imigrante em Portugal: uma experiência que exige paciência e subordinação

Porto é a segunda maior cidade de Portugal. Atualmente estima-se que vivam 215 mil pessoas no local e, destas, cerca de 20 mil são de brasileiros legalizados. (Foto: Carlos Nathan Sampaio)
Porto é a segunda maior cidade de Portugal. Atualmente estima-se que vivam 215 mil pessoas no local e, destas, cerca de 20 mil são de brasileiros legalizados. (Foto: Carlos Nathan Sampaio)

Há exatos 4 meses eu cheguei do Brasil para conhecer Portugal, lugar que acabei adotando como lar, até então, pelos próximos anos. Se no primeiro texto, “o que não dizem sobre brasileiros morando em Portugal”, eu trago informações sobre algumas das primeiras impressões que tive falando com pessoas e vivendo em Porto, segunda maior cidade do País, em relação à trabalho, remuneração, segurança e transporte, neste, buscarei trazer algumas novas perspectivas, principalmente sobre as burocracias e dificuldades que envolvem os pedidos de visto para viver por aqui.

Vale lembrar, porém, que nestes meses em que estive por aqui, relato apenas sobre o que vivi e informações que colhi entrevistando moradores, sejam eles portugueses nativos ou imigrantes do Brasil e outros países. Além disso, cada experiência é única e o que eu escrevo não pode ser traduzido como situação por via de regra, mas apenas uma visão do que, normalmente, um imigrante vive no país enquanto busca pela sua legalização e/ou cidadania portuguesa.

Legalização esta, inclusive, pela qual o meu pedido – manifestação de interesse – já se encontra “em consulta” pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) há exatos três meses e não possui prazo para que seja atualizado. É compreensível a demora, considerando a quantidade de pedidos que o país deve receber diariamente e o pouco efetivo para lidar com tantos processos. A expectativa é de que a espera dure de 6 meses a mais de um ano. O grande problema, porém, é o que acontece neste período.

Antes de contar os percalços que exigem do imigrante uma enorme paciência e subordinação, porém, como informo no título, preciso explicar que a minha manifestação de interesse para viver em Portugal foi a de “autorização de residência para exercício de atividade profissional independente” aquela de “nômade”, para a qual me exigiram, preliminarmente, apresentar os seguintes documentos:

  • Passaporte ou outro documento de viagem válido;
  • Comprovativo de entrada regular em território português (posse de visto válido, quando exigível, ou entrada em Portugal dentro do período de isenção de visto);
  • Comprovativo dos meios de subsistência;
  • Certificado de registo criminal do país de origem;
  • Documento comprovativo de que dispõe de alojamento;
  • Comprovativo de inscrição e situação regularizada perante a Segurança Social;
  • Comprovativo de inscrição na Administração Fiscal;
  • Habilitação para o exercício uma atividade profissional independente (quando aplicável);
  • Documento comprovativo de ter constituído sociedade nos termos da lei, declarado o início de atividade junto da Administração Fiscal e da Segurança Social como pessoa singular; ou Contrato de prestação de serviços para o exercício de profissão liberal e declaração da ordem profissional comprovando a respectiva inscrição.

Isto feito, o grande problema que citei, é que a paciência e subordinação precisam existir e andar juntas. Sem contar que o imigrante necessita de tantas qualidades quanto os documentos pedidos pelo SEF como, por exemplo, persistência, força física, saúde mental, inteligência emocional, hábitos econômicos, uma excelente comunicação – inclusive em outras línguas – e um currículo excelente mesmo que for para te garantir uma vaga de trabalho aquém do esperado. Nem digo isso apostando que tenho todas essas qualidades, mas senti na pele o quão são essenciais.

A paciência e subordinação, porém, acredito serem as principais, por que um imigrante recebe tantos nãos, que esquece até o rumo da vida. Além do que, se um jovem no Brasil reclama que empresas pedem experiência para um cargo inicial com péssimos salários, experimente procurar emprego em Portugal quando empresas pedem seu visto para te contratar enquanto o SEF pede que você tenha emprego para te dar o visto. Definitivamente, não faz sentido.

Claro que há outras inúmeras possibilidades e empresas que contratam, sim, profissionais sem visto ou com situação de manifestação de interesse “em consulta” até que você consiga o visto ou a cidadania. Mas aí é que vem a parte da subordinação, inclusive, em praticamente todos seus sinônimos: disciplina, respeito, observância, mas também sujeição, dependência e servidão.

Não, eu não esqueci que vim do Brasil e que, na verdade, nós que somos proletariados viveremos subordinados em qualquer lugar do mundo, mas no meu país de origem eu conheço bem mais os meus direitos e deveres, e mesmo estudando os de Portugal, como trabalhador, pelas experiências que tive e das pessoas com quem falei, isso acaba não importando.

Aparentemente, a grande massa de manobra do país é composta por profissionais que, ainda que extremamente inteligentes e capacitados, são “mono-metódicos” e sem senso de recursos humanos e inovação. Isto é, houve algo em comum sobre o relato de todas as pessoas com quem falei e pelas experiências que vivi, sobre a forma de trabalhar de muitos portugueses, principalmente os mais velhos: o hábito de fazer algo apenas de um único jeito por anos a fio, a ponto de não se importarem se há uma maneira mais fácil ou rápida de resolver aquilo. Então, para trabalhadores que adoram encontrar outras formas de trabalhar ou que gostem de trazer novidades para o ambiente corporativo, isso é um balde de água fria.

O ser humano, porém, é adaptável, mas novamente, considerando as informações do texto anterior, em que escrevo que a remuneração média em Portugal é muito baixa, e somar isso a ambientes de trabalho que vão apenas sugar suas horas de vida para que você faça algo extremamente trivial apenas da forma como eles querem que seja feito, transformando sua rotina em algo maçante e sem pagamento adequado, é importante colocar na balança se é isso que realmente você quer.

Viver em um lugar seguro, com um transporte que funciona – se você morar em uma boa localização – mas trabalhando em um local sem plano de carreira e ganhando abaixo do possível para viver com dignidade, é uma troca boa? Não responda agora, mas reflita. Portugal, de toda forma, ainda é um lugar onde há todas as possibilidades do mundo, só não aconselho, depois do que vi, vivi e ouvi nestes meses, que alguém mude para este lugar achando que pode ter uma espetacularmente melhor do que no Brasil, se não houver um real plano de mudança dentro de si, ao menos como eu acredito que há em mim.

Se você é um profissional, acredita no seu potencial, e está disposto a ter paciência e ser subordinado para, futuramente, alcançar conquistas reais na vida em geral, é claro que quase qualquer lugar no mundo vai funcionar para você. Então escolher um lugar onde há mais segurança, melhor transporte público, menos poluição e mais tranquilidade, é o que deve ser feito. A experiência, no fim das contas, para mim, tem sido positiva até agora.

O tema do próximo texto, a ser publicado em dois meses, ficará em aberto, por conta do que pode acontecer nesse espaço de tempo. Até lá, caso você, leitor, tenha uma dúvida e queira ela respondida em um dos meus textos, pode enviar para o e-mail [email protected] que eu busco a informação com algum entrevistado

Carlos Nathan é jornalista, formado pela Universidade Federal do Mato Grosso e escreve periodicamente para o portal Diário de Goiás

A opinião deste artigo não necessariamente reflete o pensamento do jornal.