Há quem diga que somos um povo sem memória. São os mesmos que acreditam que a CPI acabou em pizza. Eu, no entanto, prefiro acreditar nas instituições brasileiras, e que os resultados ainda serão colhidos a longo prazo, certamente. Para isso, cito um exemplo. Tivemos, na CPI, a participação do Luciano Hang, também chamado de “véio da Havan”.
Hoje um pouco sumido, aparece com menos frequência para dar uma rata ou outra. Parte da mídia parece ter acreditado, na época, que, na verdade, a CPI houvera cometido um equívoco na convocação do empresário, como se ele houvesse se saído muito bem, como se tivesse dado um show. Isso já esperávamos dos próprios bolsonaristas, com os recortes que fazem e editam para lançar em massa nos grupos de WhatsApp e Telegram. Acredito que essa era mesmo a estratégia de Luciano Hang. Mas acredito também que ele simplesmente se incriminou. Construiu, completamente, sua prisão para quando Bolsonaro não tiver mais forças. Mentiu, quando se tem provas cabais contra ele.
A CPI não é um debate entre intelectuais, ou entre candidatos, onde um se sai melhor e o outro pior. Tanto faz se ele já tinha preparado frases, situações ou narrativas de impacto. Este duelo retórico simplesmente não importa. O que houve, na verdade, é que todas as informações levantadas por ele eram desmentidas por vídeos e documentos.
O empresário disse nunca ter participado de nenhum benefício governamental. É mentira. Basta checar nos documentos do próprio BNDES, pelo portal da transparência, ou mesmo fazer uma pesquisa na internet. Ele tomou emprestado, a juros baixos, do BNDES simplesmente 57 vezes, entre 1993 e 2014, segundo dados resumidos pelo jornal Estadão. A maior parte deste tempo sob o governo chamado por ele de “comunista”. Isto mesmo, o período em que ele mais cresceu foi sob governo do Partido dos Trabalhadores, com apoio estatal.
Em outro momento, declarou que nunca houvera se posicionado contra a vacina. O Estadão também mostra que ele esteve no Instagram publicando vídeos diretamente contra as vacinas, em geral, e principalmente contra a Coronavac, em particular.
Chegou a considerar “normal” possuir contas em paraíso fiscal para não pagar impostos. Isso também não é verdade. Isso é crime. Quase, se não todas, as suas empresas estão em offshore. E ele confessar isso na cara dura, é uma coisa espetacular.
Agora, quando não mentiu, confessou. Diz ter lutado por todos os empresários, quando se sabe que passou a vender arroz e feijão para driblar as medidas de isolamento social colocadas pelos governos. Isso é uma concorrência desleal. Quer dizer que ele pode vender determinados produtos apenas em situações de crise, a princípio sem autorização?
Além disso, confessou também ter dois documentos sobre a morte de sua mãe: um atestado de óbito e outro que ele arrumou, sabe-se lá de onde, para mostrar à CPI. Não tem o registro da morte da mãe por COVID, como? E ainda culpou o plantonista… Que pouca vergonha.
A conclusão é que ele se complicou. Ele vai ser julgado. Pode levar processo atrás de processo, e o Ministério Público não vai deixar que a justiça seja ridicularizada assim. E não se pode confiar em Jair Bolsonaro para se salvar: este tem o histórico de não se importar em abandonar o próprio time. Abandonou Roberto Jefferson, os caminhoneiros, o Silveira, dentre outros. Resta, talvez, procurar ajuda aos “comunistas”, já que foi com estes que passou a enriquecer como nenhum outro.
Cristian de Paula Sales Moreira Junior é professor de História e mestre em História Política pela UFG. A opinião deste artigo não necessariamente reflete o pensamento do jornal se tornando exclusivamente responsabilidade do autor.