Vamos voltar a falar sobre a classe média. Vamos voltar a falar de Sérgio Moro. Ex-juiz, ex-ministro, ex-herói. Quando se fala em classe média, não consigo pensar em alguém melhor do que ele para representá-la.
Em um primeiro momento, Moro articulou e fez questão de publicizar a ideia que têm sobre si mesmo: herói da classe média que, ao cumprir sua função de juiz – cargo que alcançou por muito esforço individual, isto é, por mérito – puniria o PT por todas a corrupção da política nacional, principalmente referente à Petrobrás. Ainda hoje, a empresa faz parte do seu vocabulário de “campanha”. Com isso, ele fomentava a ideia, adotada pela imprensa mainstream, do eixo Rio-São Paulo, de que a Petrobrás tinha quebrado, estava destruída, por causa da corrupção do PT.
Depois, surgiu por outra parte da classe média, a da oposição, que é um pouquinho mais letrada, a história de que Moro trabalhava comandado pelo departamento de Justiça estadunidense para prender politicamente Lula, com o objetivo de barrar a Petrobrás que, por estar muito bem, atraia o interesse dos norte-americanos. Estes queriam apenas roubar nossa maior riqueza, o petróleo, e assim destruíram a própria Petrobrás. Esse papo não caiu na crença dos trabalhadores e trabalhadoras.
De qualquer modo, houve a constatação de que realmente a Petrobrás não estava destruída. Nem por Moro, nem pelo PT. Os dados indicavam que, apesar das dificuldades que surgem aqui e ali, como em qualquer outra empresa, ela estava, no geral, produzindo lucro. Há quem acredite que o convênio com os EUA não era apenas político, em que Lula seria uma espécie de Che Guevara, preso por atitudes políticas revolucionárias. A ligação era exclusivamente com os acionistas americanos da empresa, que procuraram a justiça americana para descobrir porque estavam perdendo dinheiro no Brasil. Outra vez, Moro surge como herói, como aquele que pode ressarcir os prejuízos da Petrobrás.
Com o passar do tempo, descobrimos que PT tinha razão ao dizer que Moro era um juiz parcial. Quando os diálogos entre Moro e os procuradores surgiram, publicizados por uma articulação ainda pouco entendida entre hackers, políticos e veículos de informação, essa verdade se mostrou até consensual. O problema é que PT não tinha razão em dizer que Moro deu grande prejuízo para a nação sozinho, pois estava no governo, com Dilma, e poderia ter contido, mesmo que numa solução radical, o avanço do lavajatismo e ajudado as empresas que estavam sendo prejudicadas, como a Odebrecht.
Agora, deputados acionaram a justiça para que Moro faça o ressarcimento à nação pelos prejuízos que ele causou à Petrobrás. Vão analisar se a corrupção na empresa é tão grande quanto os prejuízos que o próprio Moro causou a causou. O jogo se inverteu, e o ex-juiz tratou o assunto em suas redes como sendo uma grande piada. Fez isso insistindo que Lula é culpado, numa espécie de obsessão, apesar do julgamento ter sido anulado, mostrando certo desconhecimento do chamado Estado Democrático de Direito, em que todos são inocentes até que se prove o contrário. Para ele, Lula é culpado até que se prove o contrário. Ou melhor, é culpado mesmo que se prove o contrário. Insisto: sabemos que o PT é responsável por isso também, porque era governo.
No presente, Moro se posiciona novamente. A classe média dissidente, representada por ele, constrói a narrativa que Bolsonaro é um ladrão menor. E o grande ladrão, o maior de todos, é o PT, é Lula. Para ele, o PT estaria se organizando para roubar novamente o Brasil, e restaurar uma rede de corrupção internacional. Para ele, como herói da classe média, e como nos lembra muito bem o sociólogo Jessé Souza, a política é apenas corrupção ou não corrupção. Não há propostas de governo, ainda mais que tirem os milhares da ralé brasileira da exclusão, da marginalidade, da miséria, da fome, da precarização do trabalho. Neste assunto, ele nem toca. O que ele entende que precisa ser feito é reduzir a política a roubar ou não roubar. Quando foi que a classe média se tornou tão tosca?
Cristian de Paula Sales Moreira Junior é professor de História e mestre e doutorando em História Política pela UFG.