No cenário atual de globalização, é cada vez mais comum que empresas brasileiras firmem acordos com parceiros estrangeiros em áreas como agronegócio, tecnologia, serviços e até mesmo na indústria criativa. Esses contratos, que definem deveres e responsabilidades, são peças-chave do comércio internacional. No entanto, um fator muitas vezes subestimado pode gerar impasses e ruídos: a influência das diferenças culturais.
Muito além das cláusulas
Ao contrário do que muitos imaginam, um contrato internacional não é apenas um documento com termos padronizados. Ele reflete expectativas, valores e visões de mundo das partes envolvidas. Aquilo que parece óbvio para um empresário brasileiro pode soar incomum ou até estranho para um parceiro dos Estados Unidos, da China ou da Alemanha.
Por exemplo: em países de tradição anglo-saxônica, como EUA e Reino Unido, prevalece o sistema de common law, que exige que todos os pontos estejam claramente descritos no contrato, pois o que não estiver escrito dificilmente terá relevância jurídica. Já nas nações de tradição romano-germânica, como Brasil, França ou Itália, o civil law permite interpretações mais abertas, baseadas tanto na legislação quanto em princípios gerais do direito.
Isso leva a práticas bem distintas: um contrato redigido por advogados americanos tende a ser longo e detalhista, cobrindo praticamente todas as situações possíveis. Já um contrato de estilo europeu costuma ser mais enxuto, contando com a legislação para preencher eventuais lacunas.
Expectativas que geram conflitos
As diferenças não se limitam à parte jurídica — os costumes empresariais também pesam. Em muitos países asiáticos, o contrato vale sobretudo como símbolo da relação de confiança entre as partes, funcionando como ponto de partida flexível para ajustes futuros. No Ocidente, em especial nos EUA, ele é visto como um compromisso rígido: assinado, deve ser cumprido à risca.
Casos práticos ilustram bem essa diferença. Uma exportadora brasileira de grãos pode entender uma cláusula de revisão de preços como espaço para renegociação. Já o parceiro europeu pode encarar a mesma cláusula como um parâmetro fixo, sem margem para adaptação. Esse descompasso de percepções pode gerar atritos e até litígios.
O papel dos mediadores culturais
Nesse contexto, advogados e gestores de negócios internacionais atuam quase como tradutores de culturas. Mais do que elaborar cláusulas, sua missão é alinhar as expectativas e evitar choques de interpretação.
Algumas estratégias úteis incluem:
- Conversas preliminares para esclarecer não só valores e prazos, mas também como cada parte enxerga o contrato.
- Cláusulas de mediação ou arbitragem, que permitem resolver impasses de maneira rápida e neutra.
- Uso de linguagem clara e objetiva, reduzindo o risco de ambiguidades em diferentes idiomas ou sistemas legais.
- Valorização das práticas locais, reconhecendo que, em certas culturas, um encontro informal pode ter tanto peso quanto uma reunião oficial.
O futuro dos contratos globais
Com a digitalização e a expansão do comércio internacional, essas diferenças culturais tendem a se tornar ainda mais evidentes. Recursos como assinaturas eletrônicas, reuniões virtuais e até ferramentas de inteligência artificial aplicadas a contratos já estão mudando a forma de negociar. Ainda assim, um ponto permanece essencial: a capacidade de compreender a cultura do outro.
No fim das contas, contratos internacionais não tratam apenas de questões legais ou financeiras. Eles são, acima de tudo, instrumentos de confiança. E essa confiança, embora universal, sempre precisa ser traduzida com sensibilidade para se manter sólida.
Advogado especialista em Direito Empresarial.


Rogério Paz Lima
Rafaela Veronezi