Saiu o que todos esperávamos. Saiu, finalmente, o programa de governo da chapa Lula-Alckmin, redigido para a campanha. Assim, me proponho a, em uma série de quatro artigos inéditos aqui no Diário de Goiás, fazer uma análise crítica dos principais pontos deste programa.
A primeira impressão é de que não há novidade alguma. Nota-se que, em entrevistas recentes aos jornais, participação em lives e podcasts, os pontos principais já tinham sido colocados. O posicionamento de Lula é de uma forte, e natural, oposição ao atual governo.
O programa está articulado, inicialmente, em torno do problema do trabalho. Isso é coerente com a identidade do partido desde sua criação, afinal estamos falando do Partido dos Trabalhadores, não é mesmo…? O trabalho deve ser mesmo o elemento central das políticas do PT. Há, para além disso, uma breve menção ao combate à corrupção, essencial para iniciar qualquer tipo de diálogo com a classe média. Reitera o papel do Estado na economia, seguindo uma diretriz social-democrata de reforma do capitalismo, quando se posiciona em não abrir mão do Estado como promotor de políticas econômicas e de bem estar social. No entanto, a direita pode ficar tranquila (risos). O texto, para além da retórica, não apresenta nenhuma ruptura com a política econômica capitalista neoliberal, nem políticas comunistas.
No máximo, enaltece o Bolsa Família. Já era de se esperar. É um dos maiores legados deixados pelo governo do PT: democratização da renda. Propõe a revogação do teto de gastos. É claro… Ele não tem mais sentido. Já foi “furado” há muito tempo, só que por objetivos não muito nobres – como a compra do Centrão –, ou pelo menos não que nos interessem: saúde, educação, dentre, investimento social, entre outros. Há também uma menção a revogação da reforma trabalhista de Michel Temer. Colocaremos o que no lugar? Uma nova reforma? Uma espécie de contrarreforma? A revisão do regime fiscal é outro assunto apontado, mas não explorado.
É um programa, em geral, de uma social-democracia branda, que não coloca de forma alguma qualquer restrição ao padrão já estabelecido desde a década de 1990: o chamado tripé macroeconômico. É uma política neoliberal, com um caráter de desenvolvimentismo mitigado. Nada muito diferente, em termos retóricos, do primeiro governo Lula. Em termos retóricos porque o contexto nacional e internacional é radicalmente diferente, e porque não se pode assegurar sua prática efetiva. Afinal, não podemos nos esquecer de que temos um histórico opositor aos governos do PT na chapa: o próprio Alckmin.
Talvez, o que pode ser considerado um ponto de esquerda mesmo, seja a defesa de um fortalecimento dos sindicatos, mas sem a volta do imposto sindical. Como haverá esse fortalecimento, sem o imposto? E outra: um programa de governo, de Estado, falando de sindicatos? Demonstra aquele tipo de relação orgânica entre o partido e determinadas organizações sindicais que já temos lá as nossas críticas.
O texto também fala de “construção de um sistema de negociação coletiva” e de “uma especial atenção aos trabalhadores informais e de aplicativo”. Ficou muito em aberto. O que uma atenção especial significa? Eles vão ser formalizados, ou se manterão na informalidade? Como resgatá-los?
Quando se fala da reforma tributária, e da taxação de renda, o texto nem menciona a distribuição dos dividendos. O mercado financeiro, sabemos, é quase inatingível nas circunstâncias atuais. Taxá-lo é essencial para uma melhor distribuição de renda. Esta área que não produz nada, e só vive de especulação que enriquece desigualmente a população. A economia financeira não é uma economia real. Não existe um capitalismo financeiro acoplado a um capitalismo produtivo. Todo o nosso sistema, assim, fica comprometido ao futuro: o crédito espera nada mais que alguém trabalhe para cumprir com o próprio crédito recebido. Regras de taxação, não existem.
Veja, caro leitor ou leitora, programas de governo podem ser objetivos, é claro. Mas alguns pontos precisam ser discutidos com a sociedade. Na verdade, penso que o ideal é que haja uma versão mais enxuta, e outra mais elaborada apresentando ponto a ponto o que se propõe, para quem se interessar, como nós. É claro que não estamos falando de um programa como o de Bolsonaro em 2018, que não apresentou nada de real. Mas, de qualquer forma, só assim pra existir uma democracia participativa.
Cristian de Paula Sales Moreira Junior é professor de História e mestre e doutorando em História Política pela UFG.