03 de setembro de 2024
Opinião
Publicado em • atualizado em 13/02/2022 às 00:31

Precisamos de uma nova reforma política?

         Na lei 13.488, de 6 de outubro de 2017, conhecida como “minirreforma eleitoral”, empreendida pelo Congresso Nacional, em parceria com o Governo Temer, uma série de mudanças enxergadas como positivas pelos analistas políticos brasileiros, dentre os quais me encaixo, geraram uma expectativa de reestruturação de um sistema partidário com maior enraizamento na sociedade, uma representatividade na relação eleitores-eleitos de forma mais profunda (a longo prazo), bem como maior transparência nos gastos e doações de campanha. 

Entre os principais avanços da reforma de 2017, destaco a criação do fundo eleitoral em harmonia com o limite de gastos. Também a cláusula de barreira que estabeleceu que o financiamento público e tempo de televisão/rádio só será concedido a partidos que conseguirem acompanhar a evolução da cláusula na conquista das cadeiras no legislativo (5%, 10%, 15%…em diante). Outra grande conquista foi o fim das coligações para eleições proporcionais, fazendo como que os partidos se apoderassem diante dos acordos inter-partidários, diminuindo o efeito dos “puxadores de voto” que causavam a distorção do “eleito do PT puxar um candidato do DEM”, devido a arranjos políticos regionais, bem como candidatos com votos superiores àqueles puxados, que ficavam de fora.

Após as eleições de 2020, que foram o termômetro final para o experimento das novas regras eleitorais (muitas não valeram em 2018), vários políticos tradicionais e novatos também, acabaram tomando um verdadeiro susto ao ver que figuras tradicionais das câmaras legislativas não conseguiram alcançar o cociente partidário para fazer cadeiras, mudando a lógica da concentração de cadeiras em torno de políticos tradicionais, mas com pouca representatividade, e sempre ancorados em puxadores de votos para formar as alianças. A pronta resposta a isso foi que terça-feira, 04 de maio, a Câmara dos Deputados instalou uma comissão especial para resgatar e debater a PEC 125/2011, de autoria do então deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP).

Os principais pontos da PEC são, o retorno do debate sobre o “distritão” (que já foi votado e rejeitado duas vezes no plenário da câmara), que pode dilapidar ainda mais um sistema de partidos fraco, uma vez que a tendência é que os mais apenas os mais famosos sejam eleitos, já que apenas os mais votados é quem assumiriam as cadeiras, independentemente do desempenho da sigla, o que contraria a forma como a legislação está agora, em que o mais votado cumpre um papel junto aos demais candidatos ao buscar enrobustecer o cociente partidário, ou seja, as vagas são distribuídas proporcionalmente ao número de votos que os candidatos e os partidos recebem. Os votos nos partidos e nos candidatos derrotados não são considerados para efeitos de cálculo. Há assim um enfraquecimento da democracia e do princípio da representatividade, em especial das minorias.  Este modelo cria uma espécie de eleição majoritária ao legislativo (como o de governadores e senadores), suprimindo o equilíbrio do sistema proporcional, e favorecendo candidatos com capacidade alto alcance midiático, bem como incentivando o voto fisiológico (aquele que acontece por meio de trocas com os candidatos, sem compromisso com as propostas). 

A comissão será comandada e relatada por deputados do Centrão, como era de se esperar, pois são aqueles que dependem de mecanismos de patronagem e fisiologismo (trocas de emprego e ajudas de custos por votos) com seus eleitores para manterem seus cargos.  Mas será que o cálculo destes deputados está correto?

Chamo a atenção, no entanto, para argumentos trazidos pelo cientista político Jairo Nicolau, na segunda vez em que o tema esteve à baila, em 2017, que considera o apoio de políticos tradicionais à proposta como algo irracional. Sem o financiamento privado de campanhas é no mínimo razoável imaginar que personalidades da mídia, youtubers, do cenário cultural, esportivo e líderes religiosos, tenham um desempenho muito melhor do que políticos tradicionais, o que favoreceria a uma renovação sem lastro institucional. Portanto nos resta questionar se é muita “confiança no taco” por parte dos atuais mandatários, ou simplesmente erro de cálculo.

Outro ponto importante que pode ser alterado é o da cláusula de barreira, que aumenta a força dos partidos com mais representatividade, ou seja, aqueles que elegem mais candidatos recebem a maior fatia do bolo, os demais tendem a desaparecer, por não haver na sociedade a cultura do financiamento voluntário. A tendência é que os partidos-empresa sumam, diminuindo a fragmentação partidária e melhorando as condições de governabilidade aos governos eleitos.

O fato é que os efeitos da última reforma eleitoral quase nem foram experienciados. O Brasil colocou em curso em 2017 uma legislação que realmente pode produzir bons frutos ao longo dos próximos 15-20 anos. No entanto, como é tradicional por parte da nossa elite política, que possui baixo enraizamento na sociedade, ao sentir a possibilidade de perder o jogo, muda-se então a regra do jogo. Mesmo assim, um importante mantra não pode ser deixado de lado que é o de que toda reforma eleitoral é para políticos como um convite ao peru para organizar a ceia de Natal.

(Guilherme Carvalho é mestre em Ciência Política (UFG), Professor dos cursos de Direito e do MBA de Gestão de Políticas Públicas da UniAraguaia. Também é Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Eleitoral e Ciência Política (GEDECiP).  Escreve para o Diário de Goiás sempre às quintas-feiras. As opiniões do autor deste artigo não refletem à opinião do veículo.)