A vida, com seus altos e baixos, é um palco constante para emoções de todos os tipos. Mas algumas parecem ter um “grude” especial, como se se agarrassem à gente e se recusassem a soltar. Quem nunca se viu preso em um ciclo de raiva, ansiedade ou frustração, pensando: “Por que é tão difícil simplesmente deixar pra lá?”
Me lembro de uma conversa com uma amiga que, depois de uma reunião tensa no trabalho, ficou remoendo o que tinha acontecido. Horas depois, ela ainda repetia as mesmas frases: “Não acredito que ele falou aquilo comigo”, “Eu devia ter respondido diferente”. O curioso é que a reunião já tinha acabado — mas, dentro dela, o conflito continuava vivo. Quem nunca passou por isso? Quantas vezes chegamos em casa ainda carregando o peso de algo que já ficou no passado, mas que insiste em ecoar em nossos pensamentos?
Essa dificuldade em nos desvencilhar das emoções negativas tem explicação. O que sentimos na superfície — raiva, medo, ansiedade — é só a ponta de um iceberg emocional. Por baixo, existe um reservatório de experiências guardadas, memórias e percepções que operam quase no automático. É como se a emoção visível fosse apenas um sinal de fumaça de algo mais profundo, que nem sempre temos coragem ou clareza para explorar.
Além disso, a negatividade tem um poder especial: ela é pegajosa. E não é só impressão nossa. Pesquisadores como Paul Rozin e Edward Royzman mostraram que nosso cérebro dá mais atenção às experiências negativas do que às positivas. É um mecanismo de sobrevivência herdado da evolução. Afinal, para nossos ancestrais, lembrar-se de um perigo podia significar a diferença entre viver ou morrer. Hoje, esse mesmo mecanismo faz com que uma crítica pese mais do que dez elogios, ou que um erro fique ecoando na mente por muito mais tempo do que um acerto.
Quem já recebeu uma avaliação positiva no trabalho, recheada de elogios, mas ficou obcecado justamente com a única crítica que surgiu no meio da fala do avaliador, sabe bem do que estou falando. Esse é o viés da negatividade em ação: a tendência de dar muito mais peso ao que dói do que ao que alegra.
Não bastasse isso, a negatividade também sabe se justificar. Ela cria narrativas convincentes para permanecer. Nos convence de que é legítima, até necessária. Dizemos a nós mesmos frases como “preciso pensar nisso até resolver” ou “não posso esquecer o que aconteceu”. E, assim, ficamos presos em uma dança em que a emoção parece conduzir os passos, enquanto nossa mente constrói desculpas para manter o ritmo.
Mas há uma boa notícia: é possível se desprender. O primeiro passo é reconhecer que essas emoções existem — sem negá-las, mas também sem se confundir com elas. Há uma diferença importante entre dizer “estou sentindo raiva” e dizer “eu sou uma pessoa raivosa”. A raiva é como uma gripe: pode nos abater por alguns dias, mas não define quem somos.
Quando conseguimos enxergar a emoção como algo temporário, ela perde parte de sua força. Isso não significa indiferença, mas sim autocompaixão. É como escolher não alimentar a fogueira. Se ela já está acesa, não precisamos jogar mais lenha.
A ciência nos mostra alguns caminhos práticos para isso. Práticas de mindfulness, por exemplo, ajudam a trazer as emoções à luz sem se deixar arrastar por elas. É como se, ao observar a emoção com curiosidade, ao invés de julgamento, ela naturalmente perdesse intensidade. Estudos em psicologia positiva e neurociência têm mostrado que esse simples ato de observar muda a forma como o cérebro processa os sentimentos.
Outra estratégia poderosa está no uso de afirmações conscientes. Frases como “Isso vai passar”, “Já lidei com isso antes” ou “Sou maior do que meus sentimentos” funcionam como âncoras. Elas redirecionam a mente e nos lembram de que somos maiores do que aquele momento. Por outro lado, pensamentos como “Não mereço isso” ou “Alguém vai pagar” só aumentam o peso do que já está difícil. É como se estivéssemos grudando ainda mais cola naquilo que queremos soltar.
É importante lembrar que desprendimento não é o mesmo que indiferença. Não significa ignorar o que sentimos ou fingir que nada aconteceu. Pelo contrário, é um ato de coragem e de autocompaixão. É escolher olhar de frente para a emoção sem permitir que ela se torne a nossa identidade.
Pense novamente na história da minha amiga. No dia seguinte àquela reunião difícil, ela me disse: “Ontem fiquei mal, mas hoje percebi que aquela cena não precisava ocupar tanto espaço em mim.” O fato havia acontecido, mas o sofrimento só permaneceu enquanto ela o alimentava. Ao decidir soltar, ela abriu espaço para seguir em frente.
Esse processo é uma habilidade que se aprende. Assim como treinamos o corpo nos esportes, podemos treinar a mente para não se prender tanto ao que machuca. Requer prática, paciência e intenção. É como aprender a surfar: no início, cada onda parece grande demais, mas, com tempo e treino, ganhamos equilíbrio para deslizar sem sermos engolidos.
No fim das contas, não se trata de eliminar as emoções negativas — porque elas fazem parte da experiência humana — mas de aprender a não se confundir com elas. A vida continuará trazendo desafios, mas podemos escolher não carregar cada pedra no caminho como se fosse parte de nós.
As emoções negativas podem até grudar, mas não precisam nos aprisionar. Quando aprendemos a soltá-las, descobrimos que a liberdade emocional não é um luxo, mas uma possibilidade real. E é nesse espaço de leveza e autenticidade que encontramos uma paz mais duradoura — aquela que não depende da ausência de problemas, mas da presença de escolhas conscientes.
Te convido a refletir: quais emoções você tem carregado além do necessário? Quais histórias sua mente insiste em repetir, mesmo que já não façam sentido? Talvez hoje seja o dia de experimentar o simples, mas transformador, ato de soltar.
Rafaela Veronezi é neurocientista, doutora pela UNICAMP/SP. Palestrante e pesquisadora na área de Comportamento e Desenvolvimento Humano. Mentora em Autoliderança Estratégica.


Rogério Paz Lima
Rafaela Veronezi