Você já notou que a mudança é algo paradoxal em nós? Queremos transformação — uma crença que nos limita, uma mania que nos sufoca, um jeito de estar no mundo que já não nos serve. Mas no momento da ação, há um desconforto que nos paralisa.
Essa tensão é um reflexo da própria vida. A natureza é dinâmica, o cosmos está em constante movimento — e nós, seres humanos, não estamos fora dessa dança. Resistir à mudança é resistir à própria essência do viver.
Na maioria das vezes, o desejo de mudar nasce de uma insatisfação que não conseguimos nomear. Um incômodo com aquilo que se repete, uma sensação visceral de que merecemos algo mais. É como se houvesse dentro de nós um chamado discreto, mas persistente, sussurrando: você não foi feito para permanecer inerte.
Quando conseguimos ouvir esse chamado — lá em silêncio, longe de ruídos externos — algo muda. De repente, conseguimos olhar para padrões limitantes como realmente são: escolhas que fizemos, hábitos que cultivamos, crenças que abraçamos.
Freud certa vez provocou com uma pergunta que incomoda e liberta: “Qual é a sua responsabilidade pela desordem da qual você se queixa?“
Simples, não é? Mas devastadoramente honesta. Em vez de buscar culpados externos, ela nos leva a investigar uma verdade: como nossas escolhas — ou a falta delas — sustentam as situações que nos aprisionam?
O primeiro passo da mudança é prestar atenção. Verdadeiramente prestar atenção. Reconhecer os sinais que surgem nos momentos de incômodo, aquelas lições que nos repetem a mesma história até que finalmente decidamos escutá-la.
Às vezes, esses chamados são sutis — quase sussurros. Mas quando insistimos em ignorá-los, a vida costuma falar mais alto. Crises. Perdas. Adoecimentos. Terremotos internos que nos tiram da zona de conforto.
Embora dolorosos — às vezes, devastadores — esses momentos têm algo de revelador. São mergulhos profundos que iluminam aspectos de nós mesmos que jamais encararíamos na superfície.
E por que resistimos tanto à mudança? Muitas vezes porque nos apegamos às nossas próprias “armaduras enferrujadas” — aquelas defesas que uma vez nos protegeram, mas agora nos sufocam.
Para seguir em frente, é preciso aprender o gesto mais difícil: soltar. Desaprender. Deixar ir. Morrer para algumas versões de si mesmo… Esse desapego é doloroso. Mas também libertador.
Precisamos ser honestos: isso não significa fingir que o sofrimento foi uma bênção disfarçada. Há momentos em que a dor é tão intensa que não é possível extrair lições no calor do momento. Nesses casos, o que precisamos é de acolhimento genuíno, de tempo, de paciência com nossas fraturas. Muitas vezes, também precisamos de apoio profissional ou comunitário. Só depois, quando chegamos ao outro lado, conseguimos transformar o sofrimento em aprendizado.
Outro ponto essencial: reconhecer que nem tudo pode ser mudado. Traços de personalidade, por exemplo, permanecem como uma base estrutural. Aquele jeito sua de ser, aquela tendência sua a certas emoções — estão fincadas fundo.
Mas aqui está o segredo: podemos aprender a modulá-los, amadurecendo nossa forma de nos relacionar com o mundo. Autoconhecimento não é uma promessa de se tornar outra pessoa. É aprender a viver melhor com quem já somos. E é nesse ponto que entra a autocompaixão — aquela capacidade de olhar para nossas “imperfeições” sem ódio. Porque, verdade seja dita, muitas das características que hoje consideramos negativas podem ter nos protegido em algum momento crítico da vida. Elas têm histórias. Elas fizeram sentido.
A verdadeira transformação acontece quando ousamos mudar pelo que realmente importa para nós. Quando seguimos o chamado que emerge de dentro, não o eco que vem de fora.
Mas, claro, não há atalhos. A mudança exige paciência. E exige algo que subestimamos: a capacidade de dar pequenos passos. Pequenos hábitos consistentes, quando cultivados diariamente, geram revoluções silenciosas, que, no tempo certo, se tornam visíveis e transformadoras.
E aqui vai um lembrete essencial: mudanças autênticas não seguem uma linha reta. Haverá recuos. Retornos a velhos padrões. Momentos em que parecerá que nada está avançando, que você falhou, que voltou ao ponto de partida.
Isso é parte do processo. Crescimento real é feito de idas e vindas — de tentativas, tropeços, e novas tentativas. Portanto, é preciso paciência consigo mesmo e confiança de que cada recaída não apaga os passos anteriores.
No fim, o segredo está nessa dança: mover-se quando necessário, repousar quando a vida pede pausa. No fundo, o que nos adoece é a insistência em permanecer iguais quando tudo ao redor — a natureza, o tempo, o universo — já nos convida a ser novos.
A pergunta não é mais: consigo mudar? A pergunta é: o que ainda estou esperando para começar?
Neurocientista, doutora pela UNICAMP/SP. Palestrante e pesquisadora na área de Comportamento e Desenvolvimento Humano. Mentora em Autoliderança Estratégica.


Luís Carlos Bordoni
Rogério Paz Lima
Luiz Carlos Bordoni